terça-feira, 20 de setembro de 2011

Réquiem a um velho revolucionário

Réquiem a um velho revolucionário

"24 de Dezembro de 1922

Pela estabilidade do Comitê Central, da qual falava mais acima, entendo as medidas contra a ruptura ao passo em que tais medidas possam, em geral, adotar-se. Porque, naturalmente, teria razão o guarda branco de Rússkaya Mysl (creio que era S. F. Oldenbourg) quando, o primeiro, no jogo dessas gentes contra a Rússia Soviética colocava suas esperanças na cisão de nosso Partido e quando, o segundo, as esperanças de que iria a provocar esta divisão as cifrava em gravíssimas discrepâncias no seio do Partido.

Nosso Partido se apóia em duas classes[2N], e por isso é possível sua instabilidade e seria inevitável sua queda se estas duas classes não pudessem chegar a um acordo. Seria inútil adotar umas ou outras medidas com vistas a esta eventualidade e, em geral, fazer considerações acerca da estabilidade de nosso CC. Nenhuma medida seria capaz, neste caso, de evitar a divisão. Mas eu confio que isto se refere a um futuro longínquo e é um acontecimento improvável demais para falar do mesmo.

Me refiro à estabilidade como garantia contra a ruptura em um futuro próximo, e tenho a proposta de colocar aqui várias considerações de índole puramente pessoal. Creio que o fundamental no problema da estabilidade, desde este ponto de vista, são tais membros do CC como Stálin e Trotsky. As relações entre eles, a meu modo de ver, encerram mais da metade do perigo desta divisão que se poderia evitar, e a cujo objetivo deveria servir entre outras coisas, segundo meu critério, a ampliação do CC a 50 ou até 100 membros.
O camarada Stálin, tendo chegado ao Secretariado Geral, tem concentrado em suas mãos um poder enorme, e não estou seguro que sempre irá utilizá-lo com suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, segundo demonstra sua luta contra o CC em razão do problema do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação, não se distingue apenas por sua grande capacidade. Pessoalmente, embora seja o homem mais capaz do atual CC, está demasiado ensoberbecido e atraído pelo aspecto puramente administrativo dos assuntos.
Estas características de dois destacados dirigentes do atual CC podem levar sem querer-lo à ruptura, e se nosso Partido não toma medidas para impedir-lo, a divisão pode vir sem que se espere. Não seguirei caracterizando aos demais membros do CC por suas características pessoais. Recordarei apenas que o episódio de Zinoviev e Kamenev em Outubro[3N] não é, naturalmente, uma casualidade, e que se disto não se pode culpar pessoalmente, tão pouco a Trotsky pelo seu não bolchevismo[4N].

Quanto aos jovens membros do CC, direi algumas palavras sobre Bukharin e Piatakov. São, a meu juízo os que mais se destacam (entre os mais jovens), e neles deveria se levar em conta o seguinte: Bukharin não é só um valiosíssimo e notabilíssimo teórico do Partido, senão que, ademais, se lhe considera legitimamente o favorito de todo o Partido; porém suas concepções teóricas muito dificilmente podem qualificar-se de inteiramente marxistas, pois há nele algo escolástico (jamais estudou e creio que jamais compreendeu por completo a dialética).

25.XII. Depois vemos Piatakov, homem sem dúvida de grande vontade e grande capacidade, porém a quem atrai demais a administração e o aspecto administrativo dos assuntos para que se possa confiar nele um problema político sério.

Naturalmente, uma ou outra observação são válidas apenas para o presente, supondo que estes dois destacados e fiéis militantes não consigam completar seus conhecimentos e corrigir sua formação unilateral.
Lenin
25.12.22
Taquigrafado por M. V.
Suplemento à Carta de 24 de Dezembro de 1922
Stálin é brusco demais, e este defeito, plenamente tolerável em nosso meio e entre nós, os comunistas, se coloca intolerável no cargo de Secretário Geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem a forma de passar Stálin a outro posto e nomear a este cargo outro homem que se diferencie do camarada Stálin em todos os demais aspectos apenas por uma vantagem a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer fútil tolice. Porém eu creio que, desde o ponto de vista de prevenir a divisão e desde o ponto de vista do que escrevi anteriormente sobre as relações entre Stálin e Trotsky, não é uma tolice, ou se trata de uma tolice que pode adquirir importância decisiva.
Lenin
04.01.23
Taquigrafado por L. F."
Requiem a Lenin


Esse era o trecho do que viria ser tratado como o "Testamento Político de Lênin", uma série de apontamentos do próprio líder soviético a cerca de seus prováveis herdeiros.

Como viram, ele não ataca somente Stálin, como também Trotsky. Ele mostra com atenção que mesmo Stálin sendo "muito rude", Trotsky também se via consumido pela soberba (o que se revelou verdade até a picareta).

Por incrível que pareça, Lenin acabou acertando: Stálin acumulou muito poder, e com suas feições rudes, acabou proporcionando um dos maiores banhos de sangue da História. Trotsky, como sempre, continuou arrogante e presunçoso, o que acabou resultado na cisão do Partido (em stalinistas e trotskystas), Bukharin, Zinoviev e Kamenev foram absorvidos pela pura e simples esquisofrênia estalinista e acabaram sendo fuzilados.

Por muito tempo esse discurso permaneceu esquecido, mesmo tendo sido propagado aos montes em tipografias clandestinas em Leningrado, esses papelotes desapareceram da URSS (junto com os tipografos) por um longo tempo.

Muitos hoje dizem, após cuspir no Mausoléu, que Lênin foi um assassino, um maníaco homicida que tanto fez mal ao mundo (russos, inclusive!). Eu não vejo assim, Lenin podia não ser perfeito (afinal ele era humano), mas muitos dos crimes que lhe inculpam (como o assassinato dos Romanov, o Terror Vermelho), sequer tem provas que o liguem a isso.

Alguns aproveitando a derrocada comunista, tentam incessantemente angariar apoio à causa petit-bougoise de que apenas num estado democratico pode se existir uma sociedade justa . Verdade. Mas qual é o seu tipo de democracia? Democracia grega, a qual tanto se escondem na barra da túnica de Péricles os liberais, que admitia a escravidão e outras coisas mais. Democracia liberal, de cunho pequeno-burguês, que apenas fala em liberdae, liberdade, dando liberdades a poucos, e deveres a muitos? Ou a democracia socialista (que eu realmente acredito que seja diferente de social-democrata) na qual os homens elegem entre si, com liberdade de escolha, de expressão e de pensamento, mas que tem direitos sociais formalizados em lei, sob o jugo do Estado, observante, para com a opressão capitalista.

Lênin podia ser falho, mas não era culpa dele. Se ele fez o modelo da Ditadura do Proletariado, não foi porque ele deu na doida e quis fazer isso, mas foi porque ele quis tornar o seu sonho em realidade.

A única chance, que ele via na época, enquanto lia o Manifesto de Marx, em cima de um fogão à lenha (era muito comum para se esquentar do frio), era a Ditadura do Proletariado. Que mesmo que não soubesse como faria, ele ainda tinha na imaginação o que deveria fazer.

Sabiam vocês que Lênin já fora advogado? E que volta e meia tentava através da lei auxiliar os pequenos agricultores empobrecidos a quem cobrava apenas algo para se comer (como galinhas), mas mais raramente, também dinheiro!

Lênin era um pioneiro, fora o primeiro a liderar uma revolução socialista com sucesso, mas eu aposto, que se ele pudesse fazer uma Revolução sem pingar uma gota de sangue, ele faria.


Mas não parecia ser possível na autocracia assassina dos Romanov. Ele mesmo perdera um irmão assim.

Culpem Lenin por outros erros, erros teóricos talvez, mas não embebam seus discursos apenas em fontes pequeno-burguesas e trotskysta que tão debilmente querem compenetrar no imaginário popular ao tentar mostrar Lenin como um assassino e não um revolucionário.
Adeus, Lenin!

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