quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Rumo à Iluminação





Na pequena casa térrea amarela de tijolos vermelhos nas ruas do subúrbio da Capital Federal; espremida entre um imponente casarão rosa e um pequeno casebre onde se guardavam  materiais reciclados, nasceu o ávido leitor que hoje relata. Hoje tais recordações de uma infância modesta se pronunciam neste relato.

Uma criança pequena e magra desdentada com  uma capacidade acadêmica aquém do esperado, assim me descreviam as funcionárias da creche a quem me chamavam de “pestinha”. Só fui tomar noção do que eram letras e números de quatro a cinco anos, quando fui imerso na escola pública. Os meus pais, naquela época, tinham maiores problemas para lidarem do que uma criança com desempenho fraco — o alcoolismo do meu pai e as dificuldades financeiras eram problemas maiores.


Enfim, no dia do meu aniversário, em maio de 1999, quando tinha 5 anos, enfim ganhei um livro de minha estimada tia, um livro grande, repleto de gravuras coloridas e imagens pitorescas, desde então me interessei por aquele Um Tesouro de Contos de Fadas de onde saiu meu interesse pela leitura.


Imerso em histórias de Ali Babá, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Gato de Botas, Vassilissa e O Pássaro de Fogo empenharam-me um papel de obrigação em aprender a ler e a escrever, tanto que me diagnosticaram aluno notável, assim fui realocado do Pré-Escolar (1° ano) para a 1° série (2° ano), daí por diante, não parei mais de ler.

Papai enfim parou de beber, o que tornou-se um alívio para todos nós, e começou a progredir em sua carreira no comércio  , dado o sucesso do Plano Real, enfim fui colocado em escola particular, uma escola de desempenho tão tristonho que até hoje me dá vergonha em pronunciar em lábios tão impuros seu nome quase cômico; mas devo ressaltar que foi lá onde recebi um grande apoio de uma professora para com a leitura, nunca esquecerei o que aquela professora fez por mim, as portas para o sucesso estavam abertas.


Comecei a ler O Pequeno Príncipe, Meu Pé de Laranja Lima e os livros de Pedro Bandeira, como Droga da Obediência, com o qual fiquei realmente intrigado, até passar pelos clássicos de Jules Verne como A Volta do Mundo em 80 Dias, Viagem ao Centro da Terra, 20 mil léguas submarinas, sendo as três as que mais adorei durante minha puberdade, até hoje lembro-me das aventura de Phíleas Fogg e João Faz-Tudo ao redor do mundo e do capitão Nemo através dos mares.


Enfim um choque me fez mudar totalmente a minha concepção de mundo para sempre, ao caminhar pelo centro daquela instalação suburbana (aquilo nem sequer poderia ser chamado de cidade um dia), vir-me de cara com as desigualdades sociais: Um casal de velhos, todos puídos e com as vestes estouradas, levaram sua pequena neta — tinha quatro anos, no máximo — para catarem o lixo em uma caçamba do restaurante fast-food  no cruzamento da avenida principal (por assim dizer, na Capital, oficialmente só há duas avenidas) com a via paralela a uma via arterial, até aí nada de mais, até que algo aconteceu...


A menina faminta mergulhou na caçamba e começou a comer os restos putrefatos de comida,ali, na frente de todo mundo, por fim, veio o guarda, com o seu colete reluzente e nariz empinado e cassetete em mãos, do nada, o policial começou a bater nos velhos na cabeça, na barriga, nos finos ossos e enfim dirigiu um ataque irracional à crianças  — todos ficaram pasmos—, mas como se o absurdo não acabasse por ali, mandou à cadeia o casal de mendigos. Ainda durante a noite escuto o choro daquela criança nos meus ouvidos.


Esse relato apenas demonstra a truculência catastrófica do poder estatal, aqui representado pela polícia, as desigualdades sociais me chocaram tristemente, já que eu vivia numa utopia pequeno-burguesa de que hoje me envergonho, foi durante aquele período que me apresentaram o socialismo.


Eu misturava naquela época uma paixão por leitura, cinema e música erudita, então me senti  interessado por estudar a teoria musical — o que revelou-se um fracasso — e a escrever livros, mesmo que o primeiro número do Capitão Português tenha se tornado um fracasso, eu não deixei que um fracasso me detivesse, sendo que hoje me empenho em fazer um Magnum Opus (que é segredo guardado nos porões da KGB).



Os negócios do meu pai prosperaram cada vez mais, sendo que tornou-se incompatível continuarmos naquele local tão afastado do Plano Piloto, assim meu pai decidiu que iríamos morar em um local mais próspero e tranquilo, próximo ao Plano Piloto, o Guará.


É fato que perdi muitas amizades com essa mudança, mas também é fato que desse momento em diante eu teria maior visibilidade e chances de sucesso: Um grande salto se acompanhou dessa mudança, o aluno com desempenho aquém o esperado, o “pestinha” que estudara na escola pública, saía de um colégio que focava mais religião que estudo para estudar no Centro Educacional S..., um dos mais renomados colégios da Capital.


Sofri muito durante a adaptação à nova escola, onde a high society frequentava, sofri bullying desde a primeira semana de aula e era quase impossível a matemática avançada para os meus padrões da época, mas isso só me fez focar os estudos. 


Foi também naquele colégio que eu tive contato com o meu primeiro professor que amava a arte de ensinar e de instruir, Iomar. Quem diria que aquela figura diminuta de óculos proeminentes seria o modelo de historiador em que hoje me espelho? Ele me ensinou tudo, desde Revolução Russa até a Queda do Muro de Berlim, ele me protegeu dos meus agressores e me ensinou o que uma boa retórica e uma ótima oratória podem promover aos alunos.


Nunca antes me interessei tanto pela a História em si, a relação de causas e eventos, as ideias que surgem e permanecem, os conflitos, as eras de paz, as biografias, tudo comecei a estudar.



O primeiro livro não-didático de História que tive contato deve ter sido Uma Breve História do Século XX de Geoffrey Blainey, depois comecei a ler A História das Guerras do Demétrio Magnoli , passando por Eric Hobsbawm, comecei então a ler o interminável Dia D de Stephen E. Ambrose — Que já desisti de ler por ser tão chato — então comecei a ler sobre a Segunda Guerra Mundial — Tema clássico — até por fim ter um contato mais forte com a História da Revolução Russa e da União Soviética, tema em que me realizei.
Nos meus estudos sobre a URSS, apaixonei-me, ideologicamente, pela figura de Lênin, o líder que saiu da nobreza czarista para liderar a primeira Revolução Proletária do Mundo, comecei a ler a primeira parte do Das Kapital de Marx, o Manifesto Comunista de Marx e Engels, Rumo à Estação Finlândia de Edmond Wilson e o célebre Dez Dias Que Abalaram o Mundo de John Reed, fui batizado socialista.
Comecei então a ler sobre o sucessor de Lênin, Stálin, a quem vejo como um tirano sanguinário e psicopata, assim, fiquei muito impressionado com os seguintes livros: A Corte do Czar Vermelho e O Jovem Stálin, ambos de Simon Sebag Montefiore, Um Stálin desconhecido, dos irmãos Medvedev e Stálin, os nazistas e o Ocidente de Laurence Rees.


Os livros recentemente ilustrados me trouxeram para a edição de um novo livro, cujo nome nem mencionarei, mas onde embaso minhas pesquisas  em torno da figura de Iossif Stálin.



Quanto à literatura, li Os Lusíadas, de Camões, que achei interessante, mas complexo de se ler, Germinal de Emile Zola, que me deixou bastante iluminado, além dos romances de capa e espada, como Don Juan, Os três Mosqueteiros e o Conde de Monte Cristo, ambos de Alexandre Dumas, pai, além dos insuperáveis Guerra e Paz de Tolstoi, Crime e Castigo de Dostoievsky e os Contos de Anton Tchekhov (Tchekhov é o meu autor favorito). 


Enfim veio uma das maiores glórias da minha vida acadêmica, após quatro anos de estudo no S..., enfim passei no vestibular e o no PAS em primeira chamada nos dois, o filho de uma alcoólatra a quem creditavam poucas chances de sucesso educacional enfim entrou na Universidade de Brasília com 16 anos — meu próprio pai só foi aprender a ler e escrever com 17 anos!



Ao primeiro membro da família na Universidade era creditada à função de seguir ao Direito, Medicina ou Engenharia, mas para o desgosto de meu próprio pai, optei pela História, que me realiza e pode trazer benefícios aos meus estudos sobre a URSS.



A minha leitura de mundo foi alterando-se conforme eu crescia e lia, o pequeno garoto, que vivia com medo do pai alcoólatra enquanto este caia de bêbado no meio fio, desaparecera, hoje não olho um mundo perfeito, mas olho um mundo a ser transformado, não sou tolo de acreditar que posso mudar o mundo, eu sou só um, mas posso ajudar a melhorá-lo, posso deixar um legado para que outras pessoas pensem nos outros e não em si.  Apesar da infância humilde, o pai alcoólatra, eu me considero com sorte, pois pelo menos pude aproveitar minhas chances nos estudos, ao contrário de grande parte da população (os meus amigos de infância servem de exemplo: um envolveu-se no crime e foi assassinado, outro se suicidou, outro foi assassinado pela polícia e um quarto simplesmente desapareceu) . Em minha leitura, isso deve mudar.

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