quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A flechada de Cupido

Ele, levanta dentre os demais e exclama com cautela um estudo sobre a linguística em questão. Imensurável, ele dá as mostras históricas de como aquela língua eslava se assemelha ao russo, mesmo sendo o seu professor um polonês ferrenho e no seio do seu imaginário, anti-russo.

Embora ele não ache para tanto tal hostilidade, o jovem rapaz chega até compreender os motivos que levam o já um tanto envelhecido professor de Polonês.

O rapaz entrara naquela turma, não porque amasse a Polônia e seus costumes, na verdade pouco sabia, e se interessava mais pela Rússia, a quem tinha grande apreço. Contudo, era naquela turma de polonês que ele tencionava ter aulas de uma língua eslava, considerando que o seu russo, ainda fosse podre, e assim entrou para a turma e Polonês 1.

De início, deve-se expor, que quando adentrou naquela turma, ele se sentiu só, achou realmente que fosse o único ali que fosse do curso de História; ele sabia que teria que se abrir de corpo e alma àquela nova língua, mas ainda não estava receptivo para tanto.

Conhecera um camarada de Letras, a quem faziam juntos Latim por um acaso do destino; Fizera familiaridade com o professor de Polonês, marido de quem seria a professora de polonês do jovem rapaz.

Ele se sentia só naquela turma, mas não tencionava expressar suas emoções.

— Dzien Dobry! Meu nome é Henryk S., e por esse tempo serei seu professor de polonês. A sua professora de polonês, ela está na Polônia resolvendo alguns problemas de família e deve voltar logo, bem passemos às apresentações.

Um a um, os alunos foram apresentando a si e os seus cursos, até que chegou a um pálido, magrelo e um tanto abatido jovem, jovem esse que muito se parecia comigo, ei, espere, era eu!

— Meu nome é Alan, eu sou do curso de História.

Aos que não entendem, o estudo de História no Brasil é sem dúvida uma das coisas mais desvalorizadas que existem, o brasileiro tenciona respeitar juízes e médicos, mas historiadores nunca, afinal a profissão de historiador sequer é regulamentada no Brasil.

É uma humilhação, quase, se apresentar como cursante de História, afinal, é tão subvalorizado!

O professor foi muito solicito, devo dizer, tencionou que participasse com comentários construtivos para a História da Polônia e da língua, e assim eu fiz. 

Após a isso, surge uma linda moça, não era uma Katy Perry, mas chegava perto, tinha um quê de modelo com aquela beleza cosmopolita parisiense, uma atração aos olhos, devo dizer...

—  Meu nome é... Estou cursando História.

Eu devo dizer que senti uma alegria oculta dentro de mim, finalmente não estava só, e ainda estava eu, ali, com uma linda mulher. Elohin, te devo essa!

Com uma intrepidez de aventureiro, tencionei eu perguntar:

— Também de História? Qual o seu  semestre?
— Quarto.
Ela estava há dois semestres a frente de mim, e considerando que calouro beta ou veterano zeta não tem muito poder, calei-me.

O incrível que quanto mais passavam os dias, mais parecia que eu formulava uma amizade com aquela moça, um dia, um belíssimo dia do Inverno de Brasília; com ipês roxos a desabrochar, pássaros a cantar e um límpido céu azulado que promovia uma escaldante tarde, eu encontrei-me com ela, aquela moça, no Departamento do Curso de História.

Ela estava estonteante como nunca, mas eu contive minhas emoções (não é costume demonstrarmos emoções na minha família) e eu retomei minha leitura para aula seguinte (naquele momento eu faltara a aula de Polonês porque não suportava o calor naquele recinto a que chamavam de sala, mas poderia ser chamado de forno).

— Oi  — Disse ela com voz delicada;
— Oi — Respondi mecanicamente.
— Você foi à aula de Polonês?
— Não, não, eu já ia perguntar a você o que aconteceu na última aula. É que eu não fui na última semana (aquela semana foi sem dúvida a mais quente da escaldante estiagem que abate Brasília nos meses de agosto-setembro).
— Poxa, eu também. É que hoje eu tenho prova de (História do) Brasil 2 e eu não fui na última aula.
— Tudo que sei é que a professora voltou da Polônia essa semana, aí eu queria meio que saber como ela é. O que é isso, apostila de Brasil 2?
—Sim, eu tenho prova hoje.
— É boa a matéria?
— É boa, mas é um pouco chata, vai cair a historiografia (eu não me lembro se foi propriamente isso que ela disse).
— Aí é ruim. Bem, eu estou aqui para ter minha aula das 4h.
— Que aula?
— Da matéria do André.
— Antiga?
— Tópicos Especiais (em Ensino de História), aí, tipo, estuda a relação dos jogos para com o ensino de História. A gente pode jogar na hora da aula...
— Que legal! —Exclamou.
— É bem legal mesmo.
Ela assentou-se ao meu lado é pôs a ler alguns trechos de sua apostila de estudos.
Entre uma pausa eu fazia indagações despropositadas, eu não queria ficar lá, solitário até às quatro da tarde.

— Você está gostando da aula de Polonês?
—Tipo, eu estava, mas aí eu acabei desanimando, eu não consigo acompanhar.
— Sério?
— O professor fala uma coisa na quarta, na segunda já esqueço tudo de novo.
— Eu estava com o mesmo problema, eu não conseguia sair do nazywa sie, e do co to jest, e p'ra piorar ainda confundia o que eu aprendi em Latim com Polonês. Era latim misturado com polonês e polonês misturado com latim, não foi uma coisa boa...
—Isso é ruim
— ...mas eu estou animado com o curso.
— Isso é bom
— Eu até comprei o livro do professor (História da Literatura Polonesa).
— Que legal!
A conversa no entanto não tinha se demonstrado produtiva e ao tocar do telefone, ela saiu do Departamento para atender o telefonema, nesse meio tempo, meu amigo (meu best-friend, por assim dizer) adentrou no Departamento para a aula das quatro horas.

— E aí, leu os textos?
— Só um pouquinho.
— Até que não achei muitas dificuldades, o texto mostra que... 
Meu amigo tentou me mostrar o conteúdo do texto em si, me mostrei solicito, mas devo confessar que pouco prestei atenção,eu estava animado em fazer amizade com semelhante moça;
— Essa bolsa de quem é?
— É da menina que estava aqui.
— Ah, tá!
Adentra por um momento aquela moça e rapidamente ela se despede de mim com um simples aceno e cumprimento.
— Já vai?
— Já.
— Boa sorte (com a prova)!
— Obrigada!
Saiu ela em disparada e meu amigo, um tanto deixado de fora, me fez sentir na obrigação de fazer uma explicação.
— Ela é da minha turma de Polonês. Na minha turma só sou eu e ela de História.
— Ela do segundo semestre (de 2011, isso quer dizer caloura).
— Não, ela é do quarto.
— Ah, tá.
E assim retomamos o conteúdo da aula das quatro horas que interrompi a leitura.


Agora, veja você leitor, depois de muito me dedicar a não me consumir pelo ardil do amor, da chama que desatina sem doer, que tanto me dedico ao trabalho para não me absorver a paixonites, veja agora meu estado, veja a flechada com que me acertaram o coração. Cupido, Cupido.

Relatei isso a um terceiro amigo que ao saber da notícia exultou de alegria, mas eu, um tanto melancólico adverti:

— Não, não, isso não é uma coisa boa, eu não posso me apaixonar. Meu dever é meu trabalho e somente o meu trabalho. Eu  não tenho tempo para paixões.

— Mas amar é bom, amar é muito bom.

— Não, não para mim.

E agora? Eu fui flechado e para flecha de amor não há cura se não a dor do desespero e da rejeição. Cupido, Cupido, o que me fizeste!

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