terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Alexander Nevsky (crítica de filme)




        Sem dúvida, um dos meus passatempos preferidos é assistir filmes, mas não só filmes, filmes clássicos com conteúdo, e principalmente que me ensinem alguma coisa, que me façam rir, me façam chorar, me façam refletir, me façam pular... Esse é o meu estilo de filmes.

      Eu, pessoalmente, gosto muito dos filmes clássicos, pois além de terem prestígio (o que reduz as chances de eu assistir a um filme ruim, afinal coisas ruins não passam pelas décadas), eles me fazem refletir no imaginário do passado, o que é relevante para um Historiador como eu.

     Tal desses filmes, os que mais prefiro certamente são os de Sergey Eisenstein (que fiz uma penca de postagens em sua homenagem), mas também gosto de Chaplin, Orson Welles, Felinni, filmes europeus, como  Cinema Paradiso, A Espiã, entre afins, cinema soviético também eu gosto muito, cinema americano (que não seja muito comercial, porque de comercial só gosto do Indiana Jones e do Star Wars), e do brasileiro, só gosto de um, porque é quase filme europeu em temântica ( O dia que meus dias saíram de Férias).

     Mas talvez o filme que eu tenha mais gostado tenha sido Alexander Nevsky.





     Sim, Alexander Nevsky, o filme de 1938 de Eisenstein, que narra a história do príncipe russo que se levantou contra os alemães, os suecos e os tártaros no século XIII ( eu nunca aprendi tanto sobre Idade Média quanto nesse filme).

      Muitos falam que o Encouraçado Potemkin é sem dúvida o maior trabalho de Eisenstein, talvez até tenha sido, afinal o Encouraçado Potemkin era um filme bastante avançado para sua época, e até hoje, mas o meu filme preferido ainda é Alexander Nevsky.

      Isso pode ser visto como "anti-revolucionário" por alguns marxistas, mas eu pouco ligo, eu gosto desse filme e ponto.

     Mas por quê?

     Porque esse foi o primeiro filme falado de Eisenstein, esse foi o primeiro filme que Nikolai Cherkasov, o ator principal que tinha um vozeirão e uma atitude imponente, foi finalmente reconhecido, e esse foi o primeiro trabalho conjunto de Sergey Eisenstein e Prokofiev.


Cena de Nikolai Cherkasov no papel do Principe Nevsky
     Prokofiev, mesmo tendo uma qualidade razoável do áudio,  produziu uma trilha sonora tão pulsante, tão viva, que em certo momento você tem vontade de se levantar do sofá  e entrar na tela guerreando contra os alemães na Batalha do Gelo.


     Prokofiev conseguia trazer a noção de movimento à música quando os exércitos se moviam (Villa - Lobos fez algo semelhante no seu Tremzinho Caipira), reduzia o som quando era uma cena triste, tocava som de flautas e clarinetas quando eram festas, tocava som de orgãos e cornetas quando eram músicas sacras e de guerra (o tema sobre os teutônicos ficou impecável, tanto que acabou sendo copiado na trilha sonora de Conan, o Bárbaro) e ainda conseguia reunir um coro polifônico russo que cantava entre os momentos de silêncio da filmagem.

     A atuação de Cherkasov também foi impressionante, nunca vi um ator trabalhar tão bem um papel de um comandante militar medieval como ele, com a atitude imponente, o rosto sempre voltado para o alto, o corpo esguio, o vozeirão, as feições na montaria, nas ordens. Perfeito.

Nevsky em seu cavalo

     Eisenstein na direção das imagens também foi bastante rigoroso, cada cena, cada ação parece uma pintura extraída de um livro de história, as roupas, os uniformes, os aparatos militares dos atores, disponibilizavam um efeito visual impressionante.

    Eisenstein ainda foi bem rigoroso com os detalhes, com as roupas civis da época, com as túnica, com as bandeiras da República de Novgorod, com os equipamentos teutônicos, os capacetes quadrados, em forma de torre, dos cavaleiros que vestiam capas brancas com a cruz da ordem teutônica e os soldados usando uma espécie de um elmo medieval meio arrendondado semelhante ao capacete usado pelo Wermarcht na década de 30.

   E a cena de atuação, Eisenstein, embora tivesse que centrar na figura central, o príncipe Aleksandr Nevky, mostrava com  destaque cenas de traição, quando os boiardos de Novgorod tentavam dissuardir o povo a entrar em guerra contra os teutônicos, ou mesmo a cena da captura de Pskov, quando pessoas foram enforcadas e crianças jogadas a uma fogueira (os efeitos especiais foram muito bem usados nesse caso, tanto que nenhum ator se machucou), fazem você se revoltar com a truculência dos alemães.

Os cavaleiro da ordem teutônica, de capacete quadrado, e os soldados alemães agachados.


    O filme segue também os príncipios do Realismo Socialista, tanto que muitas vezes a questão das massas era enfatizada, tanto que algumas cenas algo inusitado acontecia... A decisão de Nevsky em convocar os camponeses para guerrear era uma coisa rara na Idade Média, e raramente acontecia.

     A revolta popular em Novgorod pressionando os governantes para uma guerra também não era algo comum, além de que o fato de ferreiros entregarem toda a sua produção em prol de uma causa única ("a defesa da Terra Mãe"), mulheres indo ao combate (Isso era mais raro ainda, na Rússia mesmo, mulher só vai lutar na Primeira Guerra Mundial).

Mulher lutando em exército Medieval, isso era muito raro.

      Mas mesmo assim, o filme é envolvente, com cenas de personagens realizando tramas secundárias em torno da História principal, o ferreiro tentando se afirmar como um bom soldado, leal a Nevsky, uma soldado que entra na guerra para vingar a morte de seu pai, e dois cavaleiros de Novgorod, Buslai e Gavrilo, que apaixonados por uma dama de Novgorod, fazem um pacto sobre a mão da moça, quem fosse o mais valente na batalha poderia se casar com ela.
Buslai e Gavrilo, dois cavaleiros de Novgorod


      O filme, como todos os filmes de Eisenstein, é um filme político. Ele mostra que desde o início os alemães eram uma ameaça, influenciado certamente por sua época de produção e lançamento (o filme é de 1938, quando os nazistas estavam ascendendo na Europa),  e explica alguns comportamentos do próprio governo soviético da época.

      Como por exemplo, o fato de que Nevsky não ter entrado em guerra contra os tártaros que estavam fazendo o Diabo na Rússia, porque além de serem mais fortes, os tártaros não representavam uma ameaça a cultura russa, afinal os próprios tártaros deixavam os povo dominados manter sua cultura, apenas demandavam pagamento de tributos, mas os alemães não, os alemães, como diz um bispo em um cena, não admitem "que haja alguém que não se submeta a só um Papa.", dessa maneira, os russos deviam ser "submetidos a Roma".
Nevsky se encontrando com o líder da Horda Tártara, Sartaq Khan.

      Nevsky fala em uma cena que os tártaros, apesar de terem feito um banho de sangue, não eram um problema imediato, e que os alemães eram, e quando os alemães fossem derrotados, aí poderiam voltar suas atenções aos tártaros.

     Assim, isso acaba fundamentando a aliança que Nevsky acabou fazendo com a Horda Dourada Mongol, fundamentando que isso era apenas um pacto temporário e que logo em seguida ele seguiria ao ataque contra os mongóis (tal era a visão do governo soviético da época).

     Em uma das cenas iniciais do filme, quando se discute a entrada de Novgorod na guerra, os governantes de Novgorod dizem que não vão entrar em guerra contra os alemães, pois eles assinaram um pacto, e que caso os alemães quisessem guerrear, eles entregariam mercadorias para que isso não acontecesse. Isso foi praticamente o que aconteceu logo após a Assinatura do Pacto Nazi-Soviético, e essa foi a postura do governo soviético diante a eminência de uma invasão alemã em seu território. Não a toa que o filme foi retirado de circulação nessa época.
Cena da Batalha no Gelo

    O filme  Alexander Nevsky, apesar de ser um filme político, me ensinou muito sobre o contexto das Cruzadas do Norte, deflagradas pela Ordem Teutônica no século XIII contra os principados Russos, me ensinou como era a relação de submissão ao poder dos mongóis, me ensinou como era o gênio militar de Aleksandr Nevsky (que com uma tática muito esperta, de fazer os alemães se agruparem num lago congelado, que estava prestes a despedaçar e assim matando os alemães afogados), mas além disso me ensinou como era o imaginário popular soviético anterior ao Pacto Nazi-Soviético.

O fim dos alemães


    É por isso que gosto muito desse filme.

    No final tem a clássica frase de Nevsky dizendo: "Quem pela espada vier a nós, pela espada será ferido! Assim é, e sempre será na Terra Russa".


Filme na íntegra


       O Youtube disponibilizou um canal do filme na íntegra (com legendas em inglês) que estou disponibilizando agora:



Curiosidades 


  •  Alexander Nevsky era popular na Rússia até a 24 de agosto de 1939 e, em seguida, por algum motivo, caiu rapidamente em desuso. Felizmente para Eisenstein, mas infelizmente para os alemães e os russos, o filme teve um revés muito bem sucedido em 22 de junho de 1941, quando os alemães invadiram a União Soviética. Se você tiver qualquer dúvida de que Alexander Nevsky era especificamente sobre a defesa da Rússia dos alemães, observe o quanto os capacetes dos soldados alemães lembram Stahlhelme usado pelo Wermarcht.    
Notem as semelhanças


  • A orquestração de Prokofiev foi gravado com o tipo de experimentação sónica . Um dos muitos exemplos: o som das cornetas de batalha foi criado se colocando os microfones muito perto. Mas é difícil dizer exatamente como Prokofiev e Eisenstein queriam que o som aparecesse no filme , porque há alguma evidência de que a trilha do filme foi lançado com uma faixa de áudio temporária. Uma versão inacabada foi apresentada a Stalin, que o aprovou para a liberação. Provavelmente, sabiamente, ninguém na Mosfilm deixaria Eisenstein alterar um único frame depois disso. 
  • Talvez seja uma coisa russo, mas como Tarkovsky em Andrei Rublev, Alexander Nevsky tem muitos tiros que parecem ser projetado em torno de geometria abstrata ao invés de composição mais convencional. Este, por exemplo:

Essa cena é muito abstrata

Um comentário:

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