terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Noite no Front (conto do blogueiro)

Pântano na Bielorrússia






      Nas densas florestas da Bielorrússia, os soldados do 1° Front Bielorrusso perfazem sua travessia nos pântanos densos do Belarus.




      Fazia anos que aquela guerra se arrastava e todos, inclusive o general comandante daquelas tropas, Georgy Zhukov, o melhor general soviético talvez de todos os tempos, estavam cansados... As terras da Bielorrússia podiam ser fartas, escuros e produtivas, mas eram dificeis de caminhar, de passar os tanques e as baterias de Katyusha.


      Os altos ciprestes, os abetos brancos de grande largura, as bétulas verde musgo no meio do caminho, dispersavam as tropas inconcientimente, impediam um ataque feroz e maciço tal qual era o estilo de Zhukov, e dificultavam a patrulha das tropas, de ambos os lados.

      
       —  É terrível! Isso pode ser um empencilho para o Bagration, Georgy Konstantinovich.
       
       Caminhavam lado a lado, Zhukov e Vassilievsky caminhavam lado a lado pelo acampamento dos soldados, observando o general Chuikov (o vencedor do heróico cerco a Stalingrado) supervisionando de perto os soldados descansando.

      
       —  Chuikov, parece animado, você não acha? — Comentou vagamente o general Zhukov, enquanto continuavam a caminhar pelo acampamento soviético.
      
      —  Você me ouviu? Teremos que cancelar o Bagration!

      Zhukov podia ter ficado surdo por causa de uma explosão de uma granda na pata de seu cavalo, ainda quando era oficial de Cavalaria na Guerra Civil, mas esse não era o caso, Zhukov ignorou o comentário de Vassilevsky... Não por indiscrição, afinal os dois eram amigos desde os tempos em que os nazistas estavam para chegar em Moscou, no Inverno de 41, mas porque ele não gostava do espírito derrotista em seu Exército. Com Zhukov, tudo era possível.

        — Não podemos nos esquecer que os nazistas não esperam que ataquemos pela Bielorussia, Aleksandr Mikhailovich.

        Vassilevsky era um soldado de porte robusto, de olhos claros e feições até de galã, seu cabelo castanho sempre pentado para o lado era a sua marca, além de um pequeno caroço marrom no lado esquerdo de seu rosto... Tinha olhos marcantes, um nariz definido e fino, caucasiano e orelhas despontando por seu cabelo.  Era sem dúvida preferido pelo Vojd (líder), que apreciava muito a parceria entre e Zhukov que rendera frutos na Batalha de Kursk, a um ano atrás.
Vassilevsky em foto




        Vez em quando Vassilevsky tinha desavenças com Zhukov, quanto a questões operacionais, afinal de contas, Vassilevsky era um líder que primava pela mobilidade e ataques furtivos e Zhukov adorava deslanchar ataques maciços com o mínimo de perdas para os seus homens.





      — O que supõe que façamos? Não podemos passar com os nossos tanques por aqui, essa terra é tão úmida e chove tanto que decerto eles atolariam.

       —  Dizia-se o mesmo das Ardennes e veja o que aconteceu.

      Todos lembravam do fiasco francês nas Ardennes, em que o Exército francês acreditava que nenhum ataque alemão poderia passar por ali em virtude de suas árvores e seu terreno alagadiço, dispensando todos os seus recursos na Linha Maginot, que revelou-se inútil na Guerra, pois os Panzers alemães entraram com facilidade nas Ardennes.

       — Deve ter um jeito, Georgy Konstantinovich.

      — Vamos pensar em alguma coisa... Estamos deixando todo o fardo dessa operação nas costas dos partisans, segundo suas próprias fontes, os alemães irão esperar um ataque no Norte da Ucrânia, onde Koniev estara esperando por eles, mas eles não esperam que a maior parte de nossas forças estejam aqui, nesses pantânos malditos.

        Zhukov continuou a caminhar, até que pisou sem querer num atoleiro naquele pantâno, Vassilevsky tinha razão aquilo poderia atrapalhar os seus planos... Zhukov não se importou de ter sujado com a lama o seu coturno recém engraxado, ele ficou nervoso por causa que o próprio terreno ser um obstáculo para os seus homens.

       — Temos que olhar de novo o terreno! Chame Pavel Ivanovich, diga a ele para que nos mostre a passagem pelo pântano...
       — Georgy Konstantinovich, é arriscado, ele mesmo disse, uma bateria de artilharia facilmente iria nos encontrar lá, você sabe disso. 

       — Se você não quer ir, tudo bem, eu chamo Rokossovsky, mas eu vou lá.

       Já entardecia quando Zhukov conseguiu sair do atoleiro e ir em direção à passagem indicada por pelo coronel Pavel Ivanovich.

      Zhukov era uma figura enérgica, decidida, que por seu porte bruto e a figura atarrancada denunciava que fosse um líder feroz, e ele era, sabia como ninguém como e onde usar seus homens em suas vitórias... E era reconhecido e amado por seus homens por isso. Zhukov tinha por volta de um metro e oitenta, um e noventa quase,  desde o tempo em que era comandante de regimento de cavalaria na Guerra Civil ele era assim, ele já dava mostras de táticas avançadas e domínio na arte da guerra. 
Zhukov no Front
     Zhukov, mesmo assim, mesmo sendo agora um comandante moderno que preferia tanques a regimentos de cavalaria, levava consigo uma marca da Guerra Civil, além da sua voz potente, os olhos escuros poderosos e a figura de maxilar rígido e agressivo, ele conservava marcas da guerra, ele perdera a audição do ouvido esquerdo numa explosão que quase lhe tirou a vida e aquilo às vezes era irritante.

      — Esse é o caminho, camarada Zhukov, como vê é desprotegido — Mostrou-lhe o coronel, enquanto guiava o grupo de altos oficiais por uma clareira em meio a grama extensa e alta.
      — Onde estão as posições alemãs? — Perguntou de modo direto o general.
     — No flanco direito, senhor, logo ali, mas as forças alemãs estão em pontos adjacentes, não propriamente em suas posições de defesa— apontou
     — Хорошо! Isso quer dizer que sequer estão protegidos. Onde são as posições adjacentes?
     No alto das colinas, senhor, onde é seco.
    Rokossovsky e Zhukov se entreolharam, aquilo era um péssimo sinal.

     Zhukov continuou a caminhar pelo lodo e pela lama que se fixavam junto ao chão batido naquele caminho, sendo seguido de perto por Rokossovsky e pelo restante do grupo, mas eis que o grupo encontra uma fogueira próximo a uma clareira.

     Стой! 

     Ouve-se de próximo a fogueira, eram russos com certeza, Zhukov a despeito do susto, seguiu de mãos ao alto em direção da clareira revelando seu rosto aos soldados, um rosto muito conhecido por todos ali.
      — General Zhukov, que surpresa! Desculpe, senhor, nós achamos que fossem alemães! — O soldado rapidamente baixou seu rifle Tokarev e sentiu-se envergonhado com aquilo.

      Zhukov adentrou na clareira, e encontrou os soldados encostados à árvore enquanto um deles cozinhava numa lata um ensopado qualquer... Os soldados ao perceberem de quem se tratava, tão logo se levantaram; Zhukov os encarou de frente e observou com os olhos rígidos um soldado de bigode e maçãs do rosto roseadas.

     — O que comem?
     — 2° Frente, senhor — Disse nervoso o soldado de maçãs roseadas.
    — O quê? O quê?
    — Comemos carne enlatada, senhor.
    — Americana? Não a toa que nossos homens estão engordando... Pode me ver um pouco?
    — Sim, senhor.
    O soldado deu sua lata um pouco da refeição enlatada, era uma porçal de meat and chilli, um pouco apimentada ao gosto do general, mas mesmo assim era delicioso de se comer.
     — Até que não é ruim.
     — Nós a chamamos de 2° Frente por isso, abrirão logo, não é, general.
     — Eu espero, eu espero.
     — Temos um ditado na minha aldeia que diz: "O último a entrar numa briga é sempre o primeiro a se vangloriar".

     Zhukov sorriu com aquele tipo engraçado das aldeias, e Rokossovsky, curioso, observou um outro soldado manejar uma espécie de raquete com as mãos...

     — O que isso?
     — São "galochas", senhor. Para passarmos por esse lamaçal.
     — Galochas — Zhukov tomou nas mãos o calçado trançado e avaliou bem como era feito; Era um objeto circular, com tiras trançadas em seu raio, e ao longo de sua curvatura.

     — Engenhoso — Avaliou Rokossovky.

      Zhukov e Rokossovsky então se despediram dos soldados e em seguida retornaram ao caminho conversando entre si...

      — Se nossos homens podem andar pelo lamaçal, acharemos um jeito de passarmos com os tanques — Declarou Rokossovsky.

      Zhukov estava pensativo, ele sequer escutara uma palavra daquele polonês com feições de aristocrata a quem tinha prazer em chamar de amigo; Zhukov acreditava ter encontrado um jeito de passar os tanques e as Katyushas pelo atoleiro dos pântanos da Bielorrússia.

     —Já tenho algo em mente, Konstantin Konstantinovich... Conseguiremos passar os médios e os T-34 com facilidade.

      — O quê? Seria um grande surpresa para os alemães.

      — O que vê em volta, Konstantin?

      — Um atoleiro maldito, uma grama molhacenta e um bocado de árvores atrapalhando o caminho...

      — Eu vejo uma oportunidade... Será com as árvores que passaremos com os tanques. 

     — Já sei o  que vai fazer...

      — Isso, Konstantin... Com os nossas brigadas de artilharia e tanques derrubaremos as árvores e faremos pontes para os nossos tanques.

      — Mas isso pode ser perigoso, nossos tanques podem ser mais pesados que as árvores e afundar no atoleiro

    — É tudo que temos!

    — Pois assim, seja, deverá ser por aqui, Georgy Konstantinovich.

    — Vamos voltar ao acampamento.

    No acampamento, em meio a clareira, os soldados acendiam uma extensa fogueira com galhos ressecados, uns dos poucos a se encontrar por ali, e ruidosamente bebiam e cantavam na roda, enquanto os mais cansados descansavam uns nos outros, próximos à sombra das árvores...

    Os tanques, os jipes, os carros de combate, tudo servia de apoio para as cabeças, enquanto os outros, êmbrios e ruidosos, cantavam e dançavam ao longo da fogueira. Zhukov ao encontrar seus homens assim, em meio à diversão e descanso divertiu-se, e logo cutucou com o braço Rokossovsky:

    — Amanhã, meu caro, amanhã, ligue para Moscou... Ligue para o Kremlin e diga ao Vojd que tudo está preparado para Bagration e poderemos começara a operação a qualquer  momento.

     — Tak, pan Zhukov — Disse em polonês ruídoso Rokossovky.

     — A sorte está lançada — Falou consigo Zhukov enquanto via seus soldados se divertirem contando histórias ao logo da clareira.

       Um soldado, Teligin, acho que era o nome dele, um homem já com idade e barba respeitáveis, contava anedotas aos soldados mais jovens com a sua simplicidade de camponês...
       — ... Pois então, vem a raposa atrás da lebre... A lebre correndo, correndo desesperada de um lado a outro, e a raposa correndo atrás dela para fazer-lhe mal; Mas eis que a lebre passa entre duas bétulas, duas bétulas grossas e tortas, no meio da floresta, mas a raposa  não teve tempo de parar e ficou presa entre as duas árvores...
      — E o que vem a seguir, Teligin?
      — A raposa diz: "Lebre, lebre tire-me daqui, meu amigo", mas a lebre em resposta diz: "Pare com isso, eu não tenho tempo para isso" e a lebre se aproveitou da raposa...
      Zhukov aproximou-se de Teligin curioso com a história da raposa e da lebre...
      — Quer dizer que a lebre fugia, fugia da raposa, mas a raposa que virou a presa...
      — Sim, camarada general — Disse risonho Teligin enquanto os outros riam da anedota contada pelo velho soldado.
      — E ela aproveitou da raposa.
     — Ah, se aproveitou! HAHAHA!
     Os soldados começaram a gargalhar até que em um dado momento as risadas se calaram quando ouviu-se a voz angelical de uma mulher cantando na boleia de um caminhão, era uma camponesa, de cabelos loiros, olhos azuis, vestida com um simples vestido rosa de bolinhas, com a gola branca;

      Todos, religiosamente, calaram as suas bocas para ouvir a jovem camponesa cantar a música dos distantes,  a música que toca-lhes o coração e preenche-lhes a alma, a música que lhes lembram de suas casas, de suas aldeias enquanto lutam na fronteira distante:

Flores enfeitam macieiras e pereiras
A névoa flutua sobre o rio.
Katyusha, de baixo, colhe as frutas,
Na íngreme e elevada margem.

Ela caminha, cantando uma canção
Sobre uma águia cinzenta da estepe,
Sobre o seu verdadeiro amor,
Cujas cartas estava guardando.

Oh, você, canção! Pequena canção de uma donzela,
Ecoa ao sol brilhante sem demora
Para alcançar o soldado na distante fronteira
Junto com as saudações de Katyusha.

Faça com que se lembre da simples garota,
Faça com que ouça como ela canta,
Deixe-o preservar a sua Pátria,
Enquanto Katyusha preserva seu amor.

Flores enfeitam macieiras e pereiras
A névoa flutua sobre o rio.
Katyusha, de baixo, colhe as frutas,
Na íngreme e elevada margem.

     


      Zhukov com olhos úmidos e feições rígidas, saiu do acampamento emocionado e seguiu em direção às árvores e dentre uma frestra na mata, Zhukov olhou para o alto e observou de longe as estrelas se formarem ao longo da gigante Lua...

    —  "Sobre uma águia cinzenta da estepe...  ela caminha, cantando uma canção, para que faça com que se lembre da simples garota... enquanto deixa-o preservar a sua Pátria"  — Recitou alguns versos daquela canção que sabia de cor o general Zhukov, enquanto olhava para o Longe, para o Vazio — Aí, vamos nós Berlim, quando lançarmo-nos daqui, nada mais poderá nos parar!
                                                                    ...

    Dois dias depois, a Operação Bagration foi lançada com sucesso, depois da explosão de diversas vias de distribuição alemãs por membros do Movimento Partisan Bielorrusso, e com o uso de troncos de árvores e de galochas de neve, o 1° Front Bielorrusso adentrou com força total contra a máquina de Guerra Nazista, deslanchando um corrente sólida que só terminaria com a queda de Berlim em Maio
de 1945.


3 comentários:

  1. Respostas
    1. Sim, os pântanos do vale de Pripyat, hoje zona contaminada pelo desastre de Chernobyl.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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