sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Semana de Música Russa (Dia 3)

          Hoje é dia de Modest Mussorgsky, outro músico do grupo dos Cinco, responsável por grandes sinfônias como Boris Godunov, mas que se legitimou fazendo a música erudita tomasse emprestados elementos populares da música russa.
Ficheiro:RepinMussorgsky.jpg
Mussotgsky

         Mussorgsky morreu jovem, aos quarenta e dois anos, em decorrência de seu alcoolismo, em São Petersburgo, no ano de 1881.




Monte Calvo ( Dia 3)

No distante interior do Norte, onde os ventos são tão gélidos que quando batem nos corpos, fazem tremilicar até os ossos... É ali que se encontra um dos mais belos espetáculos da natureza. A Aurora

     Mikhail Kutzenkov, um simples alpinista russo com sede de adrenalina, havia vindo de muito longe para ver aquilo, e não sairia sem sequer avistar a dita Aurora Boreal.

      Kutzenkov ainda era jovem, tinha talvez 30, 35 anos, uma barba em tom de bronze vivo que lhe percorria o rosto das suíças até a ponta de seu calvanhaque, que nesse caso chegava à altura dos ombros... Tinha olhos azulados, um azul escuro e denso, e um nariz aquilino comum aos eslavos;

      Envoltou em torno de um capote de pêlo de carneiro, e vestindo uma ushanka meio surrada, Kutzenkov tentava a todo custo se esconder do Frio, ao qual devia ter se acostumado, mas que sentia repulsa ao sentir os seus ossos tremendo com os calafrios.

      Sua guia, uma jovem garota da Lapônia de vinte poucos anos, de olhar sorridente, e cabelos louros trançados, Helga, parecia bem mais acostumada ao frio do que ele.

      Helga era jovem e bonita, tinha quase um metro e oitenta, olhos de boa moça e um sorriso dos mais envolventes, tinha um rosto bonito e delicado, com maçãs roseadas e lábios sensuais, era filha do Chefe de Polícia daquela pequena cidadezinha no final da Suécia, de nome impronunciável.

     — Estamos perto, senhor  Kutzenkov.
     — Ótimo, que esse frio está me matando — Disse vagamente Kutzenkov, retirando sorrisos do rosto da jovem guia que achara engraçado o jeito aristocrático de Kutzenkov.

       De fato, Kutzenkov era sim um aristocrata russo, um daqueles que se empenham mais em falar francês do que russo,  Kutzenkov passara mais tempo em escolas e academias na França do que passando veraneio na casa de campo de sua família em Pskov. Os Kutzenkov eram uma das famílias mais ricas do Império, e uma das mais antigas, serviram à corte de Ivan, o Terrível, traíram o próprio Czar diversas vezes, mas se mantiveram fiéis à Ordem dos Romanov.

      Agora, restando apela Mikhail Danilovich dessa família, o último herdeiro desse clã, as receitas da família vinham sendo gastas de modo irresponsável pelo jovem herdeiro, em festas, viagens pela Europa, apostas, bebida, alpinismo e por vezes, Danilovich viajava até o Cantão a procura de um pouco de diversão (se é que você me entende).

     Aquela última empreitada lhe custara talvez cem rublos, uma fortuna na época, em que um homem vivia miseravelmente com alguns copeques.

     — Chegamos,senhor, essa é a Montanha do Bico Quebrado.
     — A Montanha do Bico Quebrado.

     Eram quase oito da noite, quando chegaram à Montanha do Bico Quebrado, no meio de uma cadeia de montanhas que se estendia por um vale coberto de neve branca.O céu estava estrelada, cheio de estrelas, límpido e escuro, mas as próprias estrelas davam-se aoa trabalho de iluminar a neve branca, congélida, e um pouco solta  que há tanto dificultara o caminho até ali.

      Não tinha no Céu, grandes espetáculos policromáticos, a Aurora não dera mostras de sua força... E Kutzenkov então sentou no chão e esperou... 

     — Fique traquilo, senhor, ela vai dar as caras.

      Kutzenkov ficou parado, imóvel, enquanto o vento batia em suas costas com um peso indescritível, e em um dado momento, Kutzenkov baixou  a cabeça e começou a refletir, olhando para o Distante.

     — O senhor está bem, senhor Kutzenkov? A neve está lhe agredindo? — Seguiu em assistência Helga.
     — Não. Não é isso.
    — Pois então?
     — Estou pensando no que fiz até hoje... Meu pai estava certo, esse dia ia chegar. Quem diria que estivesse certo?
     — Eu não entendo.
    — Tudo que fiz na minha vida toda foi gastar, gastar e gastar a fortuna da minha família, em viagens, em jogos, em bebida, em prostitutas. Desde quando eu ainda estudava na França, eu sou assim, gastava sem sequer ver a cor do meu dinheiro, não que eu ache isso terrível. O terrível é que aqui,só, sem nenhum amigo, percebo o quanto eu sou só.
     — Mas o senhor não está só, eu estou aqui com o senhor.
     — Bem que queria que fosse verdade, mas nós, nós somos de dois mundos,mundos diferentes, Helga, eu sou um bon vivant, que não hesita em viver no luxo, e você é uma jovem moça que não tem medo da vida.
     — O que procura então, senhor Kutzenkov?
     — Redenção;
    
      Surge no Céu os pequeno indícios da Grande Mãe Terra, e eis que surge um espetáculo policromático de nuvem e intensidade que se abate sobre formas sinuosas no Céu, formas sinuosas, ondas, mechas de cabelo, era a Aurora, a de dedos rosa, aurora.

     Com o seu esplendor que às vezes, todas as cores da aurora boreal aparecem ao mesmo tempo, enfeitando o céu em tons de laranja, lilás, verde e vermelho, a Aurora de vez em maneira mudava de intensidade para que em outras ocasiões formar apenas um véu de luminosidade esverdeada que invade o céu. 
A Gigante e poderosa Aurora


      Cada raio, cada nuvem, tudo era diferente. Não há duas auroras boreais iguais. E sob a luz esverdeada que colore o Céu, Kutzenkov ergue os seus olhos e escuta com atenção a voz da Montanha... O Monte Calvo.

       
        A Montanha, sempre temerosa, sempre rígida, e magistra, toca-lhe o ouvido com sua voz grave e solitária, tenebrosa até...

        "Mikhail... Mikhail... Ouça-me, Mikhail! Você sempre fizera mal a seus semelhantes, a seus amigos e suas amantes! Mikhail... Mikhail..."
        Não!
            
        "Mikhail... Mikhail... Seu pai estava certo, vocêé mesmo um inútil, o que você fizera com o seu dinheiro além de gastá-lo em viagens, bebida e sexo? Nada... Mikhail... Mikhail..."

         — O que quer de mim, montanha tola!

         "Quero humildade para começar! Arrependa-se,ainda há a vida inteira para você! A chance está na sua frente, arrependa-se!"
         — Eu não posso, eu não tenho mais chance.

"Você tem, você tem a chance de ser feliz. Veja, veja a mulher à sua frente, com ela poderá ser feliz meu caro, com ela poderá um dia casar-se e ter filhos com ela"
             — Não! Eu não quero isso! Eu não quero ter uma família


         A Aurora boreal martela ao alto com o vento a se tornar espesso, formulando uma corrente em volta de Kutzenkov, o Monte Calvo trouxera a sua força à frente... O vento cortara-lhe o som, tapara-lhe a boca e agitava a sua roupa, em um dado momento Kutzenkov perdera a sua ushanka que voara para bem longe, revelando assim o seu cabelo marrom-bronze.


        Kutzenkov tentou lutar contra o vento, mas o vento em si era mais forte que ele.

       "Ouça-nos, Ouça-nos, querido. Ouça-nos o mal que nos trouxe querido..." Ouve-se ao vento uma cântiga melódica cantada por um coro feminino. Eram as vozes de todas as amantes que Kutzenkov abandonara na amargura e que agora descansava em paz em outro lugar...


        — Não! Não!


        "Ouça-nos o mal que nos causou e nos causa... Venha, venha com nós!"


        — Não, eu vou mudar, eu prometo, eu vou mudar.


       "Venha até nós, junte-se a nós!"


       — Não, eu vou mudar, eu vou mudar.


      "Venha até nós, junte-se a nós!"


       — Eu vou mudar, eu prometo, eu vou mudar.


        As vozes foram se tornando mais e mais fracas, até que num dado momento, com o vento que enfraquecia, desapareceram junto com a tempestade, num momento inesperado.


       Kutzenkov, que estava de joelhos, nessa altura, exausto e assustado, ficara ali, imóvel, de cabeça baixa, enquanto ouvia pela última vez a montanha dar-lhe o seu recado.

     "Essa é sua última chance, Kutzenkov. Sua última chance de ser feliz e fazer alguém feliz! Não a desperdice!"
      Enfim, a montanha se calou, e Helga, ainda envolvida com as luzes da Aurora Boreal, só em um dado momento percebera que Kutzenkov estava de joelhos, no chão, totalmente cansado e ofegante.
   


     — O que houve, senhor Kutzenkov? O que houve? Está suando!


     — Eu queria que fosse em melhores condições, Helga, eu queria que fosse em um lugar mais confortável, mas eis que estou aqui. Aqui, de joelhos a você... Porque desde o primeiro momento que te vi, não consegui tirar os olhos de você! Estou apaixonado, Helga, eu estou apaixonado por você. Helga, é com você que quero me casar, é com você que quero ter filhos, é com você que quero ter uma vida.


      — Oh! Mikhail, eu também te amo, desde o momento que vi você descer da diligência em minha aldeia! Eu também te amo de todo coração.


       Helga ajudou-lhe a levantar Kutzenkov e com aquele céu, com aquelas cores, com aquele vento... Com aqueles amores, Kutzenkov e Helga enfim se beijaram... Se beijarem em um beijo doce e molhado, um beijo demorado, um beijo de amor


      Ao fundo, ouve-se ao vento o som de violinos estridentes tocar uma canção de amor... Era o Monte Calvo, o grande Monte Calvo.



    

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