Korsakov em foto |
Dia 2: Noite no Teatro
Todos estavam ansiosos para ouvir a orquestra afinar os seus instrumentos enquanto no alvoroço, as bailarinas maquiavam-se a todo custo nos seus camarins e os tenores afiavam suas vozes.
Todos naquela casa de Ópera estavam ansiosos para ouvir outro sucesso do famoso músico Rimsky Korsakov, todos: Aristocratas, industriais, funcionários públicos, membros da família imperial, até mesmo alguns poucos funcionários da casa de Ópera que tiveram a oportunidade de escapar um pouco de seu trabalho para ouvir a orquestra.
E eis que estava um funcionário do Ministério da Guerra, um tal Stepanov, um camarada alto, de olhos acinzentados de suíças espessas e cabelos escuros como os de um lobo... tinha talvez trinta e poucos anos, não era velho, mas também não era imaturo.
Ouvia sua esposa, Matriuska Marianova, cocoricar com suas amigas fofoqueiras as mais recentes novidades na alta sociedade, falando da intimidade dos membros da família real, dos desatinos na corte e dos boatos falsos que rondavam as famílias da nobreza.
— Cale-se, Matriuska, não vê que eu quero ouvir a ópera! — Disse irritado Stepanov, demonstrando a insatisfação de todos ali por aquele grupo de cocotas fofoqueiras que se reunira justamente no teatro para trocar boatos.
— Mas querido...
— Cale-se, eu quero ouvir!
Matriuska era o tipo da cortesã estúpida e iletrada que só se divertia contando e fofocando sobre os outros, não tinha grandes passatempos além disso... Era feia, gorduchona e nariguda, senão fosse da nobreza, talvez Konstantin Stepanov nunca teria se casado com ela.
Talvez porque fosse afilhada da mãe do Czar, talvez porque seu pai tivesse grandes empreendimentos nos Urais, Stepanov não se lembrava porque se casara com ela, mas lembrava que não era feliz com ela, mas sim com Anastacia.
Era bem mais atraente que Matriuska, o seu porte esbelto e seus traços sedutores, traziam sempre memórias felizes a Stepanov das noites felizes que tivera com ela quando o seu marido seguia Rússia adentro para conferir seus empreendimentos.
Mas hoje, hoje, ela estava com o marido, um tal Andrey Brel, ou será que era Audrey Brel? Stepanov não se recodava, mas rapidamente lembrava o ódio que sentia por aquele homem; Brel, que estava logo à frente, na segunda bancada, ao lado de sua esposa, era um homem feio, meio gorducho, com marcas de varíola no rosto e uma barba mal cuidada, calvo por completo, era repulsivo até os olhos dos outros ricos, que o chamavam de "Bolota", àquele noveau riche.
— Pois, então amiga, eu fiquei sabendo, por fontes seguras do Palácio, que a imperatriz tem se encontrado com aquele cavalheiro, aquele tal de Denikin.
— Que horror! Será que o Czar sabe disso?
— Isso eu não sei, mas se souber, teremos com certeza outra coisa para conversar.
— Calem-se as duas! — Disse com ódio latente, Konstantin Fresenievich.
Aquilo foi sonoro na acústica do teatro e todos inclusive os Brel viraram-se para ver que havia feito tamanho sacrilégio ao templo da música.
Stepanov encolheu-se em sua casaca de cavalheiro e fingiu não saber o que havia ter se passado, e todos então ignoraram o ocorrido, mas o ódio de Stepanov ficou cada vez mais forte, mais denso.
Rimsky Korsakov, Nikolai Andreyevich para os intímos, que não eram poucos, era já um homem de certa idade, quarenta e quatro anos, professor no Conservatório de São Petersburgo em composição e orquestração, Korsakov em muito trocava cartas com o diretor do Conservatório de Moscou, na época, Pyotr Ilyich Tchaikovsky.
Mas ao contrário de Tchaikovsky, Korsakov era totalmente russo em suas músicas, em todas elas...
Korsakov, de casaca preta, e luvas de cetim branco, subiu a bancada sob uma nuvem de aplausos e suspiros da arquibancada, enquanto os músicos preparavam-se para o seu concerto... Korsakov era um homem baixinho, de olhos ferozes e barba característica, com um calhanhaque que ia próximo à altura dos ombros.
Era um homem enérgico e exigia o máximo de perfeição de seus homens em sua óperas, tal como aquela que ia se realizar agora...
E em fim, em um dado momento, quando as cortesãs enfim calaram a boca, a orquestra começou a tocar sua sinfônia...
Stepanov acompanhou com atenção o som dos violinos e dos violoncelos transpassar as suas emoções, as suas explosões de ódio que tinha por Brel, o amor que sentia por Anastacia, o alvoroço de sua vida como funcionário do Ministério da Guerra... Stepanov então regojizou-se em sua poltrona, enquanto ouvia o enérgico regente mover sua batuta ferozmente para a orquestra enquanto os dançarinos e principalmente, as bailarinas despendiam com leveza movimentos circulares em torno do palco.
Aquela fora um noite impagável. Matriuska finalmente ficou calada, Konstantin Fresenievich finalmente podia se confortar, mesmo sabendo que Anastacia, infeliz acompanhava o marido, naquele concerto. Ela baixava de tempos e tempos sua cabeça, alheia aos carinhos de seu marido... Certamente pensava nele, em Konstantin Fresenievich!
Stepanov soltou um sorriso mudo, ela o amava, não àquele burguês gordo por quem tinha repulsa, mas pelo jovem funcionário, o jovem Konstantin Fresenievich, e tudo, inclusive os comentários infelizes de sua esposa sobre as roupas das bailarinas, tudo pareceu doce, enquanto Stepanov pensava na felicidade que ele e Anastacia conseguiam juntos.
"Esse foi um dia inesquecível, meu caro Konstantin Fresenievich! Ela me ama, meu caro, ela me ama!"... E assim, Konstantin Fresenievich voltou sorridente para casa, mesmo sendo obrigado a ouvir sua esposa repetir como um papagaio as fofocas de sua amiga.
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