segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Semana de Música Russa (Dia 6)

        Dmitri Dmitriyevich Shostakovitch (São Petersburgo, 25 de setembro de 1906 – Moscou, 9 de agosto de 1975) foi um  um dos mais célebres compositores do século XX.

       Shostakovitch ganhou fama na União Soviética graças ao mecenato de  general Mikhail Tukhachevsky, chefe de pessoal de Leon Trotsky, tendo mais tarde uma complexa e difícil relação com a burocracia stalinista.
Shostakovich em foto





        Sua música foi oficialmente denunciada duas vezes, em 1936 e 1948, e foi periodicamente banida. Não obstante, ele recebeu alguns prêmios e condecorações estatais e serviu na Soviete Supremo da União Soviética. Apesar das controvérsias oficiais, seus trabalhos eram populares e bem recebidos pelo público.




        Dmitri Shostakovitch nasceu em São Petersburgo, Rússia, sendo o segundo de três filhos de Dmitri Boleslavovitch Shostakovitch e Sofiya Vasilievna Kokoulina.





         Embora a família de Shostakovitch, por meio de seu avô paterno (originalmente Szostakowicz), tivesse raízes polonesas católicas (as suas raízes familiares levam-nos à região de Vileyka, na Bielorrússia), os seus antepassados mais imediatos eram oriundos da Sibéria. Seu avô paterno, um revolucionário polonês na Revolta de Janeiro, de 1863-4, foi exilado em Narim (perto de Tomsk) em 1866, na repressão que se seguiu à tentativa de assassinato do tsar Alexandre II levada a cabo por Dmitri Karakozov. Quando seu exílio terminou, Bolesław Szostakowicz decidiu permanecer na Sibéria. Eventualmente, tornou-se um bem sucedido banqueiro em Irkutsk e teve uma família numerosa.


        O pai do compositor, nasceu no exílio, em Narim, em 1875 e estudou na Universidade de São Petersburgo, graduando-se em 1899, na faculdade de física e matemática. Após a graduação, ele foi trabalhar como engenheiro sob as ordens de Dmitri Mendeleev (o mesmo cara da tabela periódica e que criou a vodka moderna), no Gabinete de Pesos e Medidas em São Petersburgo.


        Foi uma criança-prodígio como pianista e compositor, e o seu talento começou a tornar-se aparente após começar a receber lições de piano de sua mãe, aos oito anos de idade. Em 1918, ele escreveu uma marcha fúnebre em memória dos dois líderes do Partido Democrático Constitucional, assassinados por marinheiros bolcheviques.

         Em 1919, ele foi aceito no Conservatório de Petrogrado, o qual era dirigido por Alexander Glazunov. Glazunov acompanhou o progresso de Shostakovitch de perto, e promoveu-o.
         Shostakovitch também assistiu às aulas de história da música de Alexander Ossovsky. Contudo, ele sofreu por sua aparente falta de zelo político e inicialmente reprovou em seu exame sobre metodologia marxista em 1926.

        Mesmo assim estreiou o seu primeiro grande sucesso musical, a sua Primeira Sinfonia (apresentada pela primeira vez em 1926), escrita como peça de graduação, aos dezenove anos de idade.

        Após a graduação, ele embarcou inicialmente em uma carreira dupla, como pianista e compositor, mas o seu estilo de tocar seco (Fay comenta sobre o seu "controle emocional" e o seu "impulso rítmico fascinante") foi frequentemente desapreciado.

         No fim da década de 1920 e no começo da década de 1930, ele trabalhou no TRAM, um teatro da juventude proletária. Embora tenha trabalhado pouco enquanto nesse posto, este protegia-o de ataques ideológicos. A maior parte desse período foi passada na composição de sua ópera Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk; foi apresentada pela primeira vez em 1934 e foi um sucesso imediato, tanto ao nível popular como oficial.
           Em 1936, Shostakovitch perdeu os favores oficiais. O ano começou com uma série de ataques contra ele no Pravda, em particular um artigo intitulado Confusão ao Invés de Música. Pensa-se que a campanha, que condenou Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk como formalista, "grosseira, primitiva e vulgar,", foi instigada por Joseph Stalin; consequentemente, o número de encomendas de novos trabalhos começou a diminuir e os seus rendimentos diminuíram em três quartos.

          Os ensaios para a Quarta Sinfonia começaram em dezembro, mas o clima político tornou a sua execução impossível. A sinfonia não foi interpretada até 1961, mas Shostakovitch nunca repudiou esta obra: ela manteve a sua designação de Quarta Sinfonia. Uma redução para piano foi publicada em 1946.
Mais amplamente, 1936 marcou o início do Grande Expurgo, durante o qual muitos dos amigos e familiares do compositor foram feitos prisioneiros ou mortos. Sua única consolação nesse período foi o nascimento de sua filha, Galina, em 1936; seu filho Maxim nasceu dois anos depois.

Shostakovich em outra fotografia

             Após o início da guerra entre a União Soviética e a Alemanha em 1941, Shostakovitch manteve-se inicialmente em Leningrado, período durante o qual ele escreveu porções de sua Sétima Sinfonia (chamada de Leningrado).

           Em outubro de 1941, três semanas após o início do Cerco a Leninegrado, o compositor e sua família evacuaram de Leningrado para Kuybishev (atual Samara), onde a sinfonia foi completa. 

           Em 1948, Shostakovitch, ao lado de muitos outros compositores, foi novamente censurado por formalismo no Decreto Jdanov. A maioria dos seus trabalhos foram banidos, ele foi forçado a retratar-se publicamente e sua família teve seus privilégios retirados.

        Foi difícil para Shostakovich, que agora passava por dificuldades financeiras, mas conseguia escapar do Gulag graças a sua popularidade... Logo após a morte de Stálin, com os processos de desestalinização e o fim da repressão exarcebada, a vida de Shostakovich deu uma guinada.

       Tanto que o ano de 1960 ficou marcado  na vida de Shostakovitch: seu ingresso no Partido Comunista . Esse evento tem sido interpretado variadamente como uma demonstração de compromisso, uma marca de cobardia, o resultado da pressão política ou como uma livre decisão sua.

         No fim de sua vida, Shostakovitch sofreu de problemas de saúde crônicos, mas resistiu à ideia de deixar os cigarros e a vodka.

          A partir de 1958 ele sofreu de uma doença debilitante que afetou particularmente sua mão direita, e que eventualmente o forçou a parar de tocar piano; em 1965 foi-lhe diagnosticada poliomielite. Sofreu também ataques cardíacos no ano seguinte e novamente em 1971 e, bem como várias quedas nas quais quebrou suas duas pernas;

       Shostakovitch morreu de câncer pulmonar no dia 9 de agosto de 1975 e após um funeral cívico foi sepultado no Cemitério Novodevichy, em Moscou. O obituário oficial não apareceu no Pravda até três dias depois de sua morte, aparentemente porque o texto teve de ser previamente aprovado ao mais alto nível por Brezhnev e restantes membros do Politburo. Mesmo antes de sua morte havia sido homenageado quando o seu nome foi dado à Península de Shostakovitch na ilha Alexandre I na Antártica.





A Guerra (dia 6)



    As coisas não estavam fáceis em Leningrado... O frio, os constantes ataques aéreos, a fome, a morte.
Leningrado era uma cidade em sítio agora, uma cidade cercada de ambos os lados, pelo norte, pelos traiçoeiros finlandeses que se uniram numa guerra oportunista contra a União Soviética, e pelos nazistas, pelo Sul e pelo Oeste.

Cena do Cerco a Leningrado


      Leningrado estava isolada, a não ser pelo fato de ter uma passagem que ligava a cidade pelo Lago Lagoda ao resto do País.


      Os alemães iniciaram uma bárbarie sem precedentes; Hitler decidiu que Leningrado não seria atacada por suas tropas, mas que iria perecer pela Fome.

     Shostakovich, que andava pelas largas avenidas, ao longo dos canais da Capital do Norte, debatia-se contra o frio, contra a neve que tomava os seus sapatos, tentando a todo custo fugir dos ventos bálticos que batiam nas suas costas.

     O músico já tinha se adoentando com uma virose, uma daquelas chatas, mesmo sendo muito cuidadoso com a questão de higiene. O seu nariz avermelhado, os seus olhos lacrimejantes, a garganta apresentando tosse seca, Shostakovich odiava aquela doença, mas também não aceitava a ideia de sair de Leningrado a nenhum custo.

     O papel estava ficando caro, a comida escassa, e Shostakovich não tinha muito tempo para compor.

     Quando voltava pela Avenida Nevsky, o compositor encontrou centenas de corpos destroçados por um ataque alemão, mulheres, jovens, velhos, crianças, todos haviam  morrido num dos ataques da Luftwaffe, mas graças a Deus a fome ainda não batia com sua força.

       — Como vai, meu amigo pianista? Você vai bem? — Cumprimentou-lhe Afanasy Oevseenko, um dos quimicos da Fabrica de Armas Putilov.

       — Vou indo bem, caro senhor Oevseenko.

       — Quando poderemos ouvir o senhor tocar uma daquelas suas adoráveis sinfônias?
   
       — Em breve, só tenho que me recuperar dessa gripe, e poderei voltar a tocar.
   
       — Ah! Muito bem.

       Oevseenko preparava-se para sair, quando Shostakovich, curioso o reteve:
       — O senhor tem notícias do Front? Meu rádio está quebrado.
       — Que infelicidade! Bem, os nazistas cercaram a cidade e parece que estão impedindo nossas forças de romper o cerco, ontem eles bombardearam a estação de alimentos, que tinha acabado de receber suprimentos, e a toda hora eles atacam as docas no Lagoda.

       — Meu Deus! — Exclamou Shostakovich embora não fosse religioso.

       — Deus não tem nada a ver com isso, meu caro, os nazistas querem acabar conosco e farão o Diabo para isso acontecer.

        Oevseenko apartou-se de Shostakovich e seguiu em direção à fábrica de armas Putilov, as coisas estavam realmente ruins.

        Shostakovich entrou em casa totalmente arrasado, tinha visto os estragos que a aviação alemã haviam causado, além disso, as coisas pareciam apenas piorar.

       Shostakovich, meio melancólico sequer cumprimentou aos seus filhos e com um gesto fez com que sua esposa se afastasse dele... Dimitri Dimitrievich queria ficar sozinho.

      Shostakovich foi até o piano, totalmente abalado, e repousou sua cabeça na madeira negra do instrumento e chorou; Ele tinha visto coisas terríveis no centro da cidade. Pessoas, em pedaços, em retalhos sendo encobertas pela neve, enquanto mães, esposas, filhos, choravam suas perdas, e insensivelmente via os guardas arrastarem os corpos, já desfalecidos, para fora da pista, porque atrapalhavam o trânsito.

       Não haviam mais espaços para enterrar os mortos e sequer tempo... O tempo não era um luxo que se tinha.

      Shostakovich só tinha uma pequena ideia do sofrimento que os soldados passavam nas trincheiras em torno da cidade, enquanto os portões da cidade eram guarnecidos por batalhões do NKVD.

     Os soldados soviéticos só tinham duas escolhas, morrer pelas mãos dos alemães ou morrer pelas mãos do NKVD, quem se retirasse, mesmo para formar uma retirada estratégica era sumariamente fuzilado pelas armas da polícia secreta.

      Shostakovich ouvia histórias de mães perderem seus filhos, filhos perderem seus pais, esposas que não veriam mais seus maridos, chefes de família que perderam todos os seus entes queridos... Shostakovich,  meio depressivo, começou a tocar, tocar uma canção, desabafar a sua dor, que amargurava-lhe o peito.

                                      Shostakovich tocando um trecho curto de sua Sétima Sinfônia, "Leningrado"

 
        Shostakovich diz no vídeo:

"Minha 7° Sinfônia é inspirada nos terríveis eventos de 1941. Por nossa luta contra o fascismo, por nossa esperada vitória sobre o inimigo, por minha cidade natal, Leningrado, eu dedico essa composição. Eu irei tocar um exemplo da primeira parte da 7° Sinfônia"

   
      Dois dias depois desses eventos, Shostakovich é evacuado com sua família para Kuybichev (cidade de Samara), onde pode fugir dos eventos trágicos que se abateram em Leningrado.

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