sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Cartas de Leningrado (III)

7 de novembro de 1941
Leningrado, CCCP

         
           Como vai, Volódia, meu filho? É seu velho pai, Vassili Efremenvich, eu estou escrevendo para saber notícias de você, e falar sobre o que anda acontecendo aqui.

           Ficamos sabendo pelas bocas dos oficiais que hoje se realizou a Parada Militar do Aniversário da Revolução em Moscou, fico feliz por essa mostra de coragem de nossos soldados, afinal de contas, o Vojd foi extremamente audacioso em realizar um desfile militar na Praça Vermelha com os alemães tão perto!

           Diga-me, meu filho, os alemães estão te causando problemas? 
           Esses porcos não vão descansar até acabar com cada um de nós... São uns monstros! Pior, são os ceifeiros da morte!

          As coisas em Leningrado estão piorando, o frio e a fome estão deixando as pessoas mais e mais doentes... Começam a correr boatos de que as pessoas estão começando a ficar dementes pela fome. Eu não duvidaria disso.

         Próximo ao Hermitage se desenvolveu um mercado negro de comida, algo que foge aos olhos da lei; Mães, crianças, imploram aos vendedores por um pouco de comida, até se prostituem por um pouco de pão; Famílias inteiras começam a trocar seus pertences, jóias de família, bonecas das crianças, por um pedaço de arenque, um pescado qualquer.

         Os que nada têm, como nós, têm que sobreviver com o pouco que nos resta... Agora eles baixaram a nossa cota diária para 125 gramas de pão, 125! Isso não dá para alimentar nem uma mosca!

         Sua irmã está doente, não sabemos o que é ao certo, mas estamos tentando cuidar dela... Hoje fizemos uma sopa com as botas de seu irmão, e nunca pensei que couro fosse tão gostoso!

        As pessoas estão morrendo, meu filho, morrendo de frio e de fome... Não sei como as suas cartas estão chegando, de certo de avião, as comunicações com o resto do país estão fechadas... Estamos presos, sozinhos, em meio aos muros de Leningrado, assolados pela fome e pelo frio.

        Começam a cair as pessoas nas ruas, muitas pelo frio, muitas pela fome, algumas pelo cansaço. Mas quando caem, não têm mais força para se levantar e acabam caída ali, em meio ao frio e nunca mais se levantam. E ficam ali, no meio da rua, sem qualquer apoio, sem qualquer ajuda, pois os outros não tem forças para ajudar.
          Uma multidão de corpos já se enfileira na Avenida Nevsky: Velhos, mulheres, crianças até! Cada uma, cada qual, perece diante ao frio e a fome, e nós, sem muitas forças, não conseguimos os enterrar decentemente, e ficam lá os corpos!

          Eu mesmo estou me sentindo  fadigado, talvez seja o trabalho, talvez a fome, mas não sei se terei forças para tanto... Eu receio que a sua mãe já tenha ficado louca, fica falando sozinha com amigos imaginários de dia, e durante a noite ela começa a azucrinar nossos ouvidos com conversas sem nexo.

        Mas não fora só isso que eu queria dizer, meu filho, eu queria falar, que ontem de manhã, o seu irmão Sacha, morreu ontem no Front, morreu com louvor pelo menos! Os alemães invadiram a trincheira em que estava e jogaram jatos de fogo nos soldados... Uma morte terrível! Eu sei, mas o seu irmão pelo menos morreu levando um daqueles crápulas! O sargento disse que irá procurá uma Ordem de Nevsky para seu irmão, tomará, para que seu sacríficio não seja em vão.

        Eu sei, meu filho, sei que é duro, mas eu vejo todo dia uma morte, uma atrás da outra que eu não sei, parece que estou me acostumando (Deus me livre!). Eu preferia pelo menos morrer no Front ao seu lado do que morrer como perdiz de fome! Eu sou um soldado, eu sou um revolucionário, mereço respeito!

        Agora me despeço de você, Volódia, meu filho, com um aperto no coração, pois não sei quando mais poderei vê-lo, meu filho. Desejo-lhe saúde e muita felicidade. Cuide-se e seja feliz.

                                                                                                Cordialmente seu pai,  Vassili Efremenvich

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