sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Cartas de Leningrado

10 de outubro de 1941
Leningrado, CCCP
            

         Hoje ficamos sabendo que a ofensiva alemã a nossa querida cidade viu-se encurralada com a tenaz resistência de nosso glorioso exército, Volódia, meu filho.
        Isso nos enche de esperanças, nos traz a remota esperança que o nosso exército irá esmagar de uma vez por todas os inimigos fascista da nossa querida Leningrado...
        Hoje, os alemães bombardearam o Instituto Smolny com a sua força aérea assassina, mas os nossos gaviões da Aviação Vermelha reagiram de volta... Todos na cidade foram mobilizados, nós, trabalhadores, somos levados às fábricas para trabalhar por mais tempo, mas eu nem ligo, sei que é pelo bem de nossa pátria.

       Volódia, o que me preocupa são os tanques alemães em torno de nossa cidade, eles nos cercaram, não podemos mais usar a ferrovia para Moscou, estamos ficando sós!

       Os mais renomados artistas e cientistas saíram de avião da cidade para Moscou, só ficaram Shostakovich e o comissário Jdanov na cidade. Sabe, meu filho, eu vi o comissário hoje, ele parece ser uma pessoa legal, meio estressada, mas legal, pena que em seu hálito apercebe-se o cheiro de álcool... Certamente o cerco não lhe deve estar fazendo bem, mas todos nós confiamos fielmente no seu posto de governante de nossa cidade.

        Como vão as coisas aí em Moscou? Já está preparando-se para lutar, meu filho? Ficamos sabendo pela rádio alemã que se iniciará em breve um ataque à Capital... Você não tem medo, meu filho? Afinal, você é um capitão do Exército Vermelho.

       Tem razão, não há o que se temer, o Vojd nos liderará à vitória final, o general Zhukov é sapiente, e saberá como defender a capital.

      Mas estamos muito preocupados aqui em Leningrado, o Inverno se aproxima, e tão logo cobrará o seu preço... Falta-nos comida, sabemos disso! Mas o comissário Jdanov prometeu que o racionamento de comida é unicamente temporário.

       Temporário uma ova, afinal de contas sabemos que isso será difícil! Estamos sem luz já há algumas semanas, a central de abastecimentos da cidade fora bombardeada num ataque furtivo hoje de manhã pela Luftwaffe e estamos reduzidos a comer duas fatias de pão preto por dia. Pão velho!

      O pior de tudo nem é isso, o pior de tudo é quem recebe mais comida são os soldados, depois os trabalhadores, e quem não trabalha nada recebe... Sabemos que a coisa vai ficar feia no Inverno, vai ter gente que morrerá de fome, mas sabemos que é por nossa pátria, e defenderemos cada pedaço de Leningrado com as nossas mãos.

       Seu irmão Sacha se inscreveu no Exército, vai ficar na divisão anti-aérea, nos enche ele de orgulho por isso, eu mesmo, senão tivesse sido recusado, estaria agora acabando com as bestas fascistas no Front, onde já se viu! Eu não estou velho! Tenho só 76 anos! Ainda sei empunhar um rifle!

      Mas claro, eles não lembram de nós assim, afinal de contas, se esquecem que lutei pela Revolução naquele glorioso 7 de novembro! E pensar que foi aqui! Em Leningrado!

      Desculpe-me a letra tremida meu filho, pois foi que escrevi em meio à luz de velas, e receio que agora deva terminar minha carta, as velas estão acabando! Sobre sua mãe, ela está bem, meio angustiada, mas bem, sua irmã está um pouco nervosa, mas nada demais, e está trabalhando bem na Fábrica de Armas Putilov, seu pai, o qual escreve, sente muitas saudades de você, meu Volódia, escreva pra mim de vez em quando, mesmo trabalhando doze horas por dia na fábrica de tanques, eu terei o maior prazer em ler uma carta sua.

      Agora me despeço, meu filho. Cuide-se e seja feliz.


                                                                                         Cordialmente seu pai,  Vassili Efremenvich

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