Serguei Sergueievitch Prokofiev nasceu em 23 de Abril de 1891 na vila rural de Sontsovka (actualmente é a localidade de Krasne, no Óblast de Donetsk), na Ucrânia, parte do Império Russo, filho único de uma pianista e de um engenheiro agrónomo, e a família vivia com relativo desafogo económico.
Prokofiev em foto (1918) |
Prokofiev demonstrou bem cedo invulgares dotes musicais. Aos nove anos ele compôs sua primeira ópera, O Gigante, assim como uma abertura e outras peças.
Em 1902, sua mãe conseguiu uma audiência com Sergei Taneyev, diretor do Conservatório de Moscou. Taneyev sugeriu que Prokofiev começasse a ouvir aulas de composição com Alexander Goldenweiser, que declinou, e Reinhold Glière. Glière visitou o jovem Prokofiev em Sontsovka duas vezes durante o verão para ensiná-lo. Paralelamente, Prokofiev aprendeu xadrez, e acabou se tornou um grande enxadresista.
Em pouco tempo começou a ele sente que o isolamento de onde morava estava restringindo seu desenvolvimento musical. Apesar de seus pais não apoiarem a entrada de seu filho na carreira musical tão cedo, em 1904 ele se mudou para São Petersburgo e se inscreveu no Conservatório de São Petersburgo, após encorajamento de Alexander Glazunov. Entre seus professores estava Rimsky-Korsakov.
Em 1909, seu pai morreu, resultando no fim do seu suporte econômico. Mas ele já tinha certa reputação como compositor, apesar de causar escândalos frequentemente com seus trabalhos, pois afinal seus dois primeiros concertos para piano compostos nessa época, o valeram-lhe má fama como músico contra a linha nacionalista russa.
Fez sua primeira excursão fora da Rússia em 1913, viajando a Londres e depois a Paris, onde encontrou o Ballets Russes de Sergei Diaguilev. No ano seguinte, terminou o curso do Conservatório em São Petersburgo com as mais altas classificações, um prêmio Rubenstein, o que lhe rendeu um piano. Retornou a Londres, onde entrou em contato com Igor Stravinsky.
Em 1917, compôs a ópera O Jogador, com base na obra homónima de Fiodor Dostoievski, um estudo sobre obsessão. A estreia foi cancelada devido à Revolução Russa de 1917.
Ele estava determinado a deixar a Rússia, pelo menos temporariamente, percebendo nenhuma oportunidade para a música experimental. Em maio, mudou-se para os Estados Unidos, mas teve contato com bolcheviques como Anatoly Lunacharsky. Posteriormente, escreveu que o motivo era estritamente musical, e não uma oposição ao novo regime que seu país instalado.
Vivendo nos Estados Unidos, Prokofiev acabou sendo inevitavelmente comparado com o grande compositor russo exilado, Serguei Rachmaninoff, mas quando sua carreira não engrenou como devia, Prokofiev voltou para a Europa, sem nenhum tostão furado, e começou a tocar na Europa, sendo solista na Sinfônica de Londres.
Em 1935, Prokofiev voltou à União Soviética permanentemente; sua família voltou somente no ano seguinte.
Na época, a política soviética referente a música havia mudado; uma agência havia sido criada para vigiar os artistas e suas criações. Limitando a influência externa, tais políticas gradualmente isolaram os compositores soviéticos do resto do mundo. Tentando se adaptar às novas circunstâncias, Prokofiev escreveu uma série de canções (Opp. 66, 79, 89), usando letras de poetas aprovados oficialmente pelo governo, além do oratório Zdravitsa (Op. 85), o que assegurou sua posição como um compositor soviético. Na mesma época, compôs para crianças, incluindo Pedro e o Lobo, para narrador e orquestra, uma obra realizada para agradar a Josef Stalin.
Em 1938, Prokofiev, reuniu-se em um trabalho com Eisenstein, sendo que ele ficou encarregado de fazer a trilha sonora do novo filme de Eisenstein: Alexander Nevsky (que será alvo do Conto).
Em 1941, o compositor sofre o primeiro de uma série de ataques cardíacos, resultando numa piora gradual de saúde. por causa da Segunda Guerra Mundial, ele foi periodicamente evacuado para o sul junto com outros artistas. Isso trouxe diversas consequências para sua família em Moscou, e seu relacionamento com a poetisa Mira Mendelson resultou na sua separação com a esposa Lina, apesar de não terem se divorciado. Mira já havia o ajudado em libretos.
Prokofiev com sua amante, notem o quanto ele mudou. |
Em Kuybyshev (atual cidade de Samara, onde os distritos governamentais e os artistas tinham sido levados, por ocasião da Batalha de Moscou), Prokofiev tivera a liberdade para produzir um pouco de suas músicas, sem as restrições aos seus trabalhos, mas a liberdade dada em Prokofiev desagradava a Stálin.
Em 1944, Prokofiev se mudou para fora de Moscou, para compor sua quinta sinfonia (Op. 100) que tornou-se a mais popular delas. Pouco depois, sofreu concussão e nunca se recuperou. Por conta disso, sua produtividade diminuiu severamente nos anos seguintes.
Após a guerra, o compositor ainda teve tempo para de escrever sua sexta sinfonia e sua nona sonata para piano, antes do Partido Soviético mudar de opinião sobre sua música, quando em 10 de fevereiro de 1948, uma resolução do Partido Comunista condenou supostas tendências antidemocráticas na música.
A música de Prokofiev agora era vista como um exemplo do formalismo, um perigo para o povo soviético. Em 20 de fevereiro, sua esposa Lina foi presa por espionagem, ao tentar enviar dinheiro para sua mãe na Catalunha. Nesse mesmo ano, Prokofiev deixa a família por Mira. Lina foi sentenciada a vinte anos, mas foi solta após a morte de Stalin em 1953, deixando a União Soviética.
Prokofiev agora era perseguido pela Polícia Secreta (o NKVD), recebia agora críticas duras por seus trabalhos, a sua saúde estava totalmente debilitada, e Prokofiev estava passando por apertos financeiros... A sorte não estava mesmo com Prokofiev.
Para piorar, Prokofiev ainda deu azar de morrer no mesmo dia que Stálin, em 5 de março de 1953, aos sessenta e um anos de idade.
Como ele sempre viveu próximo à Praça Vermelha, por três dias, a multidão que se despedia de Stalin impossibilitou a retirada do corpo de Prokofiev para o serviço funerário.
Quando finalmente o corpo de Prokofiev foi liberado, o seu funeral, não havia flores nem músicos, afinal todos haviam sido reservados ao funeral do líder soviético.
O Homem do Neva (dia 5)
Naqueles dias estafantes, totalmente nervoso, um jovem rapaz de suspensório preto e camisa desabotoada, andava pelos cantos, fumando um pouco o seu cigarro, ao qual não largava há três dias, e tentando ajeitar sua cabeleira rebelde.
Sergei Eisenstein, o grande cineasta russo, estava preocupado com o andamento de seu mais novo filme... Eisenstein era obcecado quanto a seus trabalhos, tanto que não fora a toa que ele mesmo produziu o seu maior sucesso, o Encouraçado Potemkin, 13 anos antes.
Eisenstein era tão obcecado, que ele mesmo monitorava os seus negativos para ter que tudo tinha saido bem com suas filmagens.
Eisenstein monitorando os negativos contra a luz |
Eisenstein produziu um filme inacabado chamado Que Viva o México!, mas acabou sendo traído pelo produtor do filme, e voltou com uma mão a frente e outra atrás, para a União Soviética.
Aquele filme agora era para se redimir com o povo e com Stálin, tendo em vista que o momento em que Eisenstein ficara fora foi visto com maus olhos pela direção comunista.
Eis que então Eisenstein dedica-se a sua mais nova produção: Alexander Nevsky. Um filme que contaria a história do grande herói russo, princípe de Yaroslav, Alexander Nevsky, que venceu os alemães, os suecos e os tartáros (de um jeito diferente), no século XIII.
Cena do filme Alexander Nevsky |
Eisenstein aproveitou a oportunidade da produção do filme para agradar Stálin, que adorava filmes históricos, e fazer propaganda contra os nazistas (os nazistas estavam em ascensão nessa época), ao mostrar que os alemães desde o início eram inimigos dos russos, e que não descansariam até escravizar todo o povo russo (e não estava errado); Dá para entender o porquê que o filme foi retirado de circulação próximo a assinatura do Pacto Nazi-Soviético em 1939.
Eisenstein era bem criterioso com o filme, ele supervisionava pessoalmente a filmagem, ele escolhera a dedo os atores que fariam parte do elenco, escolhendo o grande Nikolai Cherkasov para o papel de Alexander Nevsky;
Nikolai Cherkasov em foto |
Cherkasov, que tinha um vozeirão, fez uma atuação impecável, que lhe rendeu uma fama inigualável.
Alexander Nevsky era o tipo de filme que a cada cena se tinha uma imagem, um espaço pictórico tão denso, tão intenso, que parecia ser uma pintura, cheia de detalhes e ornamentos, e as cenas tão vibrantes do filme combinavam bem com a proposta do filme, foi por isso que Eisenstein escolheu Prokofiev para orquestrar a trilha sonora.
Apesar do filme ter razoável qualidade sonora, Prokofiev adaptou grande parte da obra numa cantata, que tem sido apresentada e gravada frequentemente mundo a fora, a questão é que Eisenstein estava nervoso quanto a orquestração do Grand Moment do filme, a Batalha no Gelo.
Cena da Batalha no Gelo |
A Batalha do Gelo era uma cena que recordava a Batalha que os teutônicos e as tropas da República de Novgorod travaram sobre o Lago Peipus, congelado, próximo a fronteira entre a Rússia e os Países Bálticos, na qual, as tropas de Nevsky cercaram os teutônicos e venceram a Batalha.
A filmagem e atuação estavam impecáveis, mas a trilha sonora, bem Eisenstein não gostou muito...
— Prokofiev, tem um minuto? — Eisenstein abordou o músico que terminava de ensaiar com a sua banda.
— Pois não, Eisenstein.
Então os dois Sergeys (Eisenstein e Prokofiev) seguiram a uma parte separada do estúdio de filmagem, e começaram a conversar, Eisenstein, sempre muito sincero, começou:
— Meu cara, Prokofiev, esse é um filme que conta a história de um homem, de um homem corajoso que se levantou contra tudo e contra todos para poder proteger sua terra amada da escravidão dos alemães. Essa história é de um homem que teve a coragem de enfrentar os suecos, os tártaros, os boiardos, os alemães e ainda conseguiu vencer. Essa é a minha visão de Aleksandr Nevsky.
— Eu entendo, meu amigo, eu entendo.
— Pois bem, esse filme tem um apelo patriótico, denso e por obrigação tem que ser pulsante.
— Eu entendo, meu amigo.
— Serguei Sergueievich, eu vou ser bem sincero com você... Eu não gostei muito da trilha que você fez para a Batalha no Gelo... Eu não sei o que foi, mas falta algo. A trilha deve ser ao mesmo patriótica, intensa e pulsante, que faça com que todos queiram se levantar e querer apunhalar o primeiro teutônico na sua frente...
Prokofiev deu uma risada, ele entendeu a mensagem.
— Prokofiev, eu preciso que você mude a música o mais rápido possível, só temos mais cinco dias antes de entregar o filme.
— Tudo bem, meu amigo, eu vou mudar a música.
E Eisenstein saiu para continuar os seus afazeres, ele estava muito atarefado com tudo aquilo e não podia perder tempo.
Prokofiev não sentiu-se humilhado com aquilo, ele compreendeu o ponto de vista de Eisenstein, o filme tinha que ser vibrante, patriótico, pulsante, tinha que ser um filme vivo, e Prokofiev percebeu que sua trilha não encaixava direito na parte da Batalha no Gelo.
Prokofiev era muito dedicado a seu trabalho, e passou noites em claro, tentando descobrir algum que encaixasse naquela cena... Em uma dada hora, no seu apartamento, próximo à Praça Vermelha, Prokofiev acabou adormecendo no sofá enquanto tentava pensar em alguma coisa.
O músico tentou se imaginar como um dos soldados de Nevsky, um daqueles camponeses mobilizados do nada para lutar por sua terra, enquanto invasores vindos do Oeste, em trajes demoníacos, montados a cavalo viam em sua direção, ao ataque.
Prokofiev se imaginou um daqueles, que no calor da batalha, consegue encontrar uma espada, e cheio de adrenalina e outros hormônios no sangue, começa a correr atrás dos alemães, golpeando-os sem misericórdia, inflamado por uma música, uma música pulsante, vibrante e patriótica.
Serguei Sergueievich acorda num instante, cantarolando uma melodia:
— Pam! Pam! Pam pam Pampampam! Pam Pam Pam Param! Pam param!
Prokofiev levantou e debruçou-se sobre o seu piano, dedilhando as teclas enquanto registrava numa partitura as notas com um lápis.
— Mi, Mi, fá, sol, bemol. Mi, fá, sol, ré, mi! Ré, mi, sol! [...]
Prokofiev havia encontrado a música, e durante toda a noite, sob o vapor dos cigarros que acendia e apagava o compositor trabalhou na música até que por fim, quando já estava de manhã, terminou a música.
Logo quando terminou, sem tomar ao menos o café, saiu correndo para pegar o trollebus (um tipo de ônibus elétrico) e seguiu em direção aos estúdios da Mosfilm.
— Eisenstein... Eisenstein... Eu consegui... Eu consegui... — Eisenstein converava com Nikolai Cherkasov sobre suas falas e fizera algumas correções no scripti.
Logo quando Cherkasov saiu, para decorar suas falas, Eisenstein seguiu em direção a Prokofiev, ainda meio nervoso, com a agitação do estúdio e fumando um cigarro barato, caminhou vagarosamente, e tentou colocar a barra de sua camisa desabotoada na gola, por dentro das calças.
— O que foi, Serguei Sergueievich?
— Eu consegui, eu consegui.
Prokofiev entregou-lhe a folha da partitura, ainda um pouco rasurada e só teve tempo para ler: "Batalha no Gelo".
Eisenstein devolveu a partitura, e coçou a cabeça sem entender, e fez um sinal para Prokofiev se explicasse...
— Eu fiz a nova música... Eu fiz!
— Pois bem, me mostre então...
Eisenstein reuniu-se no estúdio de gravação, onde acompanhava o giro do projetor mostrar a cena, e Prokofiev, em um sala isolada acusticamente, preparava a Orquestra para tocar e em seguida, Prokofiev começou a mover sua batuta.
Logo depois de executada a obra, Prokofiev saiu do estúdio de gravação e um tanto nervoso, perguntou a Eisenstein:
— O que achou?
— Bem, meu caro Serguei Sergueievich, eu pedi que você mudasse a música para algo mais pulsante, mais vivo, mais patriótico.... e devo dizer que... você não me decepcionou. Essa música é perfeita, o coro principalmente, o movimento dos alemães, tudo perfeito.
— Obrigado, meu amigo.
— Agora pode ficar contente e esfriar a cabeça, sei que você não dormiu a noite tentando pensar sobre isso. Pode ir, tire o dia de folga, amanhã será um dia muito mais pesado.
— Obrigado, Eisenstein.
E Prokofiev então se despediu exultante enquanto voltava para o seu apartamento descansar, ele havia conseguido.
O sucesso foi tão grande, mas tão grande, que Prokofiev e Eisenstein trabalharam de novo mais duas vezes, para elaborarem a trilha sonora das duas partes do filme, Ivan, o Terrível.
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