sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Cartas de Leningrado (IV)

5 de janeiro de 1942
Leningrado, CCCP


              Como vai, Volódia, meu filho? Ficamos sabendo que o pior em Moscou já passou, os alemães estão há 250 quilômetros da capital; Isso é bom, eles aprenderam que o caminho deles em muito se aproxima ao de Napoleão, eles agoram veram sua derrocada tão rápido quanto Napoleão viu a sua... Eu ando lendo um pouco da Guerra Patriótica de 1812, agora percebo que Kutuzov era sim um líder habilidoso! Um dos poucos na época.

         Queira me desculpar, meu filho, por não ter mais arranjado tempo para escrever-lhe cartas, mas as coisas aqui em Leningrado estão piorando... O Inverno bateu com toda a força nesses dias, a neve que antes fora nossa amiga, agora cobra o preço de sua amizade. 

          Os corpos estão agora expostos aos montes numa cobertura branca no meio da Avenida Nevsky, todos estão fracos, mas tão fracos que sequer podem enterrar seus entes queridos... As pessoas a tempos comiam as rações dos animais, a aveia dos cavalos, mas hoje, o que comem é tudo que encontram pela frente, desde madeira podre a ratos nas chaminés.

          Hoje, quando estava caminhando pela Avenida Vladimirsky quando encontrei um colcheiro ao pé de seu cavalo, chorando, ele não queria matar o animal, mas sentia fome... Eu me ofereci para fazer isso, ele aceitou, peguei a machadinha na mão dele e fui para perto do animal.

        O pobre animal estava ali caído, sem reação, agonizando de fome e frio, parecia chorar, aquilo me deu pena, ver um animal assim, desse modo... Tentei ser o mais rápido e conciso no golpe, mas ainda senti que tinha feito o bicho sofrer; O colcheiro, pelo trabalho, me deu um punhado da carne do animal.

          Meu Deus! Nunca imaginei que carne de cavalo fosse tão gostosa! Um pouco dura, sim claro, mas quando a sua mãe preparou, eu tive que repetir. Nós não andamos tendo muitos luxos, meu filho, a sua irmã está adoecendo mais, não acho que ela sobreviva mais que uma semana.

           Estou providenciando para que pelo menos ela seja enterrada dignamente... Não quero que ela fique exposta ao relento, na neve, como os outros; Correm boatos aqui em Leningrado que há casos de canibalismo, estamos muito preocupados com isso, ontem mesmo, ouvimos de nossos vizinhos que duas crianças foram encurraladas por cinco mulheres que além de matá-las, as destroçaram como gazelas.

         Sua mãe e eu estamos preocupados com isso, dormimos agora com uma faca por debaixo do travesseiro, os relatos de violência estão aumentando, e a polícia não anda fazendo muito a sua parte.

        Eu estou agora me alistando para levar os suprimentos para a capital pelo Lagoda, para ver se as coisas melhoram; a travessia não vai ser fácil, mesmo o (lago) Lagoda estando congelado agora, e os alemães dando uma trégua por causa do mal tempo, a travessia parece ser perigosa.

        Alguns começam a chamar a travessia pelo Lagoda de Estrada da Vida, talvez esse seja mesmo o melhor nome que podemos usar, as coisas seriam piores se não tivessemos o Lagoda, a nossa aviação não pode mais enfrentar o intenso nevoeiro que se abateu na cidade, e sequer podemos romper o cerco sem ajuda externa, a saída é pelo Lagoda.

        O problema dessa travessia é que as águas do Lagoda sempre foram traiçoeiras, meu filho, lembra-se de quando fomos patinar no gelo quando você era criança? Pois bem, o gelo pode se romper a qualquer momento, e aí estaremos em apuros. Não quero me envolver com a morte, mas a  morte paira por aqui.
         Vou tentar ver um meio de tirar a sua mãe e as suas irmãs daqui, esse não é um bom lugar para elas! Mesmo sendo já adultas, vou tentar dar um jeito de que saiam daqui. Sabe o nosso vizinho, o velho Klimenti Godunov? Bem, ele também me pediu que levasse a filha dele, recém nascida com a irmãzinha dela de quatro anos; 
          Eu sei que é terrível, meu filho, mas eu não tiro a razão dele, é melhor que elas vivam num orfanato do que morrerem aqui de fome e de frio em Leningrado, com o perigo de servirem de prato para um bando de barangas esfomeadas. Eu concordei, vou levá-las junto comigo, não importando o que aconteça.

          Estamos próximos do Natal Ortodoxo e a única coisa que consigo pedir é uma salvação para essa situação... Eu não vejo como, mas queria que o nosso Exército voltasse forte e guerreiro em Leningrado como sempre fora. Sei que é impossível isso agora, mas não custa nada sonhar!

         Agora me despeço de você, Volódia, meu filho, com um aperto no coração, pois não sei quando mais poderei vê-lo, meu filho. Desejo-lhe saúde e muita felicidade. Cuide-se e seja feliz.

                                                                                                Cordialmente seu pai,  Vassili Efremenvich

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