Durante o meu sono da madrugada, faz muito tempo que não sonho, mas esse sonho foi particularmente interessante...
Era um lindo dia quente em Brasília, um daqueles em que os raios de sol gritam o seu calor para serem percebidos... Fazia uma desconfortante temperatura, a qual tenho medo de lembrar.
Eis que eu estava, um jovem, um rapaz, que nem barba direito havia nascido, com olhar cansado, rosto pálido, nariz peculiar, magricelo por natureza, caminhava com intensa pressa sob aquele piso de mármore escurecido...
Ao meu lado estava um linda donzela, ela era linda, se desconsiderarmos a melância que portava ao invés da barriga, era tinha lindos cabelos encaracolados escurecidos, olhos negros e um pálido semblante assustado...
Era um dia importante para ela, afinal tinha sido selecionada para ser fiscal do Ministério da Educação, e logo estava sendo convocada para participar de um exame, a questão... ela estava grávida.
Eu sei que eles não costumam convocar gestantes para esse tipo de serviço, mas naquela situação isso ocorrera.
— Vamos, Alan... Vamos, senão chegaremos atrasados...
— Você acha prudente fazer isso, afinal você está grávida...
— Eu tenho que fazer, afinal eu já recebi o dinheiro e depois, eu não posso mais recusar...
— Certo, então vamos...
Dentre aquela pequena rodoviária corremos em ligeira pressa, mas em velocidade condizente ao estado de gestante de minha amiga.
— Ah! Meu Deus! Ah! Meu Deus! A bolsa rompeu... A bolsa rompeu...
Vejam só, naquele imundo e escuro chão de rodoviária aquela poça de líquido um tanto incolor surgir como assombro no chão... As pessoas ficaram perplexas...
— Nós temos que ir ao hospital...
— Mas como? Se formos de ônibus vai demorar uma hora...
Surge duas belíssimas donzelas, daquelas que aparecem nas semanas de moda mundo à fora. Pareciam saídas daquelas lindas histórias que paramos para ouvir sobre as lindas donzelas nórdicas que aparecem ao valente cavaleiro, as valquírias.
Eram as duas lindas... Tinham olhos azuis, a pele branca, um pouco pálida, nariz arrebitado e ambas tinham cabelos de luxuriante loiro natural... Elas eram gêmeas...
A Primeira se mostrou indiferente, mas segunda... Ela se solidarizou com o sofrimento de minha amiga... E a amparou no braço, fora muito amigável.
— Anita, nós temos que ir — Disse a primeira.
— Vamos levá-la para o Hospital...
— Mas temos que ir, o Doutor não costuma esperar...
— Levaremo-na primeiro e depois pensaremos na minha consulta.
— Anita...
— Vamos, venham comigo...
Que bela criatura era a Anita, linda e gentil, tinha um doce sotaque sulista, ao qual não pude me conter; Ela tinha um corpo escultural, seios proeminentes, porte de modelo, era quase o modelo dos estereótipos das lindas donzelas que habitam as terras gélidas da Escandinávia.
Ousei perguntar:
— Anita, posso chamá-la de Anita, certo? Posso fazer uma pergunta? — Ela acenou positivamente com a cabeça — Eu não vejo um motivo para ver uma pessoa como você que parece... bem, sadia, ir ao médico... Se me permite, por que a senhorita estava indo ao médico
— É uma longa história, mas deixe-me resumi-la: Eu tenho botulismo...
— Botulismo?
— Sim, botulismo, aquela coisa que dá nas latas... Desde criança eu tenho isso, quase morri, contudo, um tratamento, novo na época, me fez sobreviver à doença... Esse tratamento hoje impede que eu morra, eu tenho que tomar uma pílula a cada duas horas para sobreviver.
Surge um tema angelical, uma música linda por sinal, mas só com um refrão: “I do not believe”.
— E se não tomar?
— Meu corpo começa a se deteriorar em razão do botulismo, eu tenho a respiração interrompida e acabo morrendo... É triste, mas é isso... Eu tenho que ir ao médico duas vezes por mês para ver se está tudo bem, já que o remédio tem efeitos colaterais...
— Que efeitos?
—O remédio me deixa com ansiedade, eu sou obrigada a usar fraldas, afinal não tenho mais controle urinário (eu fiquei pasmado), e meu corpo começou a crescer e se formar de modo muito rápido e muito artificial. O corpo que vê, pode parecer bonito, mas é resultado do remédio que aumento a minha taxa de hormônio do crescimento.
O tema angelical trouxe uma monotonia, o único refrão parecia ser cantado por uma voz angelical, em tom calmo e ameno, algo como Alanis Morissete cantando em tom meloso: “I do not believe”.
— Chegamos! Vou levá-la ao hospital... Você é o marido dela?
— Amigo.
— Terá que vir você também para preencher a papelada.
— Sim.
Eu observei com toda a atenção aquela formosa criatura auxiliando aquela gestante parturiente, nunca vi uma pessoa tão disposta a fazer tanto bem ao próximo, aquilo me comoveu... Era lindo, parecia um anjo dentre os falhos, parecia reluzir a sua aura em torno daquele lindo semblante delicado, por que ela tinha que sofrer?
De fato fomos levados ao Hospital, eu fiquei preenchendo a papelada, mas Anita, ela ficou ali, esperando tudo ocorrer bem... Ela ficou naquele silencioso corredor cantando uma modinha, enquanto observava o esposo daquela parturiente aparecer nervoso na sala de recepção. Ela o acalmou...
Eu me senti atraído por aquela moça, não só pela sua beleza, mas por seu espírito que era delicado e límpido, não me importava que estivesse doente, ela era para mim a única coisa que importava... Mas quem disse que eu teria coragem de me declarar, ali, naquele local de dor e sofrimento que era uma sala de Hospital?
— O bebê nasceu... — Pronunciou a enfermeira.
— Acho que chegou a minha hora, devo ir.
— Não quer ao menos conhecer o bebê...
— Não eu tenho realmente ir.
— Eu não sei como agradecê-la.
— Seja bom com as pessoas e estará me agradecendo...
— Farei isso. Passar bem, Anita.
— Passar bem.
E fora essa a última vez que vi uma moça tão singela, tão delicada, tão doce passar por mim e sequer tive coragem de me declarar... Ela era um anjo, eu sou um imperfeito...
Chove forte na Capital, uma chuva tão sólida que as nuvens do céu tão turvas estavam e a cidade como um todo era consumida por uma aura de trevas ou algo próximo a uma escuridão assustadora.
Eis que eu, apressado do meu jeito, agora era famoso escritor que me pronunciaria dentre os passantes, eu já era famoso... Caminhava com uma andar marcado, envolto no meu sobretudo negro, com a lapela levantada e o meu chapéu fedora negro... vinha acompanhado de um velho amigo, a quem não mais recordo o nome.
— Serpov, eu não entendo a sua insistência de passar por esse local! Ele tão sujo, tão feio...
— Meu caro, Pedro (lembrei o nome), foi aqui que encontrei um anjo... Esse local tem um significado emocional para mim.
Caminhado com cautela, sobre o vento que batia nas costas dos infelizes que ali passavam, eis que me encontro com uma das maravilhas criadas por Deus, Anita...
Ela estava diferente, seus cabelos não eram mais tão loiros como antigamente, mas a sua aura continuava tão linda quanto sempre fora... Assim como eu, ela envelhecera um pouco, mas linda ela continuava.
— Serpov... Serpov, quem é ela?
— Um anjo, Pedro. Um anjo — Retirei o meu chapéu em sinal de reverência e me aproximei de Anita — Como vai, Anita?
— Como vai, Serpov? Agora que virou famoso esquece-se de mim.
— De nenhuma maneira, Anita, esquecer-me-ei de ti. O que fazes aqui? Vai ao médico, posso dar-lhe carona.
— Não, não vou ao médico, meu caro Serpov.
— Pois então...
— Eu não sei, eu queria só passear... Como vai você? Você vai bem? E o seu livro?
— Vai tudo indo bem para mim, o livro virou um Best seller logo na primeira semana. Mas eu estou mais querendo saber sobre você. Como vem passado?
— Eu estou bem, sabe, agora não mais preciso ir no médico... Ele disse que estou curada.
— Sério! Isso é maravilhoso!
— Eu sei...
— Você quer tomar um café? Por minha conta...
— Já que insiste...
Subimos uma escadaria até chegarmos a um pavimento que dava para uma avenida, no outro lado da avenida encontramos uma cafeteria...
“I do not believe...” Toca o refrão ao final...
— Um anjo, ela é um anjo...