sábado, 1 de outubro de 2011

Memórias de um rei




“Eu tinha um dos maiores reinos na Ilhas da Índia e da China, eu era líder de poderosos exércitos, era ainda senhor de escravos e tinha cinco dúzias de empregados. Ainda possuía um enorme séquito, uns imprestáveis de marca maior, vide o Sheik Abud Al-Mikoian. Eu era tão feliz!
E pensar que tudo isso me foi herança de meu finado pai, o poderoso rei Rajik, o Grande, que conquistou as terras desde o deserto de Kobe até as vastas terras do Transcáucaso e que generosamente as repartiu entre mim e meu irmão, Chazaman.
Eu era poderoso, fazia os califas se borrarem de medo diante o meu poder, mas passei vinte anos da minha vida sem sequer ver meu irmão. Senti saudades e mandei-o vir ao meu palácio.
‘Ouço e obedeço’, disse meu pobre irmão, que sem nem mesmo saber, àquela altura, estava a ser traído por sua fogosa esposa e o seu empregado vindo do Baixo Egito.
Ela era linda, uma beleza estonteante como as dunas dos meus domínios sob o crepúsculo do solstício. Ela era bronzeada, tinha olhos de esmeralda, iguais aqueles que encontramos nas belíssimas ciganas, cabelos negros e rosto sensual.
Quem diria que ela seria ao final uma víbora?
Em todo o caso, meu irmão apercebeu-se da traição e ali mesmo ele os fatiou na cama onde ele e sua esposa dormiram na noite anterior.
Veio a mim o meu choroso irmão, com sua corte de camelos, mulas e auxiliares, após matar os dois infames traidores.
Ele estava tão entristecido que sequer pude insistir para que me acompanhasse na caçada que faria naquela belíssima tarde de verão e suplicante, pedi que descansasse em meu palácio...
O meu palácio era imponente, um dos maiores daquela parte das arábias, era a jóia do meu reino, como me lembro o quão agradabilíssimo era morar ali; Era tôo feito em Mármore de Carrara, fruto de um espólio que ganhei quando ataquei uma embarcação veneziana perto de Jerusalém quando ainda acompanhava Saladino na extensa e sangrenta Jihad, mas o mais bonito daquilo tudo, sem dúvida, eram  as cúpulas vermelhas de cerâmica cozida misturada com ouro que encomendei do Principado de Moscóvia.
Ah! Meu belo jardim! Ele dava para a mesquita do grandioso Alá e era aberto ao meu povo durante as festividades do Ramadan; tinha as mais exóticas plantas do Oriente, todas regadas por um chafariz cercado com as esculturas de nossos mais ilustres profetas. Quem diria que seria ali que eu seria traído?
Fiquei muito assombrado ao saber da traição de minha esposa com o escravo vindo do califado de Bagdá, mandei que os dois fossem mortos imediatamente; após a isso, mandei por fogo naquele jardim da discórdia, onde plantei inconscientemente a semente da traição que agora me consome com os seus espinhos. Nunca mais quero saber de jardinagem!
Ao ver com os meus olhos as labaredas do fogo consumirem o belíssimo jardim, vi minha alma ser consumida  pela chama do rancor; agora o chafariz irriga-me a ira. Prometo que de hoje em diante irei dormir com toda a virgem casta do meu reino e à aurora do outro dia irei mandar matá-las em sinal de vingança!”
(Diário do rei Chariar, 2 de Safar de 589, calendário islâmico)
Baseado no conto as Mil e uma Noites

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