sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A vida de Sun Tzu


                "Sun Tzu, súdito do rei de Wu, foi o homem mais versado que jamais existiu na arte militar. A obra que escreveu e os notáveis feitos que praticou são uma prova de sua profunda capacidade e de sua experiência bélica. Antes mesmo de ter conquistado a grande reputação que o distinguiu em todas as províncias que hoje integram o Império, seu mérito era conhecido em todos os lugares adjacentes à sua pátria.
                O rei de Wu tinha algumas contendas com  o rei de Tchu. Eles estavam prestes a se engalfinharem numa guerra aberta e, de ambas as partes, corriam os preparativos. Sun Tzu não quis ficar de braços cruzados. Persuadido de que o personagem de espectador não fora talhado a si, apresentou-se ao rei de Wu, solicitando ingresso em suas hostes. O rei, feliz por um homem de tal mérito tomar seu partido, acolheu-o de bom grado. Quis vê-lo e interrogá-lo pessoalmente.
                — Sun Tzu — disse-lhe o rei —, li a obra que escreveste sobre a arte militar, e fiquei muito contente; mas os preceitos que sugeres me parecem de difícil execução. Alguns deles me parecem absolutamente impraticáveis. Será que tu mesmo poderia executá-los? Há um abismo entre a teoria e a prática. Imaginamos os mais belos estratagemas quando estamos tranquilos em nosso gabinete e só fazemos a guerra na imaginação. Geralmente, o que presumíamos fácil revela-se tarefa impossível.
                — Príncipe — respondeu Sun Tzu — ,nada disse em meus escritos que já não tivesse praticado nos exércitos, mas o que ainda não disse e que estou em condições de fazer qualquer um colocar em prática minhas ideias, bem como posso treinar qualquer indivíduo para os exercícios militares, se for autorizado a tanto.
                — Compreendo — replicou o rei — Queres dizer que instruirás facilmente, com tuas máximas, homens inteligentes, de índole prudente e corajosa; que formarás, sem muita dificuldade, para os exercícios militares homens afeitos ao trabalho, dóceis e cheios de boa vontade. Mas a maioria não é desse naipe.
                — Não importa — Continuou Sun Tzu— Disse “qualquer um”, e não excluo ninguém de minha proposição. Incluo até os mais sediciosos, os mais covardes e os mais fracos.
                — Ouvindo-o falar — retomou o rei —, parece que incutirias até nas mulheres sentimentos que plasmam os guerreiros, que as treinarias para os exercícios das armas.
                —Sim, Príncipe — replicou Sun Tzu, com tom firme — Rogo que Vossa Majestade acredite nisso.
                O rei, entediado pelos divertimentos ordinários da Corte, aproveitou a ocasião para obter um regalo diferente.
                — Tragam-me aqui — disse — minhas cento e oitenta mulheres.
                Ele foi obedecido, e as princesas apareceram. Entre elas, havia duas que o príncipe amava com devoção. Elas foram colocadas à frente das outras.
                — Veremos — disse o rei, sorrindo —, veremos, Sun Tzu, se manténs a tua palavra. Nomeio-te general dessas novas tropas. Só terás que escolher o lugar mais apropriado no palácio para exercitá-las às armas. Quando elas estiverem suficientemente treinadas, me avisarás e eu virei fazer justiça à tua habilidade e a teu talento.
                O general, sentindo todo o ridículo do papel que lhe impingiam, não se desconcertou, mostrando-se, ao contrário, muito satisfeito da honra que o rei lhe fazia, não somente permitindo que visse suas mulheres, mas ainda colocando-as sob seu comando.
                — Executarei a tarefa a contento, Majestade — replicou ele, com segurança — Espero que, em breve, Vossa Majestade tenha ocasião de rejubilar-se com os meus serviços, convencendo-se de que Sun Tzu não é homem de se vangloriar.
                O rei retirou-se para seus aposentos, e o guerreiro não pensou em mais nada senão executar a sua tarefa. Solicitou armas e todo o equipamento militar para seus soldados. Depois de tudo pronto, conduziu suas tropas a uma das alas do palácio  que lhe pareceu mais adequada a seus propósitos.
                — Vocês estão sob meu comando e sob minhas ordens. Devem me escutar atentamente e me obedecer em tudo o que ordenar. Essa é a regra militar fundamental. Evitem infringi-la. A partir de amanhã, farão o exercício diante do rei, e deverão estar prontas.
                Depois dessas palavras, cingiu-as com o boldrié e lhes colocou uma alabarda na mão. Dividiu-as em dois grupos, colocando na frente as favoritas. Depois desse arranjo, começou as instruções nestes termos:
                — Sabem distinguir a frente das costas e a mão direita da mão esquerda? Respondam!
                Só recebeu como resposta algumas gargalhadas. Mas como permanecesse silencioso e sério, as concubinas responderam em uníssono:
                — Sim, sem dúvida.
                — Quando eu der a ordem .Em frente, marche. Virem-se para a direção do coração; quando eu falar .Esquerda, volver., voltem-se na direção da mão esquerda.; quando eu disser .Direita, volver., para a direção da mão direita; e quando eu ordenar . Meia volta, volver, marchem na direção de suas costas. Compreenderam?
— Compreendemos . responderam elas, que, em seguida, receberam as armas.
Para certificar-se de que nenhuma dúvida pairavano ar, Sun Tzu, zeloso, deu a mesma ordem acima por mais três vezes e as explicou, pormenorizadamente, em cinco oportunidades.
Chegou, depois disso, o grande momento. O general bateu no tambor o sinal de Direita, volver.. O pequeno exército, em vez de cumprir a ordem, caiu na gargalhada.
Sem perder sua postura firme e serena, Sun Tzu retomou a palavra:
— Se as regras não são claras e as ordens não são completamente explicadas, a falha é do general. Assumo isso e repetirei as ordens mais três vezes, além de explicá-las mais cinco.
E assim aconteceu. Pacientemente, o estrategista instruiu a tropa, certificando-se, ao final, de que nenhum mal-entendido pairava no ar.
Estando tudo pronto, ele efetuou a batida no tambor e o sinal de volver à esquerda. Mas as mulheres, novamente, desandaram a rir sem medida.
Diante desse quadro hilário, Sun Tzu, com o semblante sério, porém equilibrado, afirmou:
— Se as instruções e os comandos não são claros, a falha é do general. Mas quando são claros e não são executados conforme a disciplina em vigor, temos aí um crime por parte das lideranças.
Surpreendendo a todos, Sun Tzu ordenou que as duas líderes das tropas fossem decapitadas.
O rei de Wu foi imediatamente avisado do ocorrido por um de seus emissários que assistiam à ordem unida, e não se conteve com a notícia de que suas duas concubinas preferidas estavam prestes a serem executadas.
Desesperadamente, enviou de volta o representante, com a seguinte mensagem: “É meu desejo que essas duas mulheres não sejam mortas.”
Sun Tzu não cumpriu a contra-ordem, argumentando que  não considerava sensato, da parte do rei, mudar de idéia quanto ao fato de ter-lhe dado plenos poderes sobre aquela legião feminina.
— Seu servo já recebeu a nomeação real e, quando o general está à frente do exército, não precisa acatar todas as ordens do soberano — asseverou.
Assim, determinou que as duas mulheres fossem penalizadas com a morte, para que o fato servisse de exemplo às demais. Logo após, indicou outras duas concubinas, na ordem de excelência, para liderar as companhias.
Feito isto, repetiu os sinais no tambor e as mulheres volveram à direita, à esquerda, à frente e fizeram meia-volta, deram joelhadas e se agarraram de acordo com o que estava determinado. Nenhuma delas esmoreceu ou ousou emitir o mais leve rumor de deboche.
Sun Tzu mandou, em seguida, um mensageiro ao rei, para informá-lo de que as tropas já se encontravam em boa ordem e que o próprio rei poderia vir revisá-las e inspecioná-las pessoalmente.
— Estes  soldados  podem  ser  empregados  de acordo com qualquer dos desígnios reais. Têm condição de caminhar até mesmo pelo fogo e pela água.
— O General pode ir para sua hospedaria e descansar. Eu não desejo inspecionar a tropa e quero que o senhor Sun Tzu retire-se deste palácio — sentenciou, um tanto decepcionado, o rei de Wu.
 Impressiona-me saber que o rei gosta de palavras vazias. Não é capaz de juntá-las aos atos, pondo-a sem prática — retrucou Sun Tzu.
Depois de refletir por um tempo, Ho-lü percebeu que, de fato, Sun Tzu era um homem capacitado e, no momento oportuno,  fez dele o general do Exército Real.
Poucos meses depois, as tropas do Estado de Wu destruíram as hostes do forte Estado de Tchu, a oeste e, posteriormente, invadiram Ying. Ao norte, intimidaram Chi e Chin. Devido a estas realizações, o nome de Sun Tzu  tornou-se  ilustre. Os  demais Estados vizinhos, que antes incomodavam Wu, passaram a solicitar proteção a Ho-lü e oferecer-se como aliados, graças aos grandes feitos bélicos do seu Estado."

Esse é o texto do comentarista Se-Man Ts'ien dando uma parábola da vida de Sun Tzu; para mais saber o caráter de Sun Tzu, leia a Arte da Guerra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...