quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A doçura montanhesa (texto do blogueiro)

Em uma pequena aldeia montanhesa canta o rouxinol passante enquanto o quebrar das árvores traz fim à monotonia com os esvoaçantes ventos vindos do leste.
Era linda e bela tarde de verão caucasiano, uma das poucas que fazem você parar para descansar enquanto aproveita a paisagem daquela exótica terra do centro do mundo,  em um lugar, entre a Ásia e a Europa, a Geórgia.
Ah! Geórgia! Bela Geórgia, que país diminuto tu és, nem parece ser um país, parece ser um paraíso... Sua tranqüilidade traz tanta paz...
Era isso que Pyotr Nikolaievich queria, paz! Fazia muito tempo que saíra de São Petersburgo para viajar toda a Rússia em busca de histórias para o seu livro de contos. Jornada tão semelhante à que Tchekhov fizera a dois séculos atrás...
Primeiro, ele fora visitar a velha Rússia, passou pelos velhos castelos de Novgorod, do tempo de Aleksandr Nevsky, as abóbadas celestiais de Moscou e de Vladimir, depois seguiu e trem às belas praias da Criméia onde lá encontrou paz e sossego, mas agora ele finalmente chegara a verdadeira paz, a Geórgia.
Ele não sabia falar georgiano, meu Deus! Que idioma complicado, como aquilo conseguia ser mais complicado que o russo! Mas ele  não viera às montanhas do Cáucaso para isso...
A missão dele era outra, uma missão que muitos tencionam, mas poucos fazem, ele queria acompanhar a jornada de uma celebridade da Geórgia e para isso ele recebeu total apoio do governo local, muito embora russos e georgianos não se dessem bem na época.
Em verdade, ele sabia o porquê de tanta parceria: Seu pai era um alto oficial do Exército Russo que fora o governador do Distrito Militar de Tiflis (capital da Geórgia) no tempo da URSS.
— Por favor, senhor Markov...
Ele pouco dera importância ao que dissera a sua bela guia, Sofia Mikhailevna; ele freou o automóvel na diminuta estradinha que cortava a pequena serra e em seguida encostou no alambrado.
— Senhor Markov...
Era um pequeno e desengonçado Lada do período soviético,  cor de mamão, com um carburador completamente desregulado. Estava meio amassado e imundo de fuligem.
Era curioso aquele automóvel, ele sequer tinha limpadores de pára-brisa — na verdade,  a locadora de automóveis os retirou devido ao crescente roubo a pára-brisas que anda acontecendo nos últimos anos.
— Eu não mais posso dirigir.
Largou a direção e saiu do carro...
— Ora, mas o que foi dessa vez? É o carro? Eu sei que ele é nojento, é repulsivo e imprestável, mas a gente tem que chegar o mais rápido possível a Tiflis.
Markov desatou o colarinho de sua túnica cor de creme, claramente inspirada no uniforme do Exército Vermelho de cerca de 1920,era uma bela túnica por sinal, não esquentava muito, mas também não o deixava passar frio.
O crepúsculo do sol surgira de modo repentino, e ao descer das montanhas, as turvas águas do belíssimo Mar Negro traziam a si um feixe amarelo-avermelhado que trouxe uma bela aquarela de cores àquele local.
Dentre as bétulas e choupos esvoaçantes, o cantar dos rouxinóis, Markov observava longe o céu do final da tarde e percebe o quão bela era a Geórgia!
Desce do automóvel já um tanto combalido a sedutora guia, a belíssima Sofia Mikhaileva, uma viva jovem de vinte anos recém completos que tinha um quê de sedução para o qual Markov suspirava. Ela era linda, sim, ela era linda; tinha olhos esverdeados, cabelos negros encaracolados (algo próximo à la Katy Perry), nariz arrebitado, lábios sensuais. E meu Deus, quão belo ela pronunciava o russo! Totalmente marcado com o sotaque  dos provincianos do Volga.
Mas ela não era sequer provinciana, ela era fina e educada, estudara na (Universidade) Estatal de Volgogrado, sabia falar francês, grego, latim, alemão, inglês, georgiano, e até mesmo português! Ela era uma das maiores estudiosas do período pré-Revolução que se tinha notícia em toda a Rússia.
Ele, ele não era bem laureado assim como ela, ele era um singelo historiador da Estatal de Moscou que pouco sabia sobre história caucasiana, seu forte mesmo era o período soviético, mas tinha renome, ele era um dos maiores cineastas e escritores de toda a Rússia e agora, seu dever era fazer uma pesquisa para um novo filme.
Ele encostou-se ao pára-choque do carro e começou a observar com mais calma o bater do sol naquelas salgadas águas do mar que quebrava a pedra.
— Qual é o seu problema?
Surge um cantarolar de uma modinha georgiana acompanhada por um acordeom e um estridente violino, era os trovadores georgianos mostrando a beleza de sua canção tão melosa quanto o néctar das flores do Cáucaso.
“Canta ele, o pobre infeliz
A pequena canção entristecida
Chora ele enquanto canta
Pois quem já não é feliz
 Suplica à velha santa,
Pede a ela sua querida...”

O palpitar do seu coração começou a romper-lhe o peito com imensa amargura que o seu semblante sequer conseguia exprimir, ele se sentia tão frustrado, tão frustrado que se desatinou  ao dizer:
— Sofia, minha querida, eu não posso mais continuar assim. Eu não consigo mais viver assim. Eu...
— O que foi, Pyotr Nikolaievich? Você está tão pálido!
— Eu estou sofrendo de uma terrível doença, tão terrível que não tinha sequer coragem de dizer. Eu estou sofrendo de amor, minha Sofia, eu te amo, de todo o meu coração, minha querida. Eu não tinha coragem em dizê-lo, pois agora o tenho. Sofia, eu te amo, e quero passar o resto dos meus dias ao seu lado.
— Mas que bobagem está a dizer? Eu não compreendo...
— Não compreende porque não sabe o que é ter uma dor que lhe corrói de amargura no seu peito e sobe à sua mente quanto menos você espera, eu não sei como fui tão tolo em expor de maneira tão franca meus sentimentos! . До свидания[1].
Saiu em profundo desespero descendo a ladeira sem se importar em olhar para trás e encontrou-se com um mercador iídiche em trajes tradicionais vendendo flores aos passantes, mas sequer importou-se em ouvi-lo.
— Pyotr! Espere! Pyotr!
Pyotr Nikolaievich virou-se e olhou para o alto, dando até certo charme a si, considerando que o fedora[2] de aba longa lhe dava um porte de elegância.
— O que foi?
Ela sequer respondeu e quando surgiu atrás dele apenas o intenso beijo francês que surgiu daqueles lábios carnudos e tão sedutores foi capaz de calar aquele surto apaixonado que o jovem escritor tivera.
Que felicidade! Ela o amava! Ele agora percebia o seu corpo se consumir por um intenso reboliço que outrora não sentira, ele estava amando...
“Meu amor, meu doce amor
Que grande felicidade
Você me trouxe
Quando disse te amo...”

Assim é a Geórgia, assim é o Cáucaso; Uma terra onde transbordam vinhos e nobres, rixas e mortes, uma terra onde grandes amores nascem, assim é o Cáucaso!


[1]“ Da svidania”: Até logo, adeus, tchau.
[2] Chapéu costumeiramente fabricado de feltro ou pêlo de lebre, às vezes de palha, no qual possui uma copa triangular para o encaixe na cabeça, é o modelo de chapéu dos gângsters ou de heróis como Indiana Jones.

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