segunda-feira, 1 de abril de 2013

Aprilis Primus

       1° de abril é reconhecidamente conhecido como o dia da Mentira. A origem do dia da Mentira supostamente tem a ver com Loki, o deus da Trapaça e da Zombaria, onde os nórdicos celebravam um dia em honra a esse deus. Verdade ou mentira, o dia 1° de abril  manteve-se na gama das superstições medievais  que  perduram até os dias de hoje.

         A mudança de calendário imposta por Carlos IX da França, rei da França, consagrada em 1564 estabeleceu que o ano legal do governo francês iria se iniciar no dia 1° de janeiro (no calendário gregoriano), enquanto o ano se iniciava em 25 de março normalmente. Para fazerem troça da medida do rei, alguns franceses propagaram a notícia que o ano começava no dia 1° de abril e começaram a boicotar o dia, inventando festas inexistentes e bailes mentirosos e a partir daí o dia 1° de abril se propagou como Dia da Mentira.

         Por que estou falando da história do dia 1° de abril? A história em si não é nada interessante, na verdade, é só para manter a introdução de um fato que aconteceu nesse dia: O Golpe/Revolução de 1964. Aos desconhecedores ou mesmo esquecidos, em 1° de abril de 1964 um golpe cívico/militar apoiado pelos veículos de imprensa e por setores da sociedade civil, desde a classe média, aos industriais de São Paulo, ruralistas do interior e os velhos politiqueiros de cena (como Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek) apoiaram a ação mobilizada do Exército em acabar com o governo de João Goulart.

É JANGO, J-A-N-G-O, sem o D mudo
       Então, qual é a novidade disso tudo? A novidade são justamente as mentiras que rondam a dinâmica do Golpe de 1964. Primeiro, a questão do nome "Revolução"", o nome revolução tem a ver com a dinâmica da astronomia, onde objetos cósmicos realizavam um movimento em torno de outro objeto, realizando revoluções em torno de um objeto. Assim, a Terra realiza revoluções em torno do Sol, mas nem por isso a Terra quer levantar uma bandeira e tomar o lugar do Sol como centro do Universo.

A Revolução dos Planetas em torno do Sol
       A apropriação do termo revolução tomou outra especificação, uma ressignificação do próprio termo. Revolução quer dizer a mudança completa da dinâmica social e política em contraposição à anterior, então, porque o Golpe de 64 não pode ser chamado de Revolução? Simplesmente porque não houve mudanças sociais significativas na sociedade brasileira, o campesinato continuou no campo (embora nesse caso o fluxo migratório já estava crescendo), o operariado continuou trabalhando na indústria, os industriais com as fábricas a produzir, os velhos políticos trabalhando na mesma dinâmica política, etc. 

        O caráter do Exército Brasileiro não é de nenhuma forma revolucionário, embora a Proclamação da República, em 1889, que também é encarada como um golpe, pode até mesmo ser encarada como uma revolução política (e não social), afinal mudou as estruturas políticas brasileiras de alguma forma.

         Enfim, esse é um dos equívocos sobre o golpe. Outro, tão grande quanto o primeiro, é dizer que o Golpe não teve apoio. Todo o Golpe de Estado bem sucedido necessariamente precisa de apoio para se legitimar, desde Hitler, Mussolini, Vargas ou Perón. Se não houver apoio popular, o apoio é fadado ao fracasso, Maquiavel mesmo dizia que o governo não pode ser feito apenas com as armas, mas também com a política, embora seja conveniente usar as armas de vez em quando. Napoleão ficou célebre com a frase "Pode-se fazer qualquer coisa sobre a baioneta, menos se sentar nela".


         Os militares sabiam bem disso, não à toa que Marcha da Família com Deus pela Liberdade reuniu milhares de donas de casa desocupadas, com vassouras e aspiradores de pó nas mãos para protestar contra o fraco governo de João Goulart. Antigos membros da oligarquias políticas remanescentes, como Adhemar de Barros, de São Paulo, e até mesmo o mineiro JK, apoiaram o levante dos militares (embora JK quisesse se tornar presidente de novo em 1965 até que foi cassado no meio do caminho).

Marcha da Família com Deus pela Liberdade

          Dizer que os comunistas ou os militares lutavam por democracia é uma puta sacanagem. Nenhum dos lados estava interessado nisso, a ótica da época era totalmente diferente da atual, a época era mesmo de um cenário político vazio e instável, promovido desde a trágico-cômica gestão de Getúlio Vargas que arrasou de certa forma o cenário político com a sua política clientelista de governo (não que anteriormente fosse muito diferente), assim a rigori com a destituição do cenário intelectual na política nacional, o caminho foi o radicalismo político de alguns setores, seja de esquerda ou de direita, associando isso à Guerra Fria, tudo isso virou uma receita de um banho de sangue.

        O PCdoB em um discurso atual que passa umas cinco vezes seguidas na TV demonstra total demagogia ao falar que tinha lutado pela Democracia. Isso é uma total mentira! No Araguaia, os guerrilheiros do mesmo Partido em questão estavam querendo instaurar uma Ditadura do Proletariado, todos estudantes canela-fina que nem eu, dizer que a Democracia era a meta de alguém que matava para instaurar uma modalidade de ditadura chega a ser criminoso, mas o discurso político é isso mesmo. (E ademais, o que um certo Genuíno fez para o seus companheiros no meio do Araguaia é uma tremenda mostra do que viria a seguir, mas não vou aprofundar esse assunto, que é por demais polêmico).
Olha as ideias molecada
       Mas o PCdoB não se interessa em tomar conta da própria análise factual dos fatos, afinal de contas, o que esperar de um discurso que coloca o Prestes como um ídolo, sendo que na verdade ele era odiado pelo próprio PCdoB (não à toa que boa parte do tempo ele permaneceu no PCB original), colocar o velho Niemeyer que era fervoroso stalinista (ao contrário de novo com a proposta do PCdoB) como um representante das ideias do seu Partido, e assim vai.

      Não era por Democracia que Esquerda Revolucionária queria, era derrubar sim a Ditadura, mas para estabelecer outra Ditadura, a do Proletariado.

       Assim como a direita também não queria democracia, o golpe foi um meio para que ela própria conservasse o quadro social em prol dos seus próprios interesses, e também alguns estrangeiros. Por falar nos interesses estrangeiros, os Estados Unidos não poderiam ficar de fora, não é mesmo?

"How many children did you kill today, LJ?"
        Ultimamente, um documentário tem ressoado nos campos da intelectualidade brasileira, para bem ou para mal, não estou julgando, é o documentário  "O dia que durou 21 anos", que fala sobre a participação da diplomacia americana bem como o governo como um todo no apoio ao Golpe de 64. Até aí é como descobrir a roda, todo mundo sabia disso, Lyndon Johnson sempre foi conhecido pelo o estilo de "delicadeza" (sarcasmo) diplomática que ele herdou do seu antecessor, Kennedy (o mesmo que estava disposto a destruir meio mundo por causa de uma pequena ilha no meio do Caribe). O mesmo Lyndon Johnson que todos os dias era assolado com a pergunta: "How many children did you kill today, LJ?".


        Não é novidade, a novidade é a declaração expressa que os americanos estavam prontos para agir em uma solução armada, mandando destroyers inclusive, para o Brasil, para apoiar os golpistas, não a toa que alguns brasileiros têm sentimentos esquizofrênicos quanto aos americanos (os admiram, mas os culpam por suas desgraças). Felizmente não se partir para tal opção, não que o velho Brizola não quisesse (o mesmo Brizola que fugiu na fronteira do Rio Grande vestido de mulher), ele estava disposto a mobilizar os batalhões no Rio Grande do Sul para lutar pelo governo de Jango.

        Estava disposto, até Jango... Jango, ainda no Rio Grande, disse que não e foi cuidar das suas cabeças de boi no Uruguai. Isso mesmo, suas cabeças de boi no Uruguai, quem disse que Jango não era rico? João Goulart era tão latifundiário quanto alguns golpistas, tinha uma parcela considerável de terras no Uruguai e no Rio Grande, mas de mil cabeças de gado (no mínimo). Como um latifundiário pode ser enquadrado de comunista?


         Isso tem a ver com o que Fidel fez logo depois de tomar o poder em Cuba. O pai dele, um ex-comerciante galego, tinha conseguido com muito esforço uma fazenda produtora de açucar em Cuba e quando ele morreu, deixou para os filhos. Fidel, simplesmente, quando declarou que a Revolução Cubana era comunista, nacionalizou a sua própria fazenda, que ele dividia com os irmãos. Os motivos ainda não são claros, talvez idealismo político, pragmatismo, ou ele não sabia gerir as receitas, ou mesmo não gostava dos irmãos, o fato que isso fez com que Fidel fosse tão popular, não só em Cuba, mas na América Latina como um todo.
"O velho MacDonald tinha uma fazenda, ia, ia ou"
          A esperança de alguns setores de esquerda era de que Jango fizesse o mesmo, mas claro que ele não faria isso. Sobrinho-político de Getúlio Vargas, filho do velho caudilhismo gaucho nascido com Borges Medeiros, João Goulart sabia o quanto era importante a ideia de ser um líder populista e ser amado pelo povo, enquanto não se desfazia de suas próprias coisas.

Getúlio e toda a sua quadrilha, ops, seus correlegionários. Jango tá no meio de terno preto
        João Goulart era popular sim, principalmente por ter sido na época de Vargas o Ministro do Trabalho e ter dado um aumento de 100% no salário mínimo e direitos trabalhistas aos trabalhadores agrícolas, coisa que as elites agro-industriais não gostaram nem um pouco, não à toa que ele perdeu a pasta logo em seguida.

        Jango era tão popular que foi eleito vice-presidente duas vezes, uma com JK e outra com o maluco do Jânio Quadros, e na renúncia do "professor hipster", assumiu o poder sob protestos da elite, e aplausos dos sindicatos.



        Isso era na época que os sindicatos tinham força, mobilizavam greves gerais e tal, não é como hoje, onde os sindicatos se submetem ao governo.

          Enfim, a conversa chegou ao ponto que eu queria que tivesse chegado. Quem plantou a semente do Golpe foi Jânio Quadros! Isso mesmo, a renúncia dele se traduziu numa tentativa de chantagem às elites para ter maior poder, onde ele ameaçava que se não tivesse poder, o odiado João Goulart iria assumir e fazer o que bem entendesse. "As forças ocultas" de Jânio não se convenceram e ele apostou alto, aposto no povo, pensou que ele iria correr em massa em prol dele... O povo não veio. 
"Ser presidente é muito mainstream, vou renunciar essa porra e ser hipster"




          Foi assim que Jango assumiu o poder, enquanto fazia uma visita à China Comunista, sob ordens do próprio Jânio Quadros, que maliciosamente iria usar esse argumento para legitimar o discurso que Jango era comunista e que precisava de apoio. A culpa do golpe não pode escapar de Jânio Quadros, o político mais medíocre da história brasileira.





          Enfim, Jango era um líder populista um tanto incomum, era popular (não tanto quanto Getúlio), mas não tinha força, cedia a ambos os lados e permitia que os seus detratores se comprazessem com a sua inépcia, não tinha o know-how político de JK e se cercara de políticos mais toscos que a encomenda (tal como Brizola, que era sofrível no jogo político e por demais demagógico).

         Assim, não chega a ser estranho o fato de Jango ter perdido a faixa de presidente, até mesmo porque o presidente, causava horror nas "recalcadas" (utilizando termo que normalmente as mulheres usam às que são invejosas), donas de casa que o viam correr de lá para cá com sua esposa, a ex-debutante dona Maria Teresa, que assumiu o cargo de primeira-dama com apenas 21 anos! e se vestia à la Audrey Hepburn (Atriz do filme Bonequinha de Luxo).



Andrey Hepburn, bela como sempre, e a primeira dama Maria Teresa, as duas realmente eram parecidas

       A primeira-dama era realmente bonita e isso causava a fúria das mulheres brasileiras, talvez a inveja de ter uma primeira-dama tão jovem e bonita tenha as movido a levantar as suas vassouras e partir para a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
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                                                                 ....
     O fato de Jango não ter aceitado o levante do Rio Grande do Sul é costumeiramente creditado pelo fato dele próprio não querer um banho de sangue. É plausível essa interpretação, mas é conveniente lembrar que o próprio João Goulart não era um chefe de guerra, não tinha formação militar e não teria capacidade em lidar com os militares, considerando ainda o fator que historicamente o Rio Grande do Sul sempre foi visto como pária por outros estados (afinal, foi ali que surgiu a Farropilha), a solução não seria boa.

     Sem contar que os Estados Unidos estavam dispostos a entrar na luta se preciso, a própria medida de João Goulart salvou o Brasil de uma fragmentação nacional, mas abriu chance para a perpetuação da Ditadura Militar. 

      A situação poderia ter ficado pior, tão próxima ao Vietnã, talvez, mas não devemos por isso encher de louros Goulart por ter renunciado, a crise que levou ao Golpe, também foi culpa dele que não conseguiu observar a situação política e nem mesmo contorná-la. A sua cegueira o levou à sua queda.

        Muito bem, sobre a dinâmica do golpe, era isso que eu queria dizer.

        Mas eu ainda pretendo continuar a discussão sobre a mentira:

       Como eu disse, alguns grupos políticos dizem que os militares fizeram um grande dever ao país em ter salvaguardado a democracia, isso não é verdade, a Democracia Brasileira já estava se esfacelando, eles só deram o golpe fatal. O golpe de 64 impediu, isso é verdade, que o Brasil seguisse talvez um modelo cubano, impediu que a esquerda stalinista tomasse maior vigor, mas instaurou uma ditadura do mesmo jeito.

       Enfim, 21 anos se passaram e uma democracia surgiu... Mas sem revolução. Isso mesmo, sem revolução. Os mesmos quadros políticos que permaneceram junto ao Golpe perduraram na política brasileira atual, desde ACM ao Sarney, algumas caras novas surgiram, pensadores outrora perseguidos hoje podem expressar suas opiniões sem o risco de perseguição (desde o FHC, que um dia foi marxista econômico, até mesmo Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL).

        Contudo, a dinâmica política de clientelismo continuou e até se intensificou. Quase cinquenta anos depois do golpe, há vinte e cinco anos da Constituição de 88, e a retomada da democracia, o prospecto político de 2013 caminha para algo próximo à fragilidade política de 1963-64: O clientelismo perdura, bem, como a desmoralização das próprias instituições democráticas, que veem com uma imagem muito abalada depois dos sucessivos escândalos de corrupção, bem como o paternalismo do governo e a crescente radicalização política de alguns grupos políticos.

Promessas vazias






        Para o futuro próximo a expectativa de golpe ainda não acontecerá, mas dentro de dez ou quinze anos, pode ser possível, principalmente se o Brasil manter a mediocridade histórica dos seus quadros institucionais, não resolver os seus dilemas da maneira esperada e perder a grande chance de uma janela oportunidades que vem se arrastando desde 2003.










        A esquerda radical hoje beija as cinzas de Chavez, amanhã quererá um Chavez para si. Enquanto do outro lado, os ruralistas e a bancada religiosa, que atacam criminosamente o estado laico de direito, colocam uma personalidade racista e homofóbica no cargo de Presidente da Comissão de Ética e Direitos Humanos.
Nada mais conveniente, eu sempre soube que a bancada evangélica sempre teve uma força política no Congresso, principalmente por ter um verdadeiro curral eleitoral nas igrejinhas medíocres nas favelas e no alto dos morros.



         A questão é que a situação do Deputado Marco Feliciano mexeu com minorias significativas no cenário nacional e por isso o desgaste, mas o desgaste dele nada mais serve do que válvula de escape para o desgaste ainda maior de outro personagem, Renan Calheiros, presidente do Senado e do Congresso Nacional, notoriamente acusado de corrupção e caixa-dois num escândalo envolvendo empreiteiras que pagavam a pensão da ex-esposa, Monica Veloso (aquela que foi capa de Playboy e tinha um programa medíocre no SBT) e que aparentemente todo mundo esqueceu.

           Nada mais do que comum, saí Sarney, Voivoda do Maranhão e duque do Amapá, que saiu por velhice  depois de tanto roubar, para entrar sangue novo e roubar mais uma vez. Enquanto isso, tem gente que fala que a democracia está desmoralizada, justamente por causa disso meus caros, o Brasil não aprendeu a lição do Golpe de 64, a não ser que dia 1° de abril é dia da Mentira, tal como todos os outros.

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