quinta-feira, 4 de abril de 2013

Asilo de quadrinhos

       Sempre fui fã de histórias em quadrinhos, de tal forma que não mais me  contenho em simplesmente chamá-las de Histórias em Quadrinhos e sim HQs.  A minha primeira revista em quadrinhos, pasmem, foi de ninguém menos que o Capitão América: o mascarado em cores vibrantes que usava um escudo e lutava por "democracia, liberdade e pelo mundo livre". O Capitão América, sem dúvida, era o meu herói, bem antes de minhas paixões ideológicas e pensamentos avulsos.

       O número daquela pequena revistinha mal impressa, de folhas amareladas, datava de meados da década de 1970, no meio da Guerra Fria, não que eu fosse dessa época, eu, filho do Plano Real, nunca soube como pensar um mundo totalmente dividido, mas aquela não era só uma revistinha: Era um número especial, embora não entendesse por quê: Era quando o Steve Rogers deixava de ser Capitão América e passava a ser o solitário Nômade, "o herói sem pátria".


       Era tudo em consequência do Escândalo Watergate, mesmo assim, eu achei um pouco estranho uma revistinha daquele jeito, mas foi daí que nasceu me vínculo com o Capitão América. Em verdade, eu não sei se os senhores sabem que além de um grande símbolo do norte-americanismo, o próprio Cap. América possui uma parábola de um modelo de americano ideal: de família irlandesa que conviveu com os dilemas da Grande Depressão, que era fraco e ignorado pelas mulheres e apanhava dos mais "velhos", mas que no cumprimento do dever se torna um personagem sobrehumano, tal como os Estados Unidos, que de um pequeno país isolado e ignorado no início agora tomava para si o papel de superpotência.

     O próprio uso do escudo é simbólico, representa o papel "defensivo" dos Estados Unidos, onde o inquebrável escudo de vibranium seria tão inquebrável quanto o "escudo da democracia". O Capitão América é sem dúvida um herói ideológico, mas também um personagem de valores: Ele luta por um ideal, trabalha de modo justo e tenta não se prender a governos posteriormente.

    Como antigo membro de setores de esquerda latino-americano, eu sempre era inquerido por essa questão, mesmo assim, eu não via dicotomia em ser de esquerda e gostar do Capitão América, em todo caso, não me prendo só a isso.

      O Batman era outra revista que eu gostava muito quando criança, afinal de contas, o Batman era um personagem que se via deslocado na própria sociedade, mesmo sendo bilionário com uma penca de negócios, Bruce Wayne continuava a ser uma das figuras mais solitárias nas histórias em quadrinhos, talvez seja por isso que tenha me identificado com ele. Os comentários espirituosos do Alfred, as travessuras do Coringa, isso prendia minha atenção.

      Com o tempo passei a olhar o Batman com maior atenção, Bruce Wayne era uma paráfrase para que um milionário poderia também ser um herói, o que na época em que o Batman foi criado (década de 30) era importante, tendo em vista que a situação social decorrente da Crise de 29 aumentou os ânimos contra os grandes investidores americanos.

        Sociologicamente falando, a questão fica ainda mais difícil. Bruce Wayne centraliza a renda de Gotham em torno da sua mansão durante o dia, e à noite ele saí à caçada aos delinquentes que "supostamente" eram levados "ao crime" por causa dessa concentração de renda.

        Entretanto, deve-se comensurar que essa análise sociológica causa também distorções à análise sobre a figura de Bruce Wayne, afinal, ele era famoso no mundo dos quadrinhos por ser justamente um grande filantropo.

       Em todo o caso, eu continuo gostando do Batman, e sempre quando posso, eu leio suas Hqs.
      
       Dizer que Hqs não são o símbolo máximo de doutrinação e propaganda é reduzir bem as coisas, mas nem por isso elas deixam de servir ao entretenimento do público infanto-juvenil, e mais, elas também são manuais educativos para as crianças.

       Mesmo assim, as mães malvadas, quando veem que os filhos começaram a crescer (ou fizeram uma travessura muito grande) não hesitam em jogar as famosas revistinhas em quadrinhos fora. Um crime contra a infância de muitas crianças, e mais ainda contra a arte, tendo em vista que as  revistas em quadrinhos possuem em seus quadradinhos expressões diferentes de várias situações igualmente diferente, com narração e enredo.

         Não, mas não lembram desses detalhes. Não às culpo, as revistas concorrentes que plantam essas ideias, a Fuxico podia estar com a inveja da tiragem 900 do Batman e fez uma matéria mirabolante "dos malefícios da leitura das histórias em quadrinhos". Uma ação de inveja contra os próprios gibis.

           Gibi, esse termo tão coloquial e ao mesmo tão bonito que designa todas as histórias em quadrinhos. É deveras antigo, é verdade, data da década de 40, e designava nada menos do que "moleque, garoto", nada mais apropriado para época, afinal, nos anos 40 as revistas em quadrinhos eram realmente voltadas para o público infantil masculino, só na revolução dos quadrinhos na década de 70 que começaram a aparecer com força personagens femininas nas histórias, mesmo assim, ficou a um público muito restrito.

         Eu acho deveras triste quando num acesso de raiva os pais se desfazem das lembranças dos filhos, isso só alimenta a ideia de Freud, de que os maiores traumas decorrentes na vida adulta, são produto das ações descabidas dos pais na infância. Os quadrinhos contam uma história, uma trajetória de uma vida, e mais do que isso, uma trajetória e um pensamento de uma sociedade, por esse motivo eu milito em favor dos quadrinhos. 

        Se são ideológicos. Claramente que são, afinal de contas, são produto da cultura de massas, tal como os filmes de Hollywood e as músicas estridentes de cantores de segunda que desaparecem com o passar do tempo.

      Por isso que eu milito pela ideia de um asilo de quadrinhos, não um sebo, mas um asilo. Onde as crianças que cresceram, ou as mães em pleno acesso de raiva depositem os gibis para doação, para que as outras gerações conheçam o que se passava na época, e o que se pensava também. Essa falta de tato que até agora tivemos só serviu para apagar histórias das infâncias de várias pessoas, incluindo eu, não à toa, corro a sebos, para tentar garimpar as minhas revistinhas antigas, que foram também num acesso de raiva, jogadas fora.

         O asilo de quadrinhos seria o local onde as crianças poderiam visitar os "velhinhos", tal como em tese seria nos asilos de verdade, e se divertir com as revistinhas com o passar da noite. É uma ideia, mas que se fosse praticada, provavelmente daria muito certo.

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