"Olá, eu me chamo fulano. E essa batata não me representa
Não fui eu que a elegi como minha representante de calorias e ácidos graxos e ela não me representa. Ela faz mal a saúde e entope as artérias, ela não me representa".
É claro que isso não é verdade, quem afinal não gosta de batata? Seja frita, purê ou na vodka. Todo mundo gosta de batata, mas não é de batata que eu estou trabalhando aqui, estou falando do jeito como os movimentos antis estão surgindo aparentemente do nada.
A UNE nunca me representou assim como boa parte das lideranças estudantis, eu não os elegi, assim eles não me representam, mas ainda sim eles acham que me representam e promovem panelaços em nome dos estudantes e greves estudantis. Mesmo sem eu reconhecer a legitimidade que eles têm sobre mim.
Qual é a legitimidade que os nossos pais têm sobre nós? Parando para pensar, eu sou humano e eles também. Então porque eles mandam e nós temos que obedecer. Simplesmente por serem nossos pais, mas não escolhemos nossos pais.
A representatividade não é uma questão tão simples assim. Respeitamos os nossos pais, pois culturalmente é desejável respeitá-los, mesmo que não tenham mais do que a autoridade de nos ensinar (eles não têm legitimidade nenhuma para nos matar, afinal, não somos posse deles), assim, como os políticos não têm maior autoridade do que legislar.
Assim como os nossos pais nos ensinam errado de vez em quando (para Freud, tudo é culpa dos pais), os legisladores também legislam errado. Mas a questão é que diferentemente dos nossos pais, eles não podem legislar errado, porque eles são eleitos por nós, eles têm que prestar contas ao que pensamos e fazer tudo pelo bem comum.
O problema é que são poucos que pensam na coletividade e apenas legislam por alguns grupos que lhe são caros, como os ruralistas que agem em prol dos latifundiários e produtores agrícolas, os líderes sindicais que agem em prol das suas bases nas fábricas, alguns líderes agem em prol da intelectualidade, de movimentos sociais, ou mesmo do Exército e assim vai. É um erro pensar que os políticos agem em prol do bem comum, pois não agem, eles agem no mínimo em favor dos seus grupos de base.
Mas a questão fica cada vez pior quando as lideranças políticas param de agir conforme os interesses dos seus eleitores e agem em favor dos seus próprios interesses, a isso se dá o nome de corrupção. Mas não seria já corrupção, agir conforme os interesses de alguns poucos de um grupo frente ao interesse coletivo?
Essa é a dialética da própria política como um todo, tão complicada como a questão do ovo e da galinha, mas a questão é que na democracia os mecanismos dessa engrenagem operam dessa forma e acaba que a democracia não é um governo de todos, mas o governo de alguns grupos que entre si legislam sobre todos.
A despeito de todo esse papel de legitimidade, um problema incorre, a separação entre o Estado e a Religião. E essa questão não vem sendo muito respeitada, por sinal. É vedado ao Estado ter uma religião, legislar a partir de uma religião e propagá-la entre os seus cidadãos, contudo, é visível que algumas leis operam conforme os princípios religiosos de alguns legisladores.
Não estou falando da questão do aborto, pois antes de ser uma questão religiosa, é uma questão teórica e filosófica. O que é vida? A questão é sobre os interesses de alguns grupos religiosos impõe sobre as leis do coletivo:
Casamento entre pessoas do mesmo sexo. Hoje é proibido. Porque é proibido? Até agora por conceitos morais, é claro. A própria sociedade se recusava a tomar iniciativa sobre tais questões, era vedado até mesmo que alguns se apresentassem como partidários de tais opções. Mas tudo como na História muda, e hoje, a própria sociedade civil vê com um pouco mais de liberalidade essa questão, por essa razão ela está em discussão em muitos países, como na França e nos Estados Unidos.
Entretanto, mesmo que essa discussão esteja sendo posto em aberto, isso não quer dizer que esteja sendo discutida de maneira séria. Oradores e argumentadores expressam sua desaprovação a essa matéria (do casamento homossexual) devido a isso "ferir as leis de Deus" e a Bíblia o problema que na esfera de um Estado Laico, a própria Bíblia não pode ser interpretada como uma lei, é alheia ao organismo jurídico do próprio estado e deve continuar a sê-lo.
A Bíblia não deveria ser levada à discussão por esse motivo, pelo menos em minha visão. Questões culturais sim, mas só se aplicarem aos próprios cidadãos em questão: Um judeu não deve ter ferido o seu shabat por ele próprio fazer parte de sua própria identidade, os islâmicos não devem ser obrigados a abrir mão de suas preces em árabe e assim vai. Mas os gays não necessariamente fazem parte de uma comunidade religiosa, dessa forma, não pode-se aplicar os estatutos das religiões a todos os indivíduos na sociedade.
A discussão tem que ser coerente: Por que não ou sim à união de casais homoafetivos? Quais são os motivos lógicos para a aversão aos homossexuais? Não estou falando em empíricos, estou falando em lógicos. Atentam contra a moral? Mas a moral muda com o tempo, assim como mudou no passado, em Esparta, bem como em Roma era aceito o infanticídio, hoje é moralmente inaceitável a agressão à crianças sobre qualquer forma.
Motivos biológicos? Assim acaba com o surgimento de outras gerações? Não creio se essa argumentação teria tanta força assim, afinal de contas, a própria questão da explosão populacional anda ameaçando a própria dinâmica humana em relação ao mundo, seria até preferível advogar a favor dessa modalidade de casamento.
Eu sou contra o casamento homoafetivo, assim como sou contra o casamento heterossexual, pelo simples motivo de ser contra o casamento como instituição social, julgo-a como uma modalidade de controle social demasiado repressiva, principalmente por prender os indivíduos a realidades artificiais e rígidas, deve ser o desejo dos dois indivíduos em mantê-los juntos que deve pautar a relação e não um pedaço de papel.
Entretanto não estou advogando para que todo mundo se separe e largue suas responsabilidades a pessoas que se constituíram na realidade do casamento. Quero dizer: os filhos. Não é porque não se está casado que você poderá negá-los, nesse caso os laços de sangue, bem como a ética como ser humano, levam ao compromisso do sustento e da educação dos filhos, mas não a sua propriedade, tendo em vista que é um erro bastante grosseiro considerar outra pessoa como propriedade sua: A escravidão acabou legalmente já tem muito tempo.
Esse é o perigo do casamento de fazer pensar que o seu parceiro (ou parceira) é propriedade sua e você pode fazer o que bem entender. Isso não é verdade, a construção de nossa sociedade atual se baseia que todos os seres humanos nascem originalmente livres e devem assim se manter até o último dos seus dias, se não cometerem algum delito aos seus iguais.
Considerando que homens e mulheres possuem direitos e deveres iguais, porque não estender tais direitos à outras modalidades de relacionamento e organização sociais? Se os gays (ou as lésbicas) querem contrair matrimônio, constituir famílias, é melhor deixar que façam, embora eu questione qual deva ser o lucro em se estar casado.
Deve-se permitir que adotem filhos, desde que se demonstrem bons (ou boas) educadores(as), e saibam ser responsáveis por outras vidas. É inútil impor restrições a isso, é como varrer um vendaval. Entretanto é conveniente que tenham direitos iguais, e não privilégios acima dos outros, ou seja, cotas, pensões ou outras parafernálias jurídicas que rompem com a dialética da igualdade.
E também não deve se exceder muito na questão, legalmente os homossexuais devem ter direitos de matrimônio assegurados, mas na esfera religiosa, isso não pode ser garantido, pois para algumas culturas isso seria dado como uma afronta e uma violação de seus próprios valores. Não pode também haver excessos na questão, ela tem que ser pensada de maneira lógica.
Se existem argumentos lógicos para se opor ao casamento homoafetivo, que se expressem, mas que não se espelhem em paradigmas e preconceitos marginais, afinal de contas isso apenas tange ao discurso principal como um todo.
É por isso que julgo perigoso que entidades religiosas se envolvam de maneira ativa na política, como o lobby existente das bancadas religiosas em várias democracias e sistemas pseudo-democráticos ao redor do mundo: Isso se torna visível nas bancadas protestantes nos Estados Unidos, na bancada evangélica do Brasil e a bancada da Igreja Ortodoxa na Rússia, e assim vai.
O Estado deve ser alheio à religião para não se corromper como um Estado. Ele próprio deve ser ateu, tendo em vista até mesmo que ele não é um organismo vivo, ele é uma figura estática e por isso não deve ter crenças alheias além do seu papel de governar as pessoas, essa é a única legitimidade do Estado como Estado, legislar sobre os seus cidadãos enquanto deve assegurar-lhes direitos em contrapartida.
Entretanto a própria racionalidade de alguns cidadãos é alheia a esse papel, ministra que um bom governante deve ser um "bom cristão", "bom judeu", ou "bom servo de Alá", isso é equivocado, nesse caso não é um governo de todos, mas um governo que uma maioria deseja sobre todos. Enquanto tais cidadãos não tiverem a mentalidade enraizada que o Estado não pode ser porta de entrada da Religião, surgiram mais Felicianos, Macedos e etc.
A História se move e nem uma vassoura é capaz de varrer um temporal. Querendo ou não enquanto forem eleitos políticos representando grupos particulares, tais questões irão ressurgir com recorrência cada vez maior, isso poe em xeque se o Estado deve continuar como organismo controlador da sociedade, considerando a forma como ele é manipulado.
Enquanto não paramos de fazer o discurso: "Olá, eu me chamo fulano. E essa batata não me representa", a mudança não haverá de vir. A lógica do nosso discurso se pauta pela lógica de nossas ideias, dessa forma, é conveniente fazer mais do que o discurso passivo da "não-representatividade" e lutar pela total representação dos direitos dos homens como cidadãos.