sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O que esperar da esquerda latinoamericana?


       Não estou cuspindo no prato que comi, antes o fosse, mas estou refletindo o que podemos esperar dos setores de esquerda latinoamericanos, primeiramente porque acredito que a esquerda esteja se isolando dentro de um casulo ideológico tão  difícil de ser superado que pode acabar a descaracterizando.

       Por volta de vinte a trinta nos falar que se era comunista, ou mesmo socialista, em alguns países era declarar na sentença um atestado de morte. Primeiramente, temos que lembrar que o marxismo só foi chegar para esse lado do Atlântico na última década do século XIX e o início do século XX e ainda assim com pouca receptividade. Sim, as massas alienadas não conheciam mesmo o que significava o socialismo, a América Latina foi dominada por caudilhos em todas as esferas de governo, isso só começou a desaparecer na Revolução Mexicana de 1910, mas mesmo assim nem tanto assim.

     O marxismo era popular em torno dos imigrantes, os quais conviviam com uma vida bastante difícil na recém chegada à pátria, e tinham algum conhecimento dos movimentos ao longo da Europa. Contudo, o Partido Comunista, como comunista, no Brasil, só foi surgir em 1922, muito depois de Outubro de 17,  e só viria a ganhar corpo com a direção do ex-capitão do Exército e líder tenentista, Luís Carlos Prestes, por volta da década de 30, quando ele no seu exílio na Bolívia tomou contato com o marxismo.

     Prestes é um exemplo de marxista prático da América Latina, tido como herói por alguns e imensamente respeitado por outros, desses incluo eu mesmo. Prestes era um revolucionário, e a carreira de revolucionário é uma carreira de escolhas e sacrifícios: Sacrificou o seu nome no Exército, que já tinha perdido no Tenentismo, mas mais do que isso, sacrificou sua esposa, em torno de um ideal.

     Sim, Prestes merece ser respeitado. Mas não nos incorramos ao erro de colocá-lo como guardião da democracia como alguns intelectuais atuais andam fazendo, em 1922, no auge do tenentismo, isso é até verdade, mas a dita Intentona Comunista não foi uma tentativa de estabelecer uma democracia ante uma Ditadura, tal como a existente com Vargas, ao contrário, estabelecer-se-ia uma Ditadura do Proletariado, aos moldes da União Soviética.

      Eu respeito Prestes, e o agradeço por muitas atitudes tomadas na redemocratização de 1946 ou mesmo na de 1988, mas Prestes também não era santo e cometia lá os seus excessos.

      Depois da Intentona Comunista, a situação ficou feia para os movimentos de esquerda, no Brasil,  em certa medida, na Argentina e no Uruguai, onde a célula do Komintern na América do Sul foi praticamente desmantelada.

     A questão é que a total fragilidade dos Partidos Comunistas na América Latina se devia à não adequação de suas propostas com as realidades apresentadas, e além disso as sociedades aqui existentes não tinham uma mobilização de uma vanguarda revolucionária industrial com tamanha força, tal como aconteceu na Rússia em Outubro de 1917.

     Em todo o caso, na década de 30, uma figura enigmática, mas também desprezível, aportou na cidade do México fugindo dos expurgos da União Soviética. Depois de perder na rixa sucessória decorrente da morte de Lênin, Lev Trotsky foi deportado para Alma Ata, na Ásia Central, e conseguiu fugir da fúria de Stálin ao sair da União Soviética. Esse renegado de seus pares, acabou desembarcando na Cidade do México e conseguiu apoio de políticos locais e também de artistas, como Frida Kahlo, com quem teve um caso.

     A vinda de Trotsky para a América Latina foi o maior desserviço que a história poderia ter feito. Ela alimentou todo um imaginário da década de 60 da figura de Trotsky por parte da esquerda latinoamericana, onde ele era visto como um coitado renegado que era incompreendido, e que se ele estivesse no poder da União Soviética, nada de ruim teria acontecido. Esse culto a Trotsky se confunde com o culto a Stálin, embora os trotskistas neguem veementemente qualquer ideia desse tipo.

      Primeiramente, temos que por em pratos limpos. Trotsky não era sucessor natural de Lênin, muito pelo contrário, ao logo depois do fechamento do jornal Iskra, por volta de 1903-4, Trotsky se alinhou com Martov e virou um grande opositor das ideias de Lênin, e no "Testamento Político de Lênin", Lênin ataca Stálin, isso é verdade, mas também ataca Kamenev, Zinoviev e Trotsky, e também Bukharin (esse último foi injustificado, afinal, Bukharin era "o teórico do Partido").

      Se Trotsky tivesse vencido, provavelmente nem mesmo a União Soviética existiria, para início de conversa, boa parte da organização e do pensamento de gestão da União Soviética partiu de Stálin e de seus companheiros. Trotsky iria arriscar as combalidas forças do Exército Vermelho para tentar organizar uma Revolução na Alemanha que poderia ter resultado em fracasso, arriscando todo o progresso conseguido em Outubro de 1917, afinal, o Exército Vermelho teria que conviver com uma guerra contra os poloneses, os alemães, os Brancos, o Exército Verde, o Exército Negro e os Interventores que com certeza iriam enviar mais homens para a Rússia. A Revolução estaria perdida.

       Quem disse que Trotsky também seria democrático? Nesse ponto, Trostsky iria reprimir os demais partidos, para assegurar a sua posição política, e muito provavelmente iria afastar seus opositores ou condená-los ao ostracismo para manter o seu cargo com rigidez. As propostas econômicas de Trotsky eram bem semelhantes a que Stálin colocou nos Planos Quinquenais, de desenvolvimento rápido a qualquer custo, o que era atacado por Bukharin como algo insustentável pois mexia com o trabalhador comum.


      Contudo, Trotsky é dado por um deus, por alguns setores da esquerda latinoamericana, sobretudo a influenciada pela esquerda francesa dos anos 60, da qual até Sartre fazia parte. E com a derrocada da União Soviética, essa vertente cresceu ainda mais, inculpando a União Soviética de ter sido imperialista, mas também esquecendo que ela foi construída a partir de uma ideia.

      Com a Revolução Cubana de 1959, outro setor da esquerda surgiu, derivada da esquerda stalinista, que anda meio enfraquecida em lugares como o Brasil, essa esquerda se apoiou na figura de Che Guevara e Fidel como libertadores da opressão do capitalismo americano na América Latina. Até hoje Che é celebrado como libertador, sendo que agora ele tem uma coleção só com camisas com o seu rosto, virou grife de moda, principalmente pelos revolucionários de sofá e alguns universitários sem censo de lógica.

     O ideal da Revolução Cubana, inicialmente não era marxista, sequer passava perto. Quando Fidel derrubou o governo, ele o derrubou por ser corrupto e não representar o povo cubano, só veio a se declarar marxista quando os Estados Unidos retalharam por terem perdido um ponto estratégico para os seus negócios de prostituição e cassinos, aí Cuba ganhou o apoio da União Soviética, com o próprio Voroshilov, o general de enfeite de Stálin (lembrando que nessa época, Krushiov estava no poder), aparecendo nas ruas de Havana ao lado de Fidel.

      Não podemos nos esquecer dos dramáticos eventos da Crise dos Misseis  Enfim, a política externa norteamericana é mesmo opressiva em relação aos seus vizinhos, mas isso não significa que devemos entrar num sentimento antiamericanista tão cego ao ponto de que ao vermos um cidadão americano sentirmos logo uma repulsa ou um ódio por ele. Mas a esquerda naturalmente se apoia por esse ideário.

     A esquerda culpa ostensivamente o imperialismo como a raiz de todos os seus males, contudo o subdesenvolvimento da América Latina resulta não só de exploração, mas também, como também dos interesses locais das elites, que nem sempre são atrelados aos interesses do grande capital, dos deficits imáginários de algumas lideranças e da população, e também de uma corrupção moral do próprio individuo que se sente oprimido, mas não se dispoe a mudar o status de oprimido de nenhuma forma.

       A esquerda latinoamericana recicla várias vezes a mesma explicação, de que tudo é culpa do imperialismo yankee, e que somos subdesenvolvidos por causa dele. Na verdade, esse setor ainda faz a atitude criminosa de reduzir a teoria marxista somente na simples dicotomia, eles, os opressores, nós os oprimidos.

      É nesse sentido, associando-se o pensamento político construído durante séculos de vantagens patrimoniais e clientelismo, que a esquerda, hoje, vem se alimentando de uma arma ainda mais nefasta, o populismo, que a exemplo da Rússia czarista, resulta mais atraso do que avanço. Propostas assistencialistas são implantadas para elevar uma figura perante sua população, seja Chavez, ou Lula, não são políticas de governo, mas medidas eleitorais, assim as instituições se fragilizam em demasia e a imagem do indivíduo se torna mais importante do que a lei.

      O que esperar da esquerda? Retrocesso. Embora o marxismo seja uma ideologia querendo ou não que queira promover o progresso da humanidade, a Esquerda Latino-Americana se prendeu ao passado, mas não ao passado da União Soviética, mas ao passado populista e caudilhista de sua própria existência, ela não se adequa aos novos tempos e pior mesmo com esse discusso ultrapassado que se revelou ineficaz para o desenvolvimento e a realização de medidas de igualdade social, ainda consegue o amparo de uma parcela significativa da população, por meio da própria alienação do individuo, o que Marx duramente atacava.

       A esquerda trotskysta está ainda mais atrasada, pois não se resolveu teoricamente e tenta se legitimar pelo simples discurso, "o capitalismo nos oprime", e cai no precioso de não fazer nada para mudar, e ainda acredita que a revolução será feita pelas armas.

       O prospecto não é bom, o grande desafio teórico é criar uma vertente que conjugue as realidades nacionais latinoamericanas em congregação com um pensamento revolucionário que não seja preso a uma sangrenta tomada do poder, mas se possível por uma revolução feita por palavras e ideias. Essa é a minha visão sobre o caminhar da esquerda em toda a Latino-América.




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