sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A partida

      Apagam-se as luzes, a noite caí preguiçosa. A lua cheia no céu é a única companheira daquela triste noite;

      Descem a ladeira os bêbados que tornam para casa depois de um dia de trabalho, tarde da noite, mas ele não sente mais vontade de ir para casa. Nem quer pensar na ideia.

      Visualiza o tabuleiro com maior atenção, a vodka o anestesia, mas não o faz esquecer que havia perdido o jogo. Como tinha sido a partida mesmo? Ele tinha perdido o bispo na E5 e levado o cavaleiro na D2. Foi aí então que se distraiu e perdeu, perdeu a peça mais importante do jogo, a Rainha.

      A Rainha muda o jogo, essa é a regra para o bem e para o mal, dessa vez veio do lado errado. Ela se sacrificou, deixou se conquistar para salvar o rei, para que ele não sofresse mais do que já sofria, mas só esse sacríficio fez desabar todo o jogo.


     Foi então que a partida se desarticulou, o rei começou a entregar peças, se desfazer de torres e cavaleiros, até que por fim a vida não lhe deu muitas escolhas e ele sentiu-se encurralado e perdeu o jogo.

    O rei perdeu, reinou bem nos primeiros minutos, mas morreu sozinho, como já se sabia que ia acontecer. A partida lhe pregou uma peça, o jogo foi como a vida, lhe enganou em mínimos detalhes. Ele estava tão alegre por estar levando vantagem, por estar junto com a rainha lado a lado governando o seu império de peões, que seguiam lado a lado em legiões para a frente de combate. Mas foi por um deslize, que a rainha se sacrificou, talvez por amor, talvez porque ela o amava, tanto quanto o rei também a ama. Mas ela se sacrificou, sacrificou sua felicidade, o seu amor, uma vida inteira que eles poderiam ter juntos. Tudo por amor talvez.

     O rei se mutilou, parte de seu jogo desapareceu. Não havia mais como, nem tinha jeito de pensar em algo, na verdade nem queria. O baque foi forte demais, ele não consegue mais jogar, não consegue mais mover peças e fica imóvel no tabuleiro de xadrez.

    Ele perdeu, mas não aceita até agora ter perdido, está desolado e não aceitou muito bem isso. Bebeu mais um gole e saiu, sem catar as últimas peças do jogo, de que adianta? Está tudo perdido.

     Desceu a ladeira, não viu mais ninguém nas ruas, não ouviu ninguém passar. Cansado e sem forças, sentou-se no meio-fio e olhou com tristeza o céu. As nuvens ameaçavam a noite, e a lua começava a ficar encoberta. Foi então que pensou, o erro do rei foi ter se levado para o lado emocional, enquanto xadrez é um jogo que prima pela racionalidade e cientificismo, mas ficou tão abalado por ter perdido sua rainha que sequer conseguiu se mover.

     Foi então que o rei não lhe pareceu uma figura estática, rígida com a coroa em cima, não era só uma peça do jogo, ele viu a encarnação de um rei na sua frente. Um homem, um homem bem triste de barba e cetro, desolado por ter perdido tudo à sua volta e que acabou desistindo de tudo e de todos.

     Sentiu um pouco de pena do rei, mas mais ainda da rainha que tinha se sacrificado e o rei nem sequer sabia porquê? Será que ela não o amava, será que não lhe agradava ter uma vida com ele? Será que ele era tão frio que ela decidiu desistir dele?

     A rainha como eu disse era a peça mais importante do jogo, ela está no mesmo patamar do rei, mas ela sim é a peça mais importante. Sem a rainha você perde o seu jogo, você pode perder as torres e os cavalos, mas sem a rainha tudo fica mais complicado, tudo mais difícil. A rainha é o seu porto seguro e por isso merece ser bem tratada.

      Talvez o rei tenha  perdido por ter pensado mais no jogo do que na felicidade da rainha, talvez ele não tivesse ajudado muito em seus sonhos ou a ouvido do jeito que ela queria, mas não foi porque ele quis, não foi porque ele não gostasse dela. Se tudo fosse diferente...

      O xadrez é um jogo perverso tal como a vida, porque nunca tem volta. Nunca podemos voltar no tempo e mudar nossos atos, e como é um jogo cronometrado você acaba cometendo erros, até mesmo de raciocínio, deslizes.

      O rei, estático e agora triste, não se vê mais como um herói desse jogo, desde que perdeu quem ele mais admirava, o jogo deixou de ser importante, e ele deixou peça por peça se fragilizar. Pobre rei, sabemos bem como deve se sentir.

       Foi então que percebeu que ele não estava analisando o xadrez, mas uma coisa ainda mais complexa, a Vida. E desceu triste a ladeira na calada da noite.

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