(Essa é a fonte
do que os antigos falavam e eu meramente copiei os seus ditos)
Ao alvorecer de um novo sol, a Terra tinha sido formada num ninho
de trevas e desespero. Foi nesse mundo que da fusão entre o Tempo e o Espaço
surgiu Fortuna.
A grande Fortuna casou-se com a vil Tortura e desse relacionamento
surgiram o Trabalho e a Riqueza.
Um dia, numa festa na morada dos deuses, Fortuna dormiu com
Maldade, senhor do submundo e das trevas, fazendo surgir a bastarda Avareza.
Tortura, ao saber disso, traiu a grande Fortuna com a Bondade,
surgindo nisso a linda e devassa Esperança.
Quando a enlouquecida Avareza cresceu, numa de suas discussões,
abriu o crânio de sua mãe, Fortuna, com um machado, fazendo jorrar assim todo o
ouro do mundo pelo chão, o qual a
Avareza tentou segurar com suas mãos, mas acabou se escondendo pelo mundo,
desde então a Avareza iniciou uma busca eterna por todo o grão de ouro na face
da Terra.
Avareza então casou-se com o seu padrasto, a Tortura, e desse
relacionamento os dois fizeram surgir todos os males do mundo: Fome, Guerra e
Peste.
Avareza, tão perspicaz também conseguira separar seus dois outros
irmãos numa rixa e agora Trabalho e Riqueza não se falavam mais.
Trabalho, gigante de formas rudes e delgadas, de cor bronzeada pelo
calor da forja e dos raios de Sol, com suas longas tranças, casou-se com a bela
Esperança, criatura fina, de cabelos negros e olhos glaucos, com um rosto bem
bonito. Desses dois nasceram o Amor, a Honra e a Dignidade.
Numa caçada, a Inteligência, irmã de Fortuna, advertiu aos
sobrinhos que o sangue de iguais iria se fazer jorrar numa briga intestina; os
sobrinhos obviamente ignoraram à sua velha tia, achando nela mostras de
senilidade prematura.
Um dia, num certo banquete realizado no lar dos deuses, Guerra,
sempre ruidoso e bronco, competia com o seu irmão Peste no lançamento de
dardos.
— Meus dardos são o ferro das espadas e das lanças dos guerreiros.
São o sangue e o suor do calor das batalhas. Tais coisas são invencíveis quando
são forjadas no calor da fornalha do Mal.
Guerra, que sempre usava uma couraça de couro fervido, fez
transparecer seus músculos bem torneados ao atirar uma seta contra o alvo
estendido na parede, o alvo da Vida.
— Pois esses dardos são feitos de todos os flagelos do mundo —
Jactou-se Peste — Da febre, da tosse, do cansaço e da Dor.
Quando Peste, uma figura magricela e esverdeada, ligeiramente
pálida, que sempre se envolvia num pano branco sujo, jogou o dardo, Guerra
ficou sem palavras para expressar o seu constrangimento; Peste tinha sido mais
certeira no alvo da Vida.
“A Peste para a Vida é uma coisa muito perigosa”, concluiu Guerra.
Guerra, imbuído de um estilo feroz, tentou vencer seu oponente
moralmente. Assim, vendou os olhos e de costas, atirou o dardo contra a Vida.
Sem querer o dardo desviou por um sopro de Avareza e acertou a
Honra, a mais querida das filhas.
“A Guerra é cega, dá as costas aos inocentes e fere até mesmo a
Honra”.
Eis que Dignidade, ao ver que seus irmãos riem, levanta-se contra
esta injúria e briga contra os dois. Avareza, com um de seus raios fumegantes,
contém o ímpeto de Dignidade e a aprisiona nas mais distantes montanhas das
terras do Sul, onde Dignidade teria que suportar todo o fardo do mundo.
Eis que irmãos brigam contra irmãos e sangue de iguais é derramado,
tal como a Inteligência havia alertado. Até que com a ajuda de tortura e de
seus três filhos, a Avareza vence e reina triunfante sobre o mundo.
Amor é forçada a se casa com Peste e dessa relação entre primos
surgem o Ciúme e a Luxúria, duas doenças
contemporâneas.
Trabalho e Riqueza são feitos escravos da Guerra e da Avareza,
servindo com imensa revolta a seus fins vis.
Apenas Esperança, que ouvira com atenção o que Inteligência havia
dito, conseguiu escapar pelas sombras da noite, e é por isso que a Esperança só
aparece nos momentos mais negros.
Sozinha, no meio do nada, Esperança uniu-se em relação carnal com o
Desespero, deus descontrolado de feições sempre agitadas e nervosas, e dessa
relação surgiu o Grande Pai Koala
.
O Grande Pai Koala, uma criatura tão pitoresca desde o seu nascimento,
conseguiu a proeza de ser abandonado na floresta por sua própria mãe, que se
culpava de ter se deitado com o repulsivo Desespero, e agora, ela não muito
seletiva, acompanhava qualquer um.
“A Esperança acompanha os mais variados tipos de homens, desde os
bons até os vis”.
O bebê Koala estava próximo da morte, assolado pela Fome, quando Vida
se apiedou da pequena criatura e disse:
— Caro infante, terás uma dura jornada daqui para frente, mas irei
acompanhá-lo por toda a minha existência, em respeito a seus irmãos e aos seus
pais. Vês, vês a árvore logo a sua frente? É um eucalipto, é só o que comerás
daqui em diante. Essa árvore lhe dará força e astúcia para vingares toda essa
desgraça.
E é por isso que os coalas só comem folhas de eucalipto. Para os
outros elas são tóxicas, até venenosas, mas para os coalas são o símbolo de sua
força.
O grande Pai Koala foi crescendo e com passar do tempo foi discursando
aos homens com voz melindrosa contra as injúrias causadas pela Guerra, Fome e a
Avareza.
Com a ajuda de sua mãe, a grande Esperança, que acompanha todos os
homens nesses momentos difíceis, Koala conseguiu convencê-los de que se
precisava de mudanças e então, sob a liderança do grande Gato Calvo, os homens
libertaram o Trabalho e Riqueza das mãos da Avareza, acabaram com o tempo com
Guerra e Tortura, até que por fim tomarem o palácio e eliminarem a Avareza com
um só golpe de foice na cabeça. A Peste e a Fome se afastaram por um tempo.
A Dignidade voltou de seu exílio e
Amor enfim estava livre, apenas a Honra que havia caído naquele vil
banquete, demoraria tempos para voltar.
Gato Calvo fez com que os homens se juntassem ao Trabalho e
dividissem entre si a Riqueza. Com a ajuda da Inteligência, governou por anos
absoluto como fiel seguidor do Grande Koala e esse é o início dos Novos Tempos.
Logo após a morte de Gato Calvo, um anão da montanha brigou com
Ovelha Negra e com um golpe de picareta cortou-lhe a cabeça. O Grande Anão
tomou o poder, perverteu-se pela memória da Guerra e da Tortura e fez retornar
os males do mundo, como a Fome e a Peste.
Com a ajuda do Lobo Negro, criatura traiçoeira das terras do Oeste,
a Guerra voltou e o Grande Anão, meio tolo, conseguiu ser enganado pelo Lobo
Negro.
Para conseguir se vingar da trapaça de Lobo Negro, o Grande Anão
fez uma aliança com Cão Sarnento, um buldogue qualquer que secretamente estava
à mando da Avareza.
Fez amizade também com a bondosa Lebre Paralítica e juntos, os
três, conseguiram vencer após muito esforço, o Lobo Negro, que se deixou
envenenar com algumas folhas de urtiga selvagem.
O Grande Anão e Cão Sarnento começaram uma briga logo após a morte
de Lebre Paralítica e por várias gerações perdurou assim, mesmo com a morte dos
dois.
Os demais sucessores do Grande Anão acabaram aprisionando, tal como
este havia feito, o Trabalho e Riqueza, ao seu bel prazer e secretamente
alimentavam com o seu pão, Guerra.
Foi só depois de vários anos, quando o Burro Careca resolveu dar
fim a isso, libertou os dois do jugo tão vil instaurado pelo Grande Anão.
Entretanto, os homens, pervertidos pelos ensinamentos de Cão
Sarnento e da memória de Avareza, romperam com a ordem do Grande Pai Koala e
acabaram vendendo cada vez mais o Trabalho, o Amor e a Dignidade para alimentar
o casamento entre Avareza e a Riqueza.
A Esperança perdura nos corações dos homens, mesmo como uma sombra
do passado, nesse reino terreno de Avareza e Riqueza.
Enfim, em todo caso, os ensinamentos do Grande Pai Koala ainda
perduram entre as mentes mais jovens, ainda que estejam cada vez mais
preguiçosas e imóveis do que a Lebre Paralítica.
Nota de explicação: Caros leitores desavisados, se vocês não compreenderam a ideia dessa neo-Teogonia devo dizer que essa é na verdade uma critica de uma divinização algumas personagens comunistas da história, onde Karl Marx por exemplo se apresenta como o Grande Pai Koala. Leiam com atenção o documento
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