quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O homem do Neva (texto do blogueiro)

Ao vento gélido trazido pelas correntes do Norte, observa de longe, no alto de uma pedra um dos mais versáteis e habilidosos comandantes militares daquelas estepes ao nordeste da Europa...
De cabelos encaracolados  de mais denso castanho que se tem notícia, olhos escuros e atentos, barba numerosa e porte cavalheiresco, Aleksandr Nevsky era o mais valente dos príncipes de Novgorod. O mais esperto comandante talvez daquela época.
Grão Príncipe de Vladimir, Aleksandr Nevsky,  era neto do valoroso príncipe de Vladimir, Vsevolod III, que com extrema astúcia combatera os búlgaros do Volga[1] anos atrás,  ele era conhecido por todos por ser um comandante excepcional  pelo qual todos tinham respeito, afinal todos lembravam da Batalha do Neva[2] que acontecera no ano passado, em que Aleksandr derrotaram tão habilmente os suecos em uma sangrenta batalha campal da qual não se havia notícia.
A República de Novgorod era um estado medieval que se estendeu do Mar Báltico aos Urais que se fundamentava basicamente em Comércio exterior com as cidades da Liga Hanseática, que hoje ocupam um território similar à Alemanha, e a Escandinávia, era uma ponte de ligação entre o Oriente, a rota da Seda propriamente dita, o sul, Mediterrâneo Oriental, principalmente, e o norte da Europa... Um país que nessa época vinha sendo duramente atacado por forças numerosas, como os suecos, os tártaros, os teutônicos germânicos, e outras potências da época...
Pela vontade de Deus, príncipe Aleksandr nasceu da caridade das amadas  e mansas pessoas, o Grão Príncipe Yaroslav e Theodosia. Como foi dito pelo profeta Isaías: "Assim diz o Senhor: Eu nomearei os príncipes porque eles são sagrados e eu dirigi-los." "... Ele era mais alto do que os outros e sua voz chegou o povo como uma trombeta, e seu rosto era como o rosto de José, a quem o faraó egípcio havia colocado ao lado do rei para ser depois dele rei do Egito. Seu poder era uma parte do  poder de Sansão e Deus deu-lhe a sabedoria de Salomão ... Eis o princípe Aleksandr: ele usou a derrota, mas nunca foi derrotado ...”

— Meu Grão Princípe! O que vê?
— Vejo desespero, meu caro Misha, eu vejo desepero, eu os vejo tremer diante de nossos pés...

Nevsky estava no auge dos seus quarenta e um anos e sua tranquilidade não era condizivel com a real situação que havia se consolidado. Em razão das duas bulas papais promulgadas por Gregório IX, em 1233 e 1237, respectivamente, que aclamavam pela “proteção da cristandade na Finlândia dos seus vizinhos belicosos”, os Cavaleiros da Ordem Teutônica fizeram uma aliança com o Rei da Dinamarca Valdemar II e o reino da Suêcia afim de promover uma cruzada contra os “pagões do Leste” e os cristãos ortodoxos; Eram as Cruzadas do Nordeste...
Como resultado das Cruzadas do Nordeste, que em parte eram financiadas pelo espírito expansionista dos Caveleiros Teutônicos iniciou-se aquele evento pelo qual o povo russo se bateria com os invasores vindos do Oeste, os cavaleiros da Ordem Teutônica...
— Percebeis agora o porquê de eu não ter avançado, deixei-os vir até nós...
— Mas, meu Grão Príncipe...
— Entenda, meu rapaz, eles não nos entendem, não entendem como pensamos, sequer nós acham capazes de realizarmos grandes feitos, mas eles se enganam...
— Aleksandr Yaroslavich (Nevsky), acha mesmo sensato fazermos isso?
— Meu caro Boslai, percebo que tens bom coração, mas tens a cabeça pequena, é obvio que acho  sensato, é uma manobra ousada, bem sei disso, mas verás que é bem aplicável...
— Como quiser, meu senhor.
Ao longe, na extensa e gélida planície que formou-se em resultado do congelamento do lago em decorrência do rigoroso inverno que se abatera no ano de 1242, cavalgavam semblantes assustadores, quase que demoníacos, com elmos quadrangulares de ferro que cobriam o rosto do cavaleiro em toda a totalidade, de modo que uma cruz cravada no capacete era o único modo de respirarem e observarem os oponentes... Tinham pesadas couraças das quais provavelmente impediriam que andassem direito, ostentavam escudos brancos de metal, com cruzes vermelhas grafadas  tal como nas capas brancas que vestiam a si e a seus cavalos...
— Teutônicos... — Gritou-se em meio às tropas...
As fileiras dos soldados de Novgorod eram um tanto extensas; aqueles soldados que tão firmemente marchavam e batiam o piquete nos seus escudos encurvados vinham das mais longínquas partes da República, desde os Urais, passando pelo Extremo Norte Polar, do Neva ao Volga, haviam ali membros que sequer sabiam de onde vinham...
Todos usavam um capacete cônico de base circular, que muito se parecia com as cúpulas da Catedral de São Basílio, à qual sequer ainda havia sido construída, couraças envelhecidas e desgastadas, uma proteção metálica parecida com um pano lhes  revestia das orelhas aos ombros para proteger do frio; usavam ainda escudos, piquetes para abater os cavaleiros ou mesmo os cavalos, e, se fossem mais ricos, tinham também espadas...
Nevsky observava junto aos seus generais no alto de uma pedra o avanço constante dos germânicos que agora exalavam no frio congélido do Inverno um grito de guerra incompreensível para aqueles que aguardavam o ataque que viria a seguir...
— Lá! Vistes? Aquele é o chefe deles! — Apontou Nevsky, que por sinal tinha bons olhos para ver no frio.
— Sim, meu senhor...
O comandante dos Cavaleiros da Ordem Teutônica era uma figura ainda mais assustadora, vestia um capacete na forma de uma torre de tabuleiro de xadrez e ostentava uma extensa capa de seda branca com detalhes dourados e uma espada que reluzia de longe, com certeza não estava ali para um desfile de moda.
— Está na hora... Vá lá, meu caro Boslai, tenho total confiança em você, meu jovem.
— Sim, meu Grão Príncipe.
Boslai inclinou-se em sinal de reverência a Nevsky, e depois saiu calmamente de perto do Comandante, até que foi contido por uma linda mulher que estava ali acompanhando os dois...
— Adeus, Natasha...
— Boslai...
Os dois se beijaram ali na frente de todo mundo, resultando em certo constrangimento naqueles soldados que estavam ao lado de Aleksandr Nevsky, mas o próprio Grão Príncipe sequer se importou quanto a isso, ele estava mais preocupado com a batalha...
— Boa sorte, Boslai — Apertou-lhe a mão um comandante da infantaria, Dimitri Yakovlenko...
— Obrigado, vou precisar.
Boslai saltou da pedra e saiu correndo em direção a seu cavalo, que rapidamente montou e saiu em extrema velocidade ao comando das tropas no front...
Nevsky ajeitou o seu capacete de modo que a viseira de comandante ficasse na altura dos olhos e rapidamente observou que o avanço dos oponentes estava um tanto mais acelerado, olhou para seus homens reunidos ao longo daquela pedra e contou rapidamente: Deviam ter mais de quatro mil ali; Era o mesmo número que os alemães tinham... E eles tinham cavaleiros!
— Dimitri, quando os germanos atacarem, espere um tempo, deixe Boslai deixá-los envolvidos com a batalha. E então, todos nós atacaremos juntos, formaremos um bolsão em volta deles... Você me entendeu?
— Да.
Nevsky subiu ao alto da pedra e rapidamente pôs-se a descer cautelosamente em direção aos seus homens, percebendo que suas tropas ainda continuavam imóveis diante ao ataque. Muito bom!
Um ruído metálico surgira de forma barulhenta a fim de quebrar o frio que contaminava os soldados de Novgorod, o batido dos piquetes nos escudos era como numerosos tambores rufando no início de uma gigantesca batalha, a Batalha do Gelo.
Boslai deu um sinal e rapidamente as tropas montaram uma posição de ataque em que os piquetes foram alçados à frente de cada soldado de modo a constituir uma barreira, barreira essa que não conteve os cavaleiros germânicos.
O Lago Peipus, o lago por onde os cavaleiros passaram, estava congelado em razão do frio, mas a manobra de Nevsky em tentar contê-los não foi levada a cabo, afinal de contas ele reteve suas tropas junto à margem do lago, lago esse que hoje separa a oblast (equivalente a estado) que abriga a cidade de  Pskov, na Rússia, da Estônia...
— URA!!!!
As sanguinárias forças oponentes começaram a debater-se com as tenazes forças da infantaria de Boslai, que de piquetes em mão batiam-se contra os cavalos negros e com os cavaleiros assustadores.
— Senhor, perdoe as numerosas faltas que hoje me arrependo, permita, Senhor, que salvemos nossos homens destes que nada mais querem perpetraram a sangria na Sagrada Terra da Rússia. Deus, meu Deus, não nos esqueça, por favor... — Rezou rapidamente Nevsky antes de comandar o seu pelotão de infantes.
A batalha demonstrou-se de forma demasiada um tanto sangrenta, os cavaleiros sequer se importavam com quem estava por ali, apenas estavam interessados em massacrar aqueles que por puro despreparo montados não estavam...
Uma luta entre um cavaleiro e um infante é uma coisa demasiadamente desigual, pois ao mesmo tempo em que o cavalo pode atropelar o soldado o cavaleiro pode golpeá-lo com um golpe fatal...
Ninguém na Europa conseguia abater um cavaleiro teutônico senão estivesse a cavalo, não importava o que fosse, ainda era um tabu um infante derrubar um cavaleiro, um tabu que estava para ser superado.
— Malditos! Aposto que sem os cavalos eles não nos vencem — Exclamou um soldado.
Os soldados começaram a golpear os cavalos com força, de modo que o cavaleiro caísse e fosse levado aos embates, e se o cavaleiro tentasse reagir, era rapidamente golpeado por outro soldado com o piquete... Os teutônicos estavam perdendo.

Levanta-te, povo russo,
Na gloriosa batalha, à  batalha da morte!
Levanta-te, povo livre,
Por nossa terra honesta!
     Honra para os soldados vivos
E Graça eterna aos mortos.
     Pela casa do pai, pela terra russa
     Levanta-te, povo russo!
     Pela nativa Rússia, pela nativa Rússia
     Não virá o inimigo!
     Levanta-te, Levanta-te
     Querida mãe Rússia!

                Boslai e seus homens cercaram os Teutônicos, de modo que eles ficaram acuados com resistência russa, e acabaram dispersando sua formação... Confusos com a batalha, os teutônicos começaram a tentar todas as maneiras de fugir do bolsão formado por Nevsky...
                — Diga a Boslai para dar uma brecha no bolsão, eu quero que eles fujam — Ordenou Nevsky a um soldado.
                Uma brecha pequena surgiu dentre as linhas de Boslai, e rapidamente os cavaleiros e os soldados teutônicos debandaram em extensa retirada, retirada essa que era humilhante aos tidos “civilizados cavaleiros defensores da cristandade”.
                — Aleksandr, tens ideia do mandastes fazer? Podíamos ter acabado com eles...
                — Sim, eu tenho ideia, e sim, nós ainda vamos acabar com eles. Tire seus homens daqui e preste atenção...
                — Nevsky, o que tem em mente? — Gritou Boslai!
                — Isso.
                Boslai ordenou a seus homens a retirada imediata e rapidamente Nevsky utilizou-se de um velho truque de astúcia, ordenou a seus homens, que quebrassem o gelo com flechas...
                — Nevsky...
                O gelo começou a se despedaçar e rapidamente os teutônicos se sentiram acuados e ficaram cercados em volta de um bolsão de gelo quebrado, até que por fim...
                — Quebrem o gelo.
                O gelo começou a se despedaçar e rapidamente os fugitivos acabaram caindo nas gélidas águas do lago Peipus, águas essas que de tão profundas chegavam a quinze metros de profundidade, com o frio, o peso do equipamento e  o desgaste físico, não demorou muito para que morressem de frio ou mesmo afogados...
                Nevsky era um gênio!
                Nevsky aproximou-se de um soldado alemão ferido que havia sido cercado pelos seus homens e  disse:
                — Quem é você?
                — Meu nome é Herbert von Kriber...
                — Muito bem, Herbert von Kriber, hoje é o seu dia de sorte, vou deixá-lo partir... Volte para casa que a guerra acabou para você, e diga para seus chefes e seus homens, que Nevsky e seus homens são bravos e valentes ao ponto de não se prostrarem a qualquer um e que parem de entrar batalhas campais conosco, porque não é de nosso interesse arrastar essa estúpida guerra que vocês começaram por muito mais tempo.
                — Não sou garoto de recados.
                Nevsky desembainhou sua espada e ameaçou perfurar com a lâmina o pescoço do relutante cavaleiro que havia caído...
                — Agora é. Diga a eles que também fizemos prisioneiros... Agora vá, infeliz!
                E assim terminou a beligerante batalha do Gelo, com a vitória de Nevsky no dia 5 de abril de 1242, com um numeroso exército dos mais bravos soldados da República de Novgorod, batendo-se com os capazes cavaleiros da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos e  angariando essa grandiosa vitória na luta contra as forças invasoras vindas do Oeste.

"Quem vir a nós com a espada, pela espada perecerá!"


[1] Os povos búlgaros não são originários da configuração atual da Bulgária, são povos eslavos que inicialmente foram nômades, que percorreram um extenso caminho através da Europa, eles na época eram tidos como “bárbaros e selvagens” e tinham uma sociedade altamente militarizada.
[2] A Batalha do Neva foi um dos maiores feitos de Aleksandr Nevsky, que em 1240, derrotou um numeroso exército de suecos na altura do rio Neva, rio que cruza a atual São Petersburgo, na qual um extenso exército comandado por tropas suecas era auxiliado pelas forças navais norueguesas e finlandesas que queriam tomar a rota comercial que ia da cidade de Ladoga, nos arredores da atual São Petersburgo até a Grécia... Com a vitória, Aleksandr, acabou sendo cunhado pelo apelido de Nevsky que literalmente remente a “homem do Neva”.

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