sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Estudo da transformação social na Rússia na Modernidade

(Com ênfase no período de Ivan, o Terrível, e de  Pedro, o Grande)

(Esse foi o meu estudo a cerca da conjectura social que se transformou na Rússia desde Ivan IV a Pedro, o Grande, o período pelo qual compreendo a Modernidade Russa)

                Esse estudo não só limitou-se a uma resenha, como também é uma análise de várias obras sobre o desenvolvimento da sociedade russa no período da Modernidade e mesmo que o poder centralizado na Rússia remonte os tempos de Aleksandr Nevsky, contudo, o poder russo começa a se solidificar na forma da autocracia à altura do século XVI.
                Chega até a ser interessante o fato que a Rússia talvez tenha sido o único estado na Europa a ter em si ainda solidificada a estrutura absolutista até meados do século XX como Perry Anderson enfatiza, quando a Revolução Russa eclode (embora o ensaio revolucionário de 1905 já tenha influído na transformação da estrutura política czarista, sabe-se que não se alterou muito o poder do Czar quanto ao seu poder de autocrata).
                Perry Anderson, em seu livro, As Linhagens do Estado Absolutista, que “a partir de 1450, inicia-se uma nova era de recuperação e expansão econômicas. Ao longo dos cem anos que seguiram, a população multiplicou-se, a agricultura prosperou, o comércio interno e o uso da moeda difundiram-se rapidamente, enquanto o território do Estado moscovita crescia mais  de seis vezes em superfície”[1], chega a ser interessante o modo como Anderson pontua o aparecimento de certas técnicas agrícolas na Rússia e sua rápida adaptação, como no caso da superação do cultivo camponês destrutivo para o sistema de afolhamento trienal, que era até então desconhecido na Rússia.
                O Grão-Princípe de Moscóvia, Vassíli III “era um príncipe de modos brandos, benquisto por seu povo”[2]. Ao contrário de Ivan III que conquistou amplos territórios, tomando inclusive Novgorod[3], Vassili III “não possuía os dotes de um conquistador”[4], travava guerras esporádicas com a Lituânia, anexando as cidades de Pskov, Smolensk e Riazan ao seu reino (talvez tenha sido com essa aparente estabilidade que tenha feito com que a população de Moscóvia tenha crescido de tal maneira e os negociantes tenham começado a prospera como Payne e Romanov demonstram em seu livro, Ivã, o Terrível).
                Vassili III era um homem dependente, segundo observa o Barão Sigmund von Herbestein, embaixador do Imperador Maximiliano em Moscou[5], que descreve que as decisões eram tomadas apenas com a consulta do Conselho dos Boiardos (indivíduos que um dia pertenceriam à nobreza russa) e dependia a e execução de suas decisões através do aval dos funcionários públicos (um vestígio remoto de elementos que constituiriam a Burocracia do fim do Império).
                Herberstein descreve que o governante tinha grande poder, era visto como “o mordomo e camareiro de Deus”, pelos moscovitas.
                A sociedade moscovita era um tanto diferente de suas contemporâneas, considerando que os funcionário tinham poder no serviço público, costumeiramente “recebiam propinas faziam promessas que logo se esqueciam e trabalhavam continuamente para o seu próprio proveito”[6].
                É importante salientar o cenário, com o qual Romanov e Payne desenvolvem sobre a vida cotidiana da sociedade moscovita; Ao largo campo entre o rio Moskva e o Rio Negliania (o que hoje corresponderia à Praça Vermelha) funcionava o centro nervoso da capital: “Era o principal lugar de mercado, com barracas pintadas em filas ordenadas, onde se podia comprar qualquer coisa, de sedas e damascos a estribos e selas de couro, de barris a trenós de madeira [...] Quando as barracas eram retiradas a Praça tornava-se um campo de paradas ou terreno de feira com palhaços e prestigiadores e ursos amestrados (algo semelhante aos desfiles de 9 de maio na Praça Vermelha no período soviético).
                Em dias comuns, “[...]Cães latiam, mulheres gritavam, crianças choravam, vendedores ambulantes berravam o quanto permitiam seus pulmões” e “os furtos se sucediam e a maioria dos homens carregavam punhais nas mangas ou nas botas. Bêbados circulavam alegremente. As bebidas favoritas eram o hidromel e a vodka”.
                Relatam os dois autores, que um viajante, Anthony Jekinson, que esteve em Moscou em 1558, ouviu falar que os homens e mulheres vendiam seus filhos nas tavernas e depois todos os seus bens, para poderem beber, até que no final acabavam se oferecendo como servos. Esse é um vestígio do que hoje se tornou uma epidemia na Rússia, o alcoolismo.“O fardo pesava inteiramente sobre a gente pobre”, descreve o viajante.
                Enquanto os mais humildes, pais dos mujiques do período Imperial padeciam com a vida atroz, ascendia algo próximo a uma classe média, composta na maioria por funcionários públicos.
                Os ricos eram necessariamente muito ricos, como pontuam Payne e Romanov: “Havia nobres que possuíam grande número de cidades e vilas, e viviam em luxo espantoso. Uma classe de ricos comerciantes atacadistas começava a alcançar a preeminência[...] Controlavam os empórios de cereais e os mercados de peles, financiavam frotas pesqueiras no longíquo Norte, negociavam com a Pérsia, os Países Bálticos, a França e a Itália.”
                No Inverno, quando os rios congelavam, “as barracas, antes dispostas na Praça, eram reinstaladas sobre o gelo do Rio Moskva, que se tornava um campo de feira, um mercado de gêneros e todos os artigos[...] Trenós, barris de madeira, potes e panelas, gado, cavalos, aves, pão e toda espécie de alimento, eram vendidos ali sobre o gelo”
                Em 25 de agosto de 1530[7], nasceu um homem que se tornaria um dos mais perversos da História da Rússia. Ivan, Groznii, ou Ivan, o Terrível. O primeiro czar in facto da Rússia.
                O czar começou a esboçar uma política que se tornaria intrínseca à Rússia por séculos, ele garantiu à nobreza guerreira, os pomeshchik, o direito de determinar o nível das rendas a serem coletadas dos camponeses, sendo assim, os camponeses passaram a pagar impostos aos senhores , tornando estes senhores in facto da força de trabalho (servidão)
                Os boiardos nessa época exerciam um poder de conspiração tremendo que logo que ascendeu, em um universo de conspiração e intriga, Ivan IV (Ivan, o Terrível) começou a liquidar alguns boiardos com que ele não simpatizava, ao formar sua guarda pessoal, a Oprichinikha. O primeiro esboço de repressão à população russa.
                Essa repressão, segundo Anderson, “por vezes, as agitações que promovia nas cidades, a dilaceração do sistema fundiário e a superexploração do campesinato foram causas diretas do colapso centrífugo absoluto da sociedade moscovita nos últimos anos do reinado de Ivã IV.
                O grão czar foi acumulando mais e mais poder, os comerciantes acabaram sendo pegos por uma sólida recessão econômica e os pobres acabaram sendo absorvidos pouco a pouco pela servidão, tanto que, os sucessores de Ivan IV, como Godunov, trabalharam para isso só crescer. Godunov, por exemplo, “baixou um decreto em 1592 ou 1593, proibindo toda a mobilidade dos camponeses até determinação em contrário[...] ‘Esse decreto foi o ponto culminante das medidas de servidão do final do século XVI e princípio do século XVII’”[8].
                Os pomeshchik acabaram perdendo a sua força com o passar do tempo, tendo em vista que constituíam a parcela mais baixa da nobreza, e não tendo muita possibilidade de ascenderem socialmente acabaram perdendo sua força diante aos boiardos que continuavam fortes e isso só foi se agudizando até que por fim essa classe acabou desaparecendo.
                Em todo o caso com a ascensão de Pedro,o Grande, tenha firmado em si a estrutura social russa. Pedro I sabia que a Rússia estava atrasada tecnologicamente e tentou fazer ao máximo para retirar essa desvantagem dos ombros da Rússia.
                Uma das medidas tomadas por Pedro I quanto à questão social foi sem dúvida a alteração do sistema de ingresso para a nobreza.
                Como Marc Raeff enfatiza em seu livro, Imperial Russia 1682-1825, The Coming of Age of Modern Russia, a nobreza era uma porção extremamente pequena nessa época (entre 0,5% a 1% do total, dados de Raeff) e não supria as necessidades do Czar. Assim ele estabeleceu que a nobreza não mais seria somente qualificada pelo número de terras, mas por nascimento e serviço (Rod i chin) . Assim, o status  de nobre acabou sendo estendido aos funcionários públicos[9]
                Segundo Raeff, Pedro I compilou e numerou, com o auxílio de seus ministros e assessores, as graduações de nobreza, de boiardos, a quem à corte agora formavam e que cabiam os mais altos postos do aparato estatal e militar.
                Depois vinham outros escalões, como a nobreza de gleba (da qual, em período posterior, o pai de Lênin, Ilya Ulianov, fazia parte[10]) que era a nobreza que era fundamentade pelos funcionários públicos que adquiriam esses cargos por mérito, clientelismo, ou mesmo por tempo de serviço (ex-servos, comerciantes e membros integrantes de nobrezas locais poderiam fazer parte dessa escala), ao contrário dos títulos mais altos, a nobreza de gleba possuía uma dificuldade maior de se tornar hereditária.
                Quanto aos servos, esses continuaram engessados às propriedades rurais dos grandes senhores de terra e Pedro, o Grande nada fez para mudar isso.
                E assim perdura a estrutura social na Rússia, segundo Raeff, sem grandes alterações, até Nicolau I extinguir o enobrecimento automático e hereditário com a abolição da Tábula dos Cargos[11] já no início da Contemporaneidade.
                Embora pareça ter sido mostrado de forma mecânica tal transformação social na Rússia, durante a Modernidade, apercebe-se que as transformações sociais que vieram a trazer uma estrutura de dominação e exploração na Rússia que perdurou até a queda do transcontinental Império dos Romanov em 1917.
                Há quem qualifique que a modernidade na Rússia tenha servido de modelo para o modelo repressivo estabelecido na União Soviética, em certa maneira, mesmo que indiretamente, isso não deixa de ser uma verdade. Afinal de contas, a Oprichinikha de Ivan, o Terrível, em muito se assemelhava ao NKVD de Stálin, e muitas das ações tomadas por Stálin estavam fundamentadas nos exemplos passados de Ivan, o Terrível, a quem segundo relatos de membros próximos ao líder soviético, era como “um professor”[12] de Stálin.
                O relativo atraso da Rússia Moderna em relação ao ocidente, tanto tecnologicamente quanto politicamente, influiu de certa maneira na estrutura social que apenas foi ruir em outubro (novembro) de 1917.
                Nem tomei como estudo a questão das nacionalidades, pois essa questão é de modo demasiado complexa, e creio que não haja como pontuar no que um dia chamo de resenha de várias leituras, em todo o caso, a estrutura social russa é marcada por uma opressão que surge desde Ivan IV, perdura por seus sucessores, chegando a  Pedro, o Grande e ao final do Império em  1917.
                A exploração dos camponeses e alguns problemas sociais atuais à Rússia que também foram pontuados nas leituras em que baseei essa resenha também mostram-se com opiniões minhas sobres os tópicos.
                Tentei desvencilhar-me ao máximo do âmbito político, mas quando se torna impossível tangê-lo, enumero as questões mais importantes para com as transformações sociais que seguiram-se na Rússia Moderna.
               




[1] ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: 1989. Pág. 328.
[2] PAYNE, Robert e ROMANOV, Nikita. Ivã, o Terrível. Rio de Janeiro: 1975. Pág. 9.
[3] ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: 1989. Pág. 328.
[4] PAYNE, Robert e ROMANOV, Nikita. Ivã, o Terrível. Rio de Janeiro: 1975. Pág. 12.
[5] Idem ao último.
[6] Idem , pág 13.
[7] Calendário Juliano
[8] ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: 1989. Pág. 333.
[9] RAEFF, Marc. Imperial Russia 1682-1825, The Coming of Age of Modern Russia. New York: Knopf: 1971. Pág. 103.
[10] WILSON, Edmond. Rumo à Estação Finlândia.
[11] RAEFF, Marc. Imperial Russia 1682-1825, The Coming of Age of Modern Russia. New York: Knopf: 1971. Pág. 105.
[12] MONTEFIORE, Simon Sebag. A Corte do Czar Vermelho.

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