Uma mulher conversou comigo
na luz das sombras e do luar
eu não escutei nada e fiquei perdido
fui para longe pro meu lugar
Nunca mais esqueci seus cabelos longos
Um belo tormento para o olhar
Abandonei leis e parentes,
beijei Sol e Lua
até meu destino vir
e me levar
Como pude permitir
Com o lápis nas mãos
ficar de cabelos grisalhos
na coroa imperial da minha juventude?
Confesso que vi gazelas deitarem o peito no Universo
E peixes vermelhos pisotearem pobres oceanos
mas não recordo de lágrimas tão dolorosas,
lágrimas de sangue, que exilaram meu peito
quando o meu coração partiu
Condenados a desaparecer nas paredes,
esses pequenos versos encontraram caminho
de ida e volta para longe nas estrelas
A lua me fitou,
e através dos meus olhos,
assustou um gato
O medo tem olhos enormes
e ideias geniais
à espera de um pouco de surpresa
no adormecer de uma vida
Nunca mais esqueci essa mulher,
um tormento para o olhar
Que até hoje me mete medo
Só em pensar em lembrar
domingo, 29 de junho de 2014
Diálogos esquizofrênicos
Meu papel de livreto
Não corre devagar
No beijo do soneto
O verso regular
Não tem graça
Nessa mesa de bar
Deixe-me cantar
Duas páginas
e meia ciranda
de ninar
Caderno de papel
De menino levado
De letras grandes
e gesto desconfiado
É nada menos
que um pequeno véu
Na infância perdida
de um poeta fracassado
Aquarela vermelha
Ciranda amarela
É essa noite
que vem e que gela
Eu sou menino
que finge saber ler
e acha poder escrever
Eu sou garoto
que não sabe soltar pipa
e só quer saber de mulher
Nunca corri atrás de gafanhotos
Nunca subi em pé de mangueira
Sou mimado demais
para ser deixado pra trás
Já briguei muito na escola
Sempre saia perdendo
Mas o que não saia perdendo
Era minha dignidade de brigador
Por vezes minha mãe me batia
Por vezes ela discutia
Só sei que ela me atura
Nessa grande ditadura
Cadê meu caderno?
Cadê meu lanche?
Pode amarrar meu sapato?
Pois é, sou muito folgado
Cuidado comigo,
eu posso crescer
E sabe de uma coisa?
Não estarei com você...
Sou embalado a jato
Sou menino ingrato
Eu sou garoto
que não sabe soltar pipa
e só quer saber de mulher
Poeta fracassado
Na infância perdida
cidadão de papel
Marcha soldado
Cabeça de papel
senão marchar direito
Vai preso pro quartel
"Seu prezado escritor
que não sabe pescar
o maço de papel
sem fazer garrancho
Sou eu que sou criança
e você que finge ser adulto
deixe eu ser você
e você ser eu
e aí tá tudo certo
comigo e contigo
Quero uma pinta de soneto
Dois quartos de terceto
e um beijo no rosto
daquela menina do retrato
Também quero que escreva
O quanto você chora que
nem criancinha de duas às seis
E depois corre como adulto
ganhar dinheiro das oito às doze
Cadê você?
Você, seu velho?
Cadê você
que se esconde
nesse fio de bengala?
Está achando que eu te esqueci
Onde mais teria te encontrado
senão na minha mente
Seu velho inconsequente
Já não basta ter babado
enquanto estava dormindo
ou ter se aposentado
enquanto estava vivo?
Que velho imprestável
nem quer escrever nada
seu cidadão instável!"
'Quando eu era jovem
As pessoas tinham mais respeito
Eu tinha mais peito
E batia vento na viagem
Quando era jovem
eu escrevia muitos papéis
que hoje eu lembro e sorrio
Na burrice da vida da juventude
As rugas me ensinaram um defeito
que é ser jovem e idealista
Quando criança era mimado
E quando jovem era safado'
"Mas que velho imbecil!
Eu ainda sou criança
Beijo a minha pança
E olho meu umbigo"
e eu sou tão safado
que volta e meia
eu olho para o passado
Eu sou moleque
que joga no videogame
puxa um chimarrão de vez em quando
e brinca de beijar mulher
Sou velho, sou novo
Sou poeta, sou pecador
Sou antes de tudo esquisofrênico
E amargo sofredor
Pois sou poeta, sou velho
Novo jovem, velho poeta
safado, pecador, errado
E sonhador
Acima de tudo
sou louco
de vontade
de voltar
a ser
inconstante
Não corre devagar
No beijo do soneto
O verso regular
Não tem graça
Nessa mesa de bar
Deixe-me cantar
Duas páginas
e meia ciranda
de ninar
Caderno de papel
De menino levado
De letras grandes
e gesto desconfiado
É nada menos
que um pequeno véu
Na infância perdida
de um poeta fracassado
Aquarela vermelha
Ciranda amarela
É essa noite
que vem e que gela
Eu sou menino
que finge saber ler
e acha poder escrever
Eu sou garoto
que não sabe soltar pipa
e só quer saber de mulher
Nunca corri atrás de gafanhotos
Nunca subi em pé de mangueira
Sou mimado demais
para ser deixado pra trás
Já briguei muito na escola
Sempre saia perdendo
Mas o que não saia perdendo
Era minha dignidade de brigador
Por vezes minha mãe me batia
Por vezes ela discutia
Só sei que ela me atura
Nessa grande ditadura
Cadê meu caderno?
Cadê meu lanche?
Pode amarrar meu sapato?
Pois é, sou muito folgado
Cuidado comigo,
eu posso crescer
E sabe de uma coisa?
Não estarei com você...
Sou embalado a jato
Sou menino ingrato
Eu sou garoto
que não sabe soltar pipa
e só quer saber de mulher
Poeta fracassado
Na infância perdida
cidadão de papel
Marcha soldado
Cabeça de papel
senão marchar direito
Vai preso pro quartel
"Seu prezado escritor
que não sabe pescar
o maço de papel
sem fazer garrancho
Sou eu que sou criança
e você que finge ser adulto
deixe eu ser você
e você ser eu
e aí tá tudo certo
comigo e contigo
Quero uma pinta de soneto
Dois quartos de terceto
e um beijo no rosto
daquela menina do retrato
Também quero que escreva
O quanto você chora que
nem criancinha de duas às seis
E depois corre como adulto
ganhar dinheiro das oito às doze
Cadê você?
Você, seu velho?
Cadê você
que se esconde
nesse fio de bengala?
Está achando que eu te esqueci
Onde mais teria te encontrado
senão na minha mente
Seu velho inconsequente
Já não basta ter babado
enquanto estava dormindo
ou ter se aposentado
enquanto estava vivo?
Que velho imprestável
nem quer escrever nada
seu cidadão instável!"
'Quando eu era jovem
As pessoas tinham mais respeito
Eu tinha mais peito
E batia vento na viagem
Quando era jovem
eu escrevia muitos papéis
que hoje eu lembro e sorrio
Na burrice da vida da juventude
As rugas me ensinaram um defeito
que é ser jovem e idealista
Quando criança era mimado
E quando jovem era safado'
"Mas que velho imbecil!
Eu ainda sou criança
Beijo a minha pança
E olho meu umbigo"
e eu sou tão safado
que volta e meia
eu olho para o passado
Eu sou moleque
que joga no videogame
puxa um chimarrão de vez em quando
e brinca de beijar mulher
Sou velho, sou novo
Sou poeta, sou pecador
Sou antes de tudo esquisofrênico
E amargo sofredor
Pois sou poeta, sou velho
Novo jovem, velho poeta
safado, pecador, errado
E sonhador
Acima de tudo
sou louco
de vontade
de voltar
a ser
inconstante
Sem nome
O completo enigma
É encontrar o vazio
E ver o cheio
Pois no papel branco
se encontra perdido
E na escuridão do Espaço
se encontra acolhido
No branco dos seus olhos
Vejo a palidez de seu rosto
E tenho na ponta do lápis
A escrita de uma rima
"Olhos obscuros,
mente vazia
Onde é que se cria
Interminável escuro"
Tá certo que não rima
Mas quem disse que
você não tem mente vazia?
Voltando à história
Encontro no papel branco
O papel higiênico
De coisas que nos aconteceram
Quem diabos esconde-se atrás desses olhos?
Será um anjo ou Mefistófeles?
Não sei bem o que dizer
Não espero que me ouça
E se me ouvir que não repita
Pois é nada mais profano
Do que dizer eu te amo
No leito de uma cama
Mas quem foi que disse?
Não ouço nada?
Não vejo nada?
Quem foi esse suspiro?
São duas da madrugada
E estou com muito sono
Quero dormir
Que sonho mais louco
Estou tolo? Ou estou bêbado
São duas da manhã
E tudo que vejo está mais vazio
do que cheio
E apenas as estrelas são companhia
Nessa noite fria.
Ah, estou ficando meio demente
E essa prosa está ficando
um tanto deprimente
Quero seguir levando...
É encontrar o vazio
E ver o cheio
Pois no papel branco
se encontra perdido
E na escuridão do Espaço
se encontra acolhido
No branco dos seus olhos
Vejo a palidez de seu rosto
E tenho na ponta do lápis
A escrita de uma rima
"Olhos obscuros,
mente vazia
Onde é que se cria
Interminável escuro"
Tá certo que não rima
Mas quem disse que
você não tem mente vazia?
Voltando à história
Encontro no papel branco
O papel higiênico
De coisas que nos aconteceram
Quem diabos esconde-se atrás desses olhos?
Será um anjo ou Mefistófeles?
Não sei bem o que dizer
Não espero que me ouça
E se me ouvir que não repita
Pois é nada mais profano
Do que dizer eu te amo
No leito de uma cama
Mas quem foi que disse?
Não ouço nada?
Não vejo nada?
Quem foi esse suspiro?
São duas da madrugada
E estou com muito sono
Quero dormir
Que sonho mais louco
Estou tolo? Ou estou bêbado
São duas da manhã
E tudo que vejo está mais vazio
do que cheio
E apenas as estrelas são companhia
Nessa noite fria.
Ah, estou ficando meio demente
E essa prosa está ficando
um tanto deprimente
Quero seguir levando...
O medalhão de ouro
"Unter einem gewissen Gesichtspunkt scheint der Unterschied zwischen absolutem und relativem Mehrwert berhaupt hinfällig." Das Kapital, p. 477.
Nada mais assustador do que encontrar uma frase em fluente alemão acadêmico na sua frente, talvez pelos encontros consonantais, talvez pelas palavras longas ou pelo simples preconceito que nós temos ao admirarmos mais a língua alemã do que a nossa. A barreira linguística é a maior barreira cognitiva que possuímos como seres virtuosamente humanos, visto que temos uma capacidade de ter medo de errar, e um ódio claro ao erro.
Por isso é meio complicado quando você se depara com uma frase de Marx bem na sua frente, justo do Capital; Mas isso não quer dizer que eu desmereça a língua de Goethe, que por sinal não é a coisa mais simples do mundo, mas estou desmerecendo a nossa falta de capacidade em tentar entendê-la; já temos uma preguiça metodológica em tentar nos esforçar.
Eu queria dizer que essa preguiça é uma característica inerente ao ser humano, mas essa é uma antropologia geral do Homem que eu não desejo nem aprovo tentar utilizar; o nosso espírito em não tentar buscar a verdade pelo esforço, mas pelo simples caráter diletante mostra o Complexo do Medalhão:
A Teoria do Medalhão a primeira vez que foi vinculada não foi por ninguém menos que Machado de Assis, numa crítica aos falsos intelectuais que primavam por um conhecimento vago de um determinado assunto, um rebuscamento linguístico e um completo desconhecimento sobre qualquer assunto específico.
Nesse escrito, Machado ironiza o esforço do pai em ensinar ao filho em como ser um picareta intelectual. Teorizando o máximo juízo do dever ser acima do ser completamente, o filho deveria parecer inteligente e culto ao invés de ser na realidade. De modo que nesse conto, Machado escreve algumas máximas de que para ter um medalhão (um posto de importância), seja na política, no serviço público, no comércio ou na imprensa, é preciso falar bonito, usar termos rebuscados, adotar hábitos de corte, como jogar uíste, bilhar e saber se utilizar de artimanhas para se sobressair aos outros.
A artimanha é de se parecer intelectual, utilizar expressões estrangeiras, mencionar aforismos de clássicos, ou mesmo inventar frases atribuindo a tais atores para exercer uma relevância intelectual. Tem-se que se ignorar os debates modernos e se manter a margem das discussões contemporâneas, prendendo-se a velhos paradigmas, "porque o método de interrogar os próprios mestres e oficiais da ciência, nos seus livros, estudos e memórias, além de tedioso e cansativo, traz o perigo de inocular ideias novas, e é radicalmente falso". De modo que se deve "assenhorar do espírito daquelas leis e fórmulas" pois só assim se conseguiria o medalhão.
O medalhão é por natureza um teorema que vai contra a ciência, e justamente Machado que denuncia isso, pois a ciência se move por inquietações e dúvidas e não pela capacidade de comodismo, um comodismo intelectual de se aceitar verdades absolutas, ou simplesmente se aceitar a negação, para se passar por intelectual.
Para isso o Medalhão não pode apenas parecer intelectual ele tem que deixar publica a sua própria capacidade intelectual, e " a publicidade é uma dona loureira e senhorial, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimam a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição. Que Dom Quixote solicite os favores dela mediante ações heróicas ou custosas pois é a mania deste ilustre lunático. O verdadeiro medalhão tem outra política. Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos."
Assim, o Medalhão além de ser contra o desenvolvimento científico, pois a ele não interessam os debates sobre assuntos determinados, ou mesmo prolongações acadêmicas, ele não vê a necessidade de ações heróicas para si, não quer tomar para si um papel ativo de ações pois isso seria coisa para um lunático e que o Medalhão, novamente voltando a discussão acadêmica, não escreve tratados científicos, utiliza-se de uma coisa concreta, o carneiro para promover sua própria publicidade. Assim do campo filosófico, o Medalhão não vive do campo filosófico, ele se baseia no campo concreto para conseguir um objetivo imaterial que é prestígio.
E o cunho publicitário do Medalhão deve ser barato e constante. Mas por que cheguei ao Machado? Na verdade a questão é que o medalhão no início do conto do Machado (Teoria do Medalhão) entre o um pai e um filho quando o rapaz chega aos 21 anos de idade é evidenciar um comportamento social que existe numa parte da elite social. O pai mostra ao filho que o caminho para ascensão social não é de forma alguma o conhecimento, diferente disso, é a capacidade que ele tem em parecer ser profundo conhecedor e se utilizar dessa capacidade para se mostrar à sociedade. É uma ótica de corte.
Contudo o Medalhão é o cargo mais influente que alguém com "vinte e um anos, algumas apólices (ações), um diploma" pode chegar, mesmo podendo "entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes", pois um medalhão em tese é indivíduo nulo que ainda assim é importante por exercer o papel social de figurão, de modo que ele por si mesmo não tem um papel real, mas as suas boas amizades o conduzem para um estamento social relevante.
O Medalhão é uma pessoa que se escora no estado, que se vê confortável em não exercer um esforço totalmente perigoso, afinal é mero amigo do Rei, um parasita que se apoia de outro parasita que é o Estado, que realmente não está disposto a produzir, mas viver de renda: seja pensões, seja títulos do governo, ou mesmo de contratos com o Estado. Ele não trabalha, mas não tem vergonha por não trabalhar porque para o resto da vida ele viverá dessa forma.
O Medalhão é o ser que finge ser apto para uma função, mas não tem papel ativo nas discussões, finge saber ler, mas não consegue interpretar um texto; é um ser que ambiciona em ser mais esperto que os outros para manter um posto estável e importante para o resto da vida, e bem, é aí que entendemos que o Medalhão hoje é o funcionário público.
Sim, não é a toa que os pais recomendam hoje aos filhos com 21 anos a procurarem um concurso, não importando o que querem na vida, que eles sejam concursados pois assim terão uma profissão estável para o resto da vida.
Para ser Medalhão antes você tem que fazer uma prova concorrida, pois muitas pessoas hoje querem ser o Medalhão da história, andar de Camaro Amarelo, ter uma casa, viajar para o exterior quando quiser, ganhar quinze mil reais ao mês e não trabalhar mais do que quarenta horas por semana. O conteúdo do concurso não é fácil, mas não é preciso ser um Nikola Tesla para passar numa avaliação dessas, afinal a fórmula do Medalhão ainda serve (não precisa ser necessariamente inteligente, mas parecer inteligente), ou seja recorre-se à "decoreba", posteriormente ninguém lembra do que estudou. E não importa também, o que importa é que passou.
O Medalhão é um intelectual medíocre com o bolso cheio de dinheiro, e quem não quer ser um? Melhor do que isso é nascer milionário. Não estou dizendo que todo funcionário público é um medalhão, pelo contrário estou dizendo que todo medalhão costuma ser funcionário público.
Mas retomando ao Medalhão, que coisa há de se fazer num país tão rico onde se coletam medalhões? Ser um. E esse é o problema o Estado conserva tantos medalhões que o seu pescoço começa a ficar pesado, e por esse motivo as contas públicas esse ano estão demorando pra ser fechadas. A responsabilidade fiscal de um estado esbarra na segurança social justamente de um estamento que o usa pra explorar: Os medalhões;
Então estamos nessa conjuntura de ouro dos trouxas, onde não há diferença absoluta no que vem a ser absoluta do excedente, pois afinal de contas tenho que retornar a citação do Marx: ""Sob um certo ponto, a diferença entre o mais-valia absoluta e relativa aparece em tudo obsoleta"", sob um certo ponto o valor da a mais-valia é produto da exploração direta de um estamento social sobre outro, e nesse caso, analisamos o Estado, de modo que a mais valia que o Estado impõe ao trabalhador na forma de impostos é o que financia a continuidade dos medalhões.
A mais-valia é o meio da exploração de um pelo outro, e de modo que o Medalhão ao explorar do próprio Estado, explora o trabalhador, não só o trabalhador das fábricas e oficinas, mas o trabalhador dos consultórios, das escolas, dos comércios; então de um ponto de vista macrossocial o Medalhão é nocivo socialmente e é antissocial; Contudo a predisposição de tantos em alimentar o escalão dos medalhões mostra que isso inevitavelmente comporá um regime cíclico do inchaço do Estado que não só acabará com a economia, mas trará problemas futuros dentro de alguns anos.
A mais-valia é o meio da exploração de um pelo outro, e de modo que o Medalhão ao explorar do próprio Estado, explora o trabalhador, não só o trabalhador das fábricas e oficinas, mas o trabalhador dos consultórios, das escolas, dos comércios; então de um ponto de vista macrossocial o Medalhão é nocivo socialmente e é antissocial; Contudo a predisposição de tantos em alimentar o escalão dos medalhões mostra que isso inevitavelmente comporá um regime cíclico do inchaço do Estado que não só acabará com a economia, mas trará problemas futuros dentro de alguns anos.
sexta-feira, 27 de junho de 2014
Hospital de interior
O hospital de Prestígio, um desses pequenos recantos perdidos no
interior do Brasil, era uma construção deprimente de três pavimentos na avenida
central da cidade. Muito longe de um hospital de renome, era uma construção sem
graça que não se destacava dentre as outras. Na minha vida eu tive a
oportunidade de ver vários edifícios, arranha-céus, casarões, palacetes e
torres, mas esse hospital foi algo que gravou-se em minha memória.
Rebocada e pintada de branco, com telhas portuguesas meio
escurecidas, a construção tinha uma fachada semi-destruída que lhe assemelhava
a uma velha corcunda, pequena e de touca. Ali em frente tinha um desgastado
jardim na entrada onde a terra vermelha tecia redemoinhos diante da ação do
vento parado. Na verdade tudo naquela cidade era meio parado.
As persianas do hospital sempre estão fechadas, afinal para os
moribundos que vão ao encontro da morte qualquer fonte de luz é dispensável
frente a dor de toda sorte de moléstias. Não se abrem as janelas pois os
pacientes não podem sentir o ar fresco sem chorarem de tristeza. E o restante
da humanidade se agrada com um pouco mais de ignorância.
Ignorância afinal era algo que não compartilha o doutor Reinaldo
Peixoto, o jovem médico que tentava dar um pouco de ordem ao lugar onde os funcionários
públicos são peritos em se coçar. Era estranho que aquele jovem rapaz tenha
vindo para um lugar tão esquecido no meio do nada. No verão, o local é tão
tórrido e abafado e no inverno tudo fica ligeiramente viciado e cheio de um
completo tédio, isso era bem diferente do calor pulsante da capital, dos cafés,
restaurantes e boates. Das paqueras, das viagens e de toda aquela sorte de
gente que pensava em algo maior que um simples reumatismo.
Mas estranhamente Reinaldo gostava de trabalhar naquela clínica de
interior, de paredes de azulejos meio sujos e uma atmosfera causticante de água
sanitária de hospital. Os doentes, todos ligeiramente velhos, agonizavam de dor
num canto e noutro esperando os últimos suspiros no Hospital. Reinaldo era o
único médico no hospital, os outros se cansaram daquele lugar entediante e
foram para outro canto no estado.
O salário era um assassinato, todos os dias tinha que contar as
moedas para um cafezinho, a prefeitura não pagava em dia e volta e meia faltava
aspirina, mas ele estranhamente não reclamava, viver num hospital de interior é
conhecer pessoas como simples pessoas.
Numa dessas tardes, o clínico-geral estava sentado na emergência,
sem nada para fazer. Apenas observando a segunda fileira de pacientes enquanto
puxava um trago de seu cigarro; Os pacientes só apareciam cada vez mais, só
naquela manhã ele tivera que atender o velho Gurgel, da mercearia, que
novamente teve um ataque de pressão:
“Manere no sal, seu Gurgel”, disse
enquanto tirava a sua pressão.
Teve que atender Dona Maria que
tinha uma dor nos quadris e a velhinha logo se dedicou a mostrar fotos de seus
cinco netos:
“Esse é o Albertinho, ele é tão
inteligente que chega a parecer com
você, doutor. Ele já sabe a tabuada de cabeça,
nunca vi criança mais inteligente. Pena que passe muito tempo no
computador, nessa coisa; Feice, feice, Feicebouk, sabe?”
Ainda teve que atender a filha do
delegado Nogueira que estava com uma virose pesada:
“Sua garganta está toda inflamada,
menina, você está cheia de pus aqui na altura da laringe. Vou receitar uns três
antibióticos para ver se isso resolve.”
E por fim teve que aguentar a
pregação da beata Joana:
“O sangue de Jesus tem poder, se não
fossemos imperfeitos frente ao senhor não teríamos doenças ou moléstias, estaríamos
junto deles no paraíso cuidando de nossa felicidade. Não precisaríamos de
remédios ou esparadrapos”
“Pois é, sem remédios ou
esparadrapos você pode encontrar-se com ele mais cedo, então? Topa?” — troçou.
Mas de repente, não mais que de
repente, ele parou e foi fumar o cigarro. Seus olhos enrugaram rapidamente e
ele olhou para a segunda fileira, seus olhos reviraram, mas não tinha ninguém
especial ali, apenas Dona Silvana e sua filha Mariana. Sua respiração parou,
ele afastou o cigarro, inclinou-se para frente e... atchim. Espirrou como vocês
mesmo perceberam, não há nada errado em espirrar, do gari ao presidente da
República todo mundo espirra, é quase um vocabulário universal dos doentes. Mas
um médico não pode pensar em espirrar.
Reinaldo nem por um instante ficou
embaraçado até encontrar o filete de catarro verde escorrendo de suas narinas,
rapidamente encolheu o lenço com vergonha sobre o nariz, mas já era tarde todo
mundo na segunda fileira tinha visto.
Reinaldo deu uma tossidinha para o
lado e tentou fazer um charme, mas o estrago já estava feito. Continuou a
atender a todos normalmente, mas toda vez que olhava para a segunda fileira,
dona Silvana tecia um olhar de nojo e Mariana sorria.
Mariana era sua companhia quase
todos os dias, ainda jovem, era uma morena levada com jeito de moleca que
sorria do jeito rigoroso de doutor Peixoto, não que tivesse rostos novos todos
os dias em que ia trabalhar, mas Mariana era uma figura diferente. Não era
bonita, nem feia, também não era tão especial quanto parecia ser, era apenas
uma menina de interior que tinha uma paixonite pelo doutor.
Doutor esse muito profissional, que
não podia pensar em sair com a filha de suas pacientes, ainda que fosse jovem.
Dona Silvana era uma pessoa visivelmente séria que depois da descoberta de seu
câncer de colo de útero ficou mais séria ainda, quase não conversava com outros
pacientes e ficava impaciente quando ia fazer os exames na capital.
— Como vai doutor? — apertou-lhe a
mão.
— Bem, dona Silvana. O que posso
fazer pela senhora, hoje? — E apertou a mão de Mariana, que ainda aos risos, também o cumprimentou — Como
vai, Mariana?
— Nada em especial, vim trazer o
resultado daqueles exames.
— Ah, sim, vamos ver isso...
Pegou o papel das mãos da senhora e
foi até sua mesa tentar ler mais um pouco, dona Silvana o acompanhou com os
olhos, ainda com o olhar de nojo; Mariana continuava sorrindo.
— Bom, deixe-me ver... — Começou a
ler — O câncer parece estar regredindo, o tratamento de quimio está dando
efeito, isso quer dizer que demos a sorte de identificar o câncer cedo.
— E quanto ao órgão? — Disse meio
constrangida.
— Pelo que eu vejo, não precisa
retirar. Vamos ver nos próximos meses.
— Ah, obrigado, doutor. Você não
sabe o quanto isso me deixa tranquila agora.
— Sim, foi uma sorte. O grau do
câncer está baixando, ainda assim vamos ter que continuar com o tratamento de
quimio. A sua filha pode continuar te acompanhando? Você sabe que a partir de
agora você vai ficar mais debilitada, com os corticoides e toda a química.
— Sim, doutor, eu compreendo.
Reinaldo continuava estranhando o
comportamento das duas, em todo caso não fez muito caso da situação, até que de
repente, dona Silvana ao sair comentou:
— Doutor, que mal me pergunte: Mas por que o
senhor está sem suas calças?
Mariana teve um ataque de risos na
hora e a mãe também teve que se conter. Quando Reinaldo olhou para baixo e
percebeu que estava sem suas calças tentou se cobrir com a camisa com as maçãs
do rosto vermelhas que nem um tomate.
— Ora, mas que coisa inconveniente!
Como isso aconteceu?
E suas calças tinham saído quando
tinha espirrado.
Foi quando acordou e se encontrou
dormindo em cima do divã da sala de espera.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
Brasília
Quando penso nos imensos jardins
Carregados de ipês, jatobás e buritis
Lembro-me da grama queimada
de julho, da secura de agosto
E do calor causticante da seca
Os pilotis, os blocos de concreto
Ficam cada vez mais impessoais
Numa anedota modernista
Em plena savana brasileira
A terra vermelha tornar-se um barro duro
Uma madeira porosa que carece d'água
E a despeito da artificialidade dos prédios
Do urbanismo matemático
Sobrevivemos dia após dia
Brasilia das curvas
Brasília dos traçados das tesourinhas
Brasília dos blocos de pilotis da 400
Ou dos prostíbulos da W3
Brasília dos ministérios
Do pastel da Viçosa
Do Conic e Conjunto Nacional
Brasília dos oportunistas
Dos trabalhadores
E dos jovens vagabundos
Brasília dos bares,
das igrejas,
dos protestos
Mas não de praia
Brasília é tão vibrante
Tão quente
E tão parada ao mesmo tempo
Ela é tão inconstante
Tão alucinante
Que só poderia ser mulher
Nunca sei o que Brasília espera
Nunca desejo entender o que ela gera
Os apartamentos funcionais,
O Eixo Monumental,
Os jardins da UnB
Onde está o parque da cidade?
Será um parque ou um parkshopping?
Onde estarão as escolas?
Serão escolas-parque ou será o LaSalle?
O ponteiro do relógio
de Taguatinga
censura o atraso
E o busto do memorial JK
Aponta para um futuro clandestino
A Catedral toca os seus sinos,
A Biblioteca Nacional não tem livros
Um bicicletário dentro da rodoviária
Para um mundo engarrafado de girassóis
Nos arcos delgados do CCBB
Dos anéis dos salões da Câmara
Das sessões noturnas do Cinebrasília
Observado de longe pelo arranha-céu do Banco Central
A grande fazenda de Luziânia
Cresceu e virou capital do Brasil
Na forma do arquiteto descuidado
Brasília nasceu da poeira e do barro
A Torre de Tevê
O Palácio do Itamaraty
O CCBB
A sombra do buriti
Brasília é uma cidade estranha
De grama queimada
e árvores retorcidas
Brasília não tem morro,
também não tem praia
Não tem esquinas
Somente ruas sem nome
Pegue seu camelo
E desbrave esse deserto
No meio do Planalto Central
Carregados de ipês, jatobás e buritis
Lembro-me da grama queimada
de julho, da secura de agosto
E do calor causticante da seca
Os pilotis, os blocos de concreto
Ficam cada vez mais impessoais
Numa anedota modernista
Em plena savana brasileira
A terra vermelha tornar-se um barro duro
Uma madeira porosa que carece d'água
E a despeito da artificialidade dos prédios
Do urbanismo matemático
Sobrevivemos dia após dia
Brasilia das curvas
Brasília dos traçados das tesourinhas
Brasília dos blocos de pilotis da 400
Ou dos prostíbulos da W3
Brasília dos ministérios
Do pastel da Viçosa
Do Conic e Conjunto Nacional
Brasília dos oportunistas
Dos trabalhadores
E dos jovens vagabundos
Brasília dos bares,
das igrejas,
dos protestos
Mas não de praia
Brasília é tão vibrante
Tão quente
E tão parada ao mesmo tempo
Ela é tão inconstante
Tão alucinante
Que só poderia ser mulher
Nunca sei o que Brasília espera
Nunca desejo entender o que ela gera
Os apartamentos funcionais,
O Eixo Monumental,
Os jardins da UnB
Onde está o parque da cidade?
Será um parque ou um parkshopping?
Onde estarão as escolas?
Serão escolas-parque ou será o LaSalle?
O ponteiro do relógio
de Taguatinga
censura o atraso
E o busto do memorial JK
Aponta para um futuro clandestino
A Catedral toca os seus sinos,
A Biblioteca Nacional não tem livros
Um bicicletário dentro da rodoviária
Para um mundo engarrafado de girassóis
Nos arcos delgados do CCBB
Dos anéis dos salões da Câmara
Das sessões noturnas do Cinebrasília
Observado de longe pelo arranha-céu do Banco Central
A grande fazenda de Luziânia
Cresceu e virou capital do Brasil
Na forma do arquiteto descuidado
Brasília nasceu da poeira e do barro
A Torre de Tevê
O Palácio do Itamaraty
O CCBB
A sombra do buriti
Brasília é uma cidade estranha
De grama queimada
e árvores retorcidas
Brasília não tem morro,
também não tem praia
Não tem esquinas
Somente ruas sem nome
Pegue seu camelo
E desbrave esse deserto
No meio do Planalto Central
quarta-feira, 25 de junho de 2014
Novos paradigmas na sociedade brasileira
A ascensão e emergência de um novo estamento social é um tema novo de estudo para os sociólogos hoje no Brasil. Grandes parcelas da população brasileira que antes estavam abaixo da linha da pobreza se encontraram na maior distribuição de renda não só promovida por um governo onde há um assistencialismo embutido (que querendo ou não utilizou-se das reservas monetárias da agro-exportação para promover a alteração dos padrões de distribuição de renda), como também a economia brasileira assistiu um momento de franca expansão na abertura do Brasil ao mercado das commodites em 2002 até 2010. Essa abertura confere hoje ao Brasil a posição de um dos celeiros do mundo.
Em um contexto macroeconômico o aumento da democratização da classe média, com o alargamento substancial das fileiras da classe média baixa trouxe mudanças e um substancial aumento do mercado consumidor que atualmente é a fonte com o qual o governo trabalha para o crescimento brasileiro não caía ainda mais do que se espera no mercado internacional.
A despeito disso, é curioso que esse novo estamento social; diferente da antiga classe média tradicional de profissionais liberais, médio comerciantes e funcionários públicos, esteja cada vez mais sendo foco da atenção não só da mídia, como das empresas e do governo. A "nova classe média" era uma invenção no momento que o IBGE mudou os padrões para avaliar os estamentos sociais, ainda há uma linha de distorção das desigualdades que é bem visível, mas o que caracteriza esse novo estamento social.
A "nova classe média" é originalmente nascida no caldeirão de pobreza das periferias e do próprio sertão, são funcionários públicos de baixo escalão, ou mesmo autônomos e técnicos que receberam a valorização de seus salários devido a crescente necessidade de pessoas no mercado de trabalho de transição.
Essas pessoas normalmente são completa conhecedoras de um saber de senso comum, não necessariamente possuem uma educação formal completa, e por essa razão se observa o vício cognitivo para que os seus filhos tenham uma formação intelectual e acadêmica maior que os pais. Uma educação com um retorno bastante prático: Conseguir um emprego como engenheiro, médico ou advogado e trazer um aumento da qualidade de vida familiar. Esse aspecto é bastante positivo, pois as famílias da "nova classe média" não medem esforços para que os seus filhos tenham o melhor tipo de educação possível para que possam passar no vestibular, algo muito semelhante ao que ocorreu na Coreia do Sul.
Ao contrário do que se acredita, a Revolução Educacional sul-coreana nasceu não do estado (que hoje investe 10% do seu PIB em educação), mas do seio familiar onde a antiga cultura agrária marcada pela guerra tomou um fôlego da parte dos patriarcas para que os filhos tivessem o melhor estudo para que fossem estudar em universidades norte-americanas. Hoje a Coreia do Sul é uma referência no campo da tecnologia devido sua alta capacitação intelectual nos campos da engenharia e robótica.
O Brasil está caminhando lentamente nesse sentido, mas está caminhando.
Contudo, o caldeirão cultural desse novo estamento social é algo que merece ser destacado. É um estamento nascido no patriarcalismo do interior, carregado de valores retrógrados como o machismo muitas vezes e às vezes até misógina. A herança cultural desse estamento é de uma sociedade de interior que se urbanizou rapidamente, por isso muitas vezes certas práticas sociais são completamente estranhas.
A incidência de casos de violência à mulher nesse novo grupo social é mais alta do que em outras parcelas populacionais, bem como os casos relacionados a homofobia e maus tratos à criança. Não que outras classes não tenham esse comportamento, mas é um comportamento que incidentemente é maior na nova classe em ascensão, por isso as campanhas de conscientização e um maior rigor da legislação para coibir esses casos e destruir a herança cultural de uma sociedade de cabreiro.
Por falar em cabreiro, esse estamento tenta cada vez mais tomar consciência social ao se informar em notícias, que são vinculadas de forma rápida e facilmente inteligível em jornais diários, folhetins e telejornais. Tal como boa parte da população brasileira, boa parte desse estamento funcional reconhecem as palavras, sabe lê-las, mas tem uma dificuldade de interpretar as notícias de forma crítica. É uma espécie de analfabetismo funcional, isso é comum a muitas culturas americanas, não só as latino-americanas, mas até dentro dos Estados Unidos, onde o cidadão comum norte-americano tem dificuldade de digerir bem todas as notícias que vê no noticiário.
O que é mais notável nesse grupo social é que a despeito das tentativas de um governo trabalhista em promover a renovação social, esse estamento é incrivelmente reacionário, caracterizando o complexo de pequeno-burguesia de Marx; Ele é contra por exemplo políticas de amparo às minorias, é misógino, homofóbico e marcado por uma mentalidade neopentecostalista, possui um rigor moral claro, mas não se desvencilha em nada dos programas de amparo promovido pelo governo, seja bolsas, cotas ou mesmo simples abatimento fiscal.
É um estamento que querendo ou não está sendo criado artificialmente pelo governo, mas que também surgiria normalmente conforme o progresso da economia. Esse estamento ainda marcado pela corrente do populismo e coronelismo do interior é bastante grato pelas mudanças sociais promovidas sob decreto de pena do governo federal e constitui a base eleitoral do governo atual. O que não é propriamente errado, só é uma contextualização.
Eu considero o comportamento dessa nova classe social algo completamente novo para os padrões brasileiros, pois ela tem sede por ter conhecimento, ter emprego e ser integrada na sociedade de igual com outros grupos sociais já existentes, mas ela própria ainda desconhece o real sentido da democracia. Ela condena veemente a corrupção pelo aspecto moral, mas às vezes considera que no âmbito social ela pode ser até aceitável, com relação ao suborno ou o "jeitinho brasileiro".
Essa "nova classe" nasceu marcada por uma cultura da violência, onde a violência passou a ser uma marca social. Ela sabe muito bem o papel perverso do Estado na ação policial, ela não acredita piamente no papel da polícia como garantidor da justiça ou ordem social (e a análise dela é correta), mas também não é muito conivente com o crime, muitas vezes são pessoas desse estamento que acabam engrossando as fileiras do discurso "bandido bom é bandido morto". Essa mentalidade justifica os autos índices de audiência de programas policiais de baixa qualidade na televisão aberta.
O que é mais interessante é o carácter heterodoxo de seu puritanismo, a sua ética protestante para usar a análise de Weber, sim, o neopentecostalismo hoje ameaça as fileiras do catolicismo que demorou muito para se renovar e a sua variação popular conjugada com ritos diferentes dos tradicionais rituais da Igreja seduziu muita gente com promessas de fortunas, dinheiro e ascensão social a partir da fé e do dízimo. É interessante que essa cultura marcada por uma religiosidade cristã bastante clara admita outras crenças no seu interior, seja a ideia de que existe realmente feitiçaria, macumba, que horóscopo possui um fundo de verdade, assim como mapa astral, e até mesmo se possa fazer trabalhos para conseguir o bem de algum familiar. No pior dos casos, as pessoas são levadas por um amor cego à religião que gera um fanatismo tamanho que se cegam a outras realidades, levando a fazerem cirurgias espirituais, pregarem em prostíbulos e profetizar " a única verdade".
É curioso pois ao mesmo tempo que isso é feito, esse estamento também gira em torno do "pecado", do desejo lascivo pelo sexo, pela completa sexualização da sociedade, que admira bem o papel do corpo da mulher, que além do fato, ainda crê que a despeito da religião, o carnaval é um ritual sacro e que a festa não pode ser interrompida em muitos casos, para depois haver a autopunição moral que é se purificar no domingo de manhã na Igreja. É incrível que nesse estamento surja a figura da "piriguete" que apesar de tudo é menina de Igreja.
A juventude é ainda um tema mais complicado, pois ela não segue o padrão cultural de seus pais, ela está além disso, mas ela ainda não se enquadra no padrão da sociedade de consumo então é uma juventude literalmente à margem do que ela mesmo espera, se tornar uma juventude com poder aquisitivo igual a da classe média alta. O desejo é tamanho que ela busca a sua identidade a partir de manifestações culturais próprias, a música, aí entra o funk. O estilo de se vestir (roupas de funkeiro ou moda Neymar), e o palco de atuação social, o rolezinho.
O rolezinho é o som dessa juventude da periferia que não é mais dominada pela pobreza, que quer ser encarada de outra forma e ser vista assim como a juventude da classe média "coxinha". As jornadas de julho inspiraram diretamente os rolezinhos, afinal de contas a manifestação da juventude da classe média tradicional deu o exemplo que pode fazer um barulho e ter aquela mobilização de massa contra uma ordem social que ela mesma já considera diferente de seu projeto político, daí, o rolezinho é uma tentativa de imitar esse espirito de contestação só que tomando atenção não para a classe média tradicional, mas para a inserção social do novo grupo social em ascensão.
Eu francamente considero esse um momento chave da dinâmica social brasileira nos últimos cinquenta anos, onde as barreiras de segregação social estão se alargando e até mesmo sendo minadas em alguns pontos, não digo propriamente que esse novo comportamento social trará bons resultados no futuro, mas abrirá um aspecto de debate, pois em todo país capitalista que se diz desenvolvido existe uma classe média como meio de regulação das tensões entre as classes sociais, e dentro dela se geram debates da própria sociedade. Cada grupo social possui seu próprio interesse e por isso estabeleci a diferenciação entre a "nova classe média" e "a classe média tradicional", pois são grupos que tem interesses diferentes entre si, projetos sociais mais diferentes ainda e uma rivalidade surda com as questões sociais.
segunda-feira, 23 de junho de 2014
Jazz gramatical
Não me venha pedir o seu telefone
Pois o seu toque me faz
tremer o meu coração
Não me venha tocar um pouco mais
Uma suíte de Jazz
Nessa inevitável paixão
Estou com frio nessa noite
De luzes estreladas
Em inevitável solidão
Não me aqueça hoje
Nem finja lembrar que existo
Pois a noite é consolação
Jazz é um movimento
Em dois quartos
Da suite nervosa
do sopro na alma
Jazz é um orgasmo sonoro
Um suspiro latente
Que mexe com a gente
Em nove contrações
Não me venha pedir o seu telefone
Pois o seu toque me faz
tremer o meu coração
Jazz ritmado
Blues prismado
Eu fico abismado
Em te encontrar sorrindo
Nessa silenciosa canção
Pois o seu toque me faz
tremer o meu coração
Não me venha tocar um pouco mais
Uma suíte de Jazz
Nessa inevitável paixão
Estou com frio nessa noite
De luzes estreladas
Em inevitável solidão
Não me aqueça hoje
Nem finja lembrar que existo
Pois a noite é consolação
Jazz é um movimento
Em dois quartos
Da suite nervosa
do sopro na alma
Jazz é um orgasmo sonoro
Um suspiro latente
Que mexe com a gente
Em nove contrações
Não me venha pedir o seu telefone
Pois o seu toque me faz
tremer o meu coração
Jazz ritmado
Blues prismado
Eu fico abismado
Em te encontrar sorrindo
Nessa silenciosa canção
quinta-feira, 19 de junho de 2014
A revolução da internet
A construção de uma sociedade melhor parte do princípio de um sonho compartilhado por uma juventude que é análogo ao prazer de sua mocidade e compartilha os mesmos sentimentos de inquietação do passado de seus pais. A expectativa de se sentir capaz em transformar o mundo, bem como a iniciativa de se sentir pertencido a um grupo atuante transformador de uma sociedade é o que move muitas vezes a juventude do Facebook ao se destronar das poltronas defronte seus computadores e manifestar nas ruas com as caras pintadas contra a mão repressora do Estado.
A inquietação com esse dado presente é tal que no horizonte dessa crise que se arrasta a seis anos nada é mais claro do que a vontade de se fazer ouvido num sistema cada vez mais impessoal e informatizado que o nosso cotidiano se transforma. A geração do Ipod e do Macintosh se encontram cada vez mais nas ruas, e não nos cafés parisienses ou nos pubs londrinos, se encontra a partir da internet e cada vez mais pela internet.
O caráter revolucionário de nossos tempos é primoroso, assim como foi o caráter revolucionário da Revolução Francesa, pois a revolução é ideia de movimento e a Revolução Francesa só se destacou pelo desenrolar dos acontecimentos de forma bem rápida. A rapidez é algo existente em nosso tempo, onde comentamos uma notícia em questão de segundos, e compartilhamos informações na mesma curvatura de tempo. A internet banda-larga transformou a humanidade em mais do que uma simples abstração.
Duvido que Narinder Kanpany, inventor da fibra ótica, tenha realmente imaginado o poder que a sua invenção teria sobre a Humanidade, esse filete de vidro com compensados de polímeros movimentando um fluxo de informações inimaginável, e um mercado das telecomunicações que leva a Índia aos patamares de liderança nesse segmento.
Alguns poderão dizer que a Índia só pode chegar ao domínio da sua fibra ótica a partir de seu passado firmemente ligado ao setor têxtil que fez com que Kanpany pensasse em uma nova forma de entrelaçar os fios de fibra ótica de forma diferente do que se fazia anteriormente com os fios de cobre, o fato é que essa tecnologia associada o protocolo Http iniciou uma difusão estratosférica do conhecimento que associado ao Windowns pautou nossa sociedade ocidental. Por isso não coloco que a Queda da União Soviética como um marco para a nossa sociedade (é um marco para o marxismo), mas a invenção da Internet em 1992 como veículo de comunicação de massas pelo físico britânico Tim Berners-Lee, na configuração do World Wide Web (WWW) configurou a sociedade atual.
Os levantes contra os governos impopulares do Oriente Médio, a mobilização das passeatas na Espanha, o Occupy Wall Street, as Jornadas de Julho e mesmo a divulgação das notícias relatando os excessos da NSA, por Edward Snowden, colocaram a já pulsante sociedade ocidental a uma curva a duzentos por hora.
Digo curva de duzentos por hora porque estamos num momento de inflexão e não percebemos bem isso, estamos com um excesso de informações e um caldeirão de movimentos através do mundo que os próprios estados nacionais não conseguem ter a observância de acompanhar, isso mostra o quanto o estado é lento em observar as mudanças sociais. Seja um Estado de bem-estar social, Suécia, um estado liberal, Inglaterra, um estado populista, Argentina, proto-ditatorial, Venezuela ou terrorista (Estados Unidos), o Estado perde cada vez mais a sua função como árbitro das tensões e reivindicações sociais.
Nisso a sociedade se move cada vez mais para longe do Estado que entra numa crise de legitimidade, nisso as únicas fontes que ele ainda se agarra são aos medos da sociedade: a segurança. Digo segurança não só a segurança física (como o combate ao crime ou ao terrorismo), mas segurança social (emprego, previdência, direitos trabalhistas)e segurança jurídica (as leis e a liberdade de expressão). E nesse aparente papel de "defesa à segurança do bem-comum" o Estado coordena arbitrariedades contra a própria sociedade se agarrando a velhos paradigmas totalitários.
O totalitarismo nasceu na Revolução Francesa no Terror Jacobino e com ninguém menos que Maximilian Robespierre que ignorava as discordâncias com a lâmina da guilhotina, até dentre os seus companheiros, como Danton. O Terror Francês trouxe o aspecto materialista da eliminação física dos oponentes políticos em nome da raison d'état et la segurité nacionale que acompanhou todas as nações europeias pós-Congresso de Viena, desde a Rússia até Portugal. A morte de opositores políticos em honra a segurança do bem-comum e isso tem reverberações que acabam levando aos genocídios neocolonialistas no Zaire, Zimbabwe, Marrocos e Argélia.
O genocídio armênio e os pogroms na Rússia entram no mesmo paradigma em que o Estado na curva crescente por se autolegitimar promove assassinatos em massa das minorias que não se enquadram ao tecido social que o Estado quer tecer, uma cashemere moldada de obediência absoluta em que não se admitem pontas soltas.
O cientificismo da morte levou aos mais profundos e tenebrosos períodos do século XX, a Primeira Guerra Mundial, cujo centenário se dará ainda esse ano, o Holocausto bem como a Segunda Guerra Mundial, onde o Estado é patrocinador ativo do morticínio em massa de centenas de jovens, mulheres e crianças em nome de um "sonho que se tornou um pesadelo".
O Estado é inimigo natural da sociedade e não seu próprio salvador, ele sempre estará disposto a violar os limites da lei para se impor como representante da sociedade e sua esquisofrenia o levará a cometer cada vez mais desvios para se manter como foco de dominação social. Contudo, cada vez mais o Estado é ameaçado conforme a evolução tecnológica da Humanidade cada vez menos dependente do Estado e cada vez mais contestatória, o cidadão não se vê mais tão representado pelo Estado quanto os seus avós se sentiam há cinquenta anos atrás e conforme vai se consolidando o estudo, mais intensos ficam os fenômenos de questionamento sociais. O Estado nacional está fadado à sua fagocitose.
O maior desses estados é sem dúvida os Estados Unidos e conforme seu rito de violência contra outras populações, o governo institui uma ditadura do medo em seu próprio território onde a Liberdade pode e deve ser violada em nome da guerra contra o terrorismo. Não digo que os Estados Unidos irão desaparecer fisicamente dentro de cinquenta anos, isso é até ridículo no campo especulatório, mas a sua essência desaparece a cada dia em que o sistema norte-americano recorre a arbitrariedades para legitimar o seu próprio foco de poder.
O desmembramento de alguns estados nacionais em guerras civis é acompanhado por tentativas falhas de controlar a internet, acontece isso na Síria, no Iraque e na Ucrânia. Nenhuma dessas tentativas irá acabar com os focos de oposição pois o poder desses países está em processo de esfacelamento; Os países que conseguem isso estranhamente ainda possuem um foco de legitimidade claro, como são os Estados Unidos, com o controle de informações na figura da NSA, e a China com o seu apparatchik na figura do Partido Comunista.
A Internet é o foco da legitimidade atual, de um mundo que escapa ao domínio das fronteiras nacionais, então digo que sem a Internet não poderemos evoluir no nosso modelo de desenvolvimento atual, em nenhum canto do mundo, pois nossa economia foi atrelada à essa globalização da sociedade ocidental em torno da rede mundial dos computadores e as tentativas fracassadas de impor regras à internet e sacramentar leis de exceção para impedir a divulgação de informações só demonstram a fraqueza da legitimidade do próprio estado em esfacelamento.
Estamos em uma curva à duzentos por hora porque corremos um risco. Caminhamos cada vez mais para o sonho de Marx e Bakunin de viver numa sociedade sem um Estado, e de fato se o Estado desaparecer não haverá nada que coordenar as regras sociais de uma sociedade e será o predomínio do sonho máximo de alguns pensadores liberais, o anarcocapitalismo, uma sociedade voltada apenas para o mercado e pelo mercado. Não que já não sigamos essa tendência, as relações sociais são hoje coordenadas por óticas de consumo, desde o amor líquido entre duas pessoas, onde uma literalmente consome o que há de bom em outra para depois abandoná-la conforme o domínio de seu desejo, como as relações parentais não são carregadas com a emoção maternal ou paterna que se imaginava anteriormente.
É um mundo estranho que está para nascer, talvez um mundo gestado pelo domínio do capital e das regras de grandes empresas, e isso é perigoso quando observamos que alguém perderá muito nesses processo, ficando a margem da sociedade; Então nesse ritmo que andamos corremos o risco de capotar o carro.
Mas não digo para pararmos, pois a inércia é o caminho para a própria morte. Nem digo para irmos devagar, pois não temos controle sobre nós mesmos, só devemos ter cuidado, pois a Internet é o meio mais revolucionário que tivemos desde a invenção da escrita e esse revolucionarismo pode sim ser usado para a manutenção de nosso bem-estar, por isso que acredito que a medida que o Estado vai desaparecendo na esfera social como ator das demandas sociais, encontramos um caminho cada vez mais elevado que poderá nos levar a uma democracia participativa, uma democracia onde a Internet leve ao conflito de ideias dentro de um espaço virtual e reduza os conflitos diretos que levaram ao derramamento de sangue que tivemos até hoje.
Temos que tomar cuidado com o que desejamos, pois estamos no meio de um momento revolucionário, a Internet poderá promover a revolução de toda a sociedade humana sem que haja necessariamente o derramamento de sangue por isso o ímpeto de nossa juventude está centrado no domínio social da rede mundial de computadores.
domingo, 15 de junho de 2014
Toda vez que fecha uma livraria
Toda vez que fecha uma livraria
Um pessoa a menos passa a ler
Uma vida inteira acaba se perdendo
Personagens de um livro são esquecidos
E não temos mais o culto aos escritos
Toda vez que uma livraria fecha
Um livro é defenestrado
E o resto são esquecidos
Pois nada mais adestrado
Do que livro de cabeceira
Toda vez que uma livraria fecha
As traças e o mofo tomo o lugar
Onde antes tinha um pouco de cultura
E gente ávida em se apaixonar
As palavras são perdidas ao vento
Os livros são confinados no convento
E nada mais triste do que achar
Um Fernando Pessoa se rasgar
Toda vez que uma livraria se fecha,
Uma cabeça mais se fecha pro mundo
Um pessoa a menos passa a ler
Uma vida inteira acaba se perdendo
Personagens de um livro são esquecidos
E não temos mais o culto aos escritos
Toda vez que uma livraria fecha
Um livro é defenestrado
E o resto são esquecidos
Pois nada mais adestrado
Do que livro de cabeceira
Toda vez que uma livraria fecha
As traças e o mofo tomo o lugar
Onde antes tinha um pouco de cultura
E gente ávida em se apaixonar
As palavras são perdidas ao vento
Os livros são confinados no convento
E nada mais triste do que achar
Um Fernando Pessoa se rasgar
Toda vez que uma livraria se fecha,
Uma cabeça mais se fecha pro mundo
O cheirinho do café
O cheirinho do café
Com um toque de fragrância
De mel com um pouco de madeira
De livros envelhecidos na estante
Nessa livraria pouco iluminada
Onde os livros vão envelhecendo
Te encontro ciscando um Pablo Neruda
Enquanto eu leio versos do Edgar Poe
Decido-me entre Fustel de Coulanges
ou Ernest Hemingway
Mas você não se decide entre
Clarice Lispector ou Agatha Christie
Mais interessante você fica
Escondida em seu óculos de intelectual
Recolhendo-se numa mesa
Perto da folha musical
Uma distância de oito metros nos separa
Oito metros e meia literatura francesa
Meu café está delicioso
E ainda não cheguei ao meio do Velho e o Mar
Seus olhos escuros desdenham das letras
E com um olhar preguiçoso
Fitam sobre mim um gesto curioso
Um enigma se inicia entre nós
Finjo estar preocupado em ler o livro
E você finge estar preocupada em não me ver
É mais cínico da sua parte do que da minha
Não lembro de onde eu te conheço
Duvido que você se lembre de mim também
Quem é você, afinal?
De cabelos vermelhos e óculos de grau
Nessa mimésis perdida
Recolho-me a cantar
Mais uns dois versos
De o Velho e o Mar
Que quinta-coluna você...
Tentou me ignorar mais um pouco
Até me mandar um bilhetinho pelo o livreiro
"Quer tomar um café comigo?"
E saiu sem se despedir
(Livros, livros, e mais livros. Quanto mais velhos, melhor)
Com um toque de fragrância
De mel com um pouco de madeira
De livros envelhecidos na estante
Nessa livraria pouco iluminada
Onde os livros vão envelhecendo
Te encontro ciscando um Pablo Neruda
Enquanto eu leio versos do Edgar Poe
Decido-me entre Fustel de Coulanges
ou Ernest Hemingway
Mas você não se decide entre
Clarice Lispector ou Agatha Christie
Mais interessante você fica
Escondida em seu óculos de intelectual
Recolhendo-se numa mesa
Perto da folha musical
Uma distância de oito metros nos separa
Oito metros e meia literatura francesa
Meu café está delicioso
E ainda não cheguei ao meio do Velho e o Mar
Seus olhos escuros desdenham das letras
E com um olhar preguiçoso
Fitam sobre mim um gesto curioso
Um enigma se inicia entre nós
Finjo estar preocupado em ler o livro
E você finge estar preocupada em não me ver
É mais cínico da sua parte do que da minha
Não lembro de onde eu te conheço
Duvido que você se lembre de mim também
Quem é você, afinal?
De cabelos vermelhos e óculos de grau
Nessa mimésis perdida
Recolho-me a cantar
Mais uns dois versos
De o Velho e o Mar
Que quinta-coluna você...
Tentou me ignorar mais um pouco
Até me mandar um bilhetinho pelo o livreiro
"Quer tomar um café comigo?"
E saiu sem se despedir
(Livros, livros, e mais livros. Quanto mais velhos, melhor)
sábado, 14 de junho de 2014
A história como exercício narrativo
A História é uma construção literária bem antes de ser sacramentada como ciência, é um esforço narrativo no qual se tem a maior meta "fazer com os feitos dos homens não sejam esquecidos", cada sociedade humana constrói sua história conforme sua cultura. Algumas sociedades privilegiaram a memória como marca indelével de sua transição através dos tempos, a partir da história oral, outras priorizaram a codificação escrita como forma de que nada pudesse ser esquecido.
A codificação da História parte com a formulação do código escrito, efetuada primeiramente pelos babilônicos com sua escrita cuneiforme, e a redação de textos sobre a origem da sociedade humana e sua filosofia tautológica (na figura das duas perguntas mestres: De onde eu vim? Para onde eu vou?) partiu do campo da religião. Não à toa que os hieróglifos ou sânscrito antigo se basearam numa tentativa narrativa de construir uma história de uma sociedade a partir de uma temática religiosa.
De todas as religiões que estabeleceram sua fé num códex normativo, o judaísmo foi talvez a que teve maior sucesso na figura do Livro, a Torá, baseada na formulação de Moisés (após a descida do Monte Sinai).
Os gregos faziam história? As investigações de Heródoto, bem como as elucubrações de Tucídides são esforços de construir uma moral cívica a partir do exemplo, notificando os cidadãos a agirem conforme seus antepassados agiram no interesse da pólis. Nisso temos a influência da Era dos Heróis, iniciada por Homero, cuja existência é hoje tema de intenso debate, ao pontuar Aquiles e Odisseu como os exemplos de heróis a serem seguidos por uma sociedade em processo de amadurecimento.
Os exemplos dos grandes feitos e dos grandes homens são uma marca de uma vertente historiográfica desde esse período até pouco tempo atrás, a figura da biografia como esforço historiográfico. Eu acredito na importância da Biografia como uma interpretação científica de uma vida no passado e apesar de questionamentos principalmente impulsionados pelos materialistas e pela grande história, a biografia ainda tem muito o que oferecer.
O que saberíamos do período Júlio-Claudiano sem as sátiras de Suetônio, as redações de Plutarco e os escritos de Tito Lívio. Como conheceríamos Cícero, César, Marco Antônio ou Crasso? Os romanos foram peritos em escrever biografias, até mesmo como forma de enobrecer as origens das casas mais importantes de Roma e construir uma história do Império, desde a fundação de Roma por Rômulo e Remo até o seu apogeu na época de Otávio Augusto.
Para Johan Huizinga a história é antes de mais nada um "fenômeno cultural" onde cada povo cria sua própria história como lhe é conveniente. Embora não se possa esperar mais da história de uma certa visão de um certo passado que é imutável, a História é um campo baseado pela tradição, tradição essa escrita e aceita pela própria sociedade que a compõe.
A História torna-se a ciência e mola propulsora do pensamento humano a partir da noção de Cícero: "Historia, magistra vitae" e conforme o movimento iniciado no século XVIII de refletir a sociedade humana e construir uma antropologia geral do homem em que se estudaria a origem do Homem, a história passa a ser um grande objeto de estudo dos pensadores modernos, nesses insere-se por exemplo Voltaire.
O estranhamento com outras culturas gerado pelo choque de costumes e culturas recíprocas levou ao distanciamento reflexivo feito pelos intelectuais de como se desenrolou a história européia e porque aparentemente os europeus eram "superiores aos índios americanos e aos africanos".
A despeito do aspecto etnocêntrico desses estudos, o entendimento antropológico dessa época não era possível sem a própria classificação, e por isso a produção antropológica desse período é muito criticada por não se esforçar em retirar os juízos de valor de uma sociedade europeia.
A História passa a ser influenciada pelo esforço iluminista de pensar o homem como foco a ser estudado, como uma extensão da natureza e da filosofia da natureza e esse esforço antropológico generalista produziu também uma história geral, uma história dos povos como meio de autoafirmação nacional.
A Revolução Francesa foi um choque de consciência para toda a sociedade européia existente, com efeitos dramáticos no Terror Jacobino e na ascensão de Napoleão. A isso observou-se um esforço em explicar os motivos que levaram a esse choque total com a antiga ordem.
Assim surge a narrativa generalista e bem trabalhada de Jules Michelet, nos tomos: História da Revolução Francesa.
A produção do conhecimento é apenas possível com a obtenção de um objeto de estudo, pelo método científico e o historiador é o sujeito que produz o estudo através do discurso que é a História.
A História como ciência surgiu com maior força no século XIX:
A criação de um método próprio e geral para a história parte das escritas de um Iluminismo alemão preocupado com a filosofia do homem, nisso estabelecem-se estudos sobre como a sociedade humana se desenrolou a partir de fontes oficiais, documentos dos estados nacionais e de nobres. A tendência dos historiadores metódicos em conferir grande importância a fontes oficiais parte do financiamento (em parte pelo Estado, outras pelos próprios nobres), pelo acervo (o acervo da Igreja e do Estado costumava ser mais amplo e conservado) e a da ideologia de formulação de estados-nacionais.
A escola metódica é revolucionária na sua abordagem da história como ciência e na sua tendência de fazer uma análise minuciosa é "imparcial" dos documentos. A compilação dos documentos em grandes volumes de história geral (seja da jurisprudência seja da história nacional), bem como a catalogação dos documentos facilitou em muito o trabalho do historiador das outras gerações.
A história metódica analisava a estrutura textual das fontes com o objetivo claro de procurar o fato histórico como um dado objetivo, pronto e verificável.
O historicismo alemão renovou-se frente á escola metódica ao tentar observar que no método historiográfico não poderia ter o predomínio apenas de uma fonte oficial mas também deveria se inserir o método através da reunião de documentos e de uma análise crítica desse material, através de um método indutivo através da hermenêutica. Ao contrário do pensamento metódico, o historicismo abre um questionamento sobre a ideia de se chegar a História realmente a partir dos documentos.
A filosofia da História através do pensamento entre ambas tendências historiográficas é uma característica que marca o pensamento tautológico iniciado pelo o Iluminismo e não pode ser negligenciado a despeito das tentativas atuais em desconstruir a história como esforço científico.
A importância social que a História assume é dada pela a sua aceitação como ciência e questionamentos que retiram seu caráter legítimo de produção do conhecimento dilapidam o trabalho do historiador.
Em todo caso, o questionamento de Marx a Feuerbach e a sua própria concepção de que a economia e as relações econômicas são o que ditam as relações econômicas ( o que é uma concepção interessante para a maioria dos casos, mas que empobrece o estudo do historiador em outras situações) leva a ideia da Economia como a ciência máxima e que a História seria eliminada conforme as lutas sociais fossem eliminadas, se iniciando a sociedade comunista, pois a História sempre foi construto dos vencedores e a "A violência seria a parteira da História".
Sem anexações à filosofia da História, Marx acredita na mesma filosofia da História de Hegel, de que a História é um movimento progressivo da Humanidade para o seu desenvolvimento até a maturidade social, só que ao contrário de que a Ideia e o Espírito conduziriam ao movimento do Homem e da Humanidade, Marx é mais rígido e estabelece que as relações sociais, bem como a luta de classes conduzem ao movimento da sociedade e levarão à Humanidade ao comunismo.
O pensamento de Marx é interessante ao analisar a dinâmica social que se desenrola dentro da política e da sociedade e da importância que a economia possui no desenvolvimento das lutas de classe que realmente movem a dinâmica das sociedades até hoje, mas seu pensamento é simplista em campos mais subjetivos, como as emoções, psicologia social, fé e organização nas instituições matrimoniais e de parentesco (Freud explica isso com maior embasamento prático).
A História dos Grande Homens é substituída pela a história das relações sociais de produção, mas a História continua sendo geral. Até a formulação da escola dos Annales em que há o questionamento do porquê de se estudar apenas o contexto macro e não o Micro, surgem debates de como encarar as fontes, de como se reinterpretar a história política que tinha sido negligenciada, a microhistória, os debates multiculturalistas (a partir do intercâmbio promovido nos anos 60-70 de ideias budistas e do Oriente sobre a filosofia de vida) e questionamentos da sociedade humana principalmente pela falência de um modelo de se produzir história dogmático e científico.
O cientificismo soviético em produzir histórias da Revolução Russa, Histórias das Relações Humanas, História do Capitalismo, eram aceitos abertamente pela intelectualidade socialista européia, a cartilha de Moscou era seguida a risca e mais do que isso o pensamento intelectual de esquerda era ligeiramente pró-URSS;
O impacto que o XX Congresso do Partido Comunista que promoveu um repúdio a Stalin, levou a um questionamento a ideia de que se o comunismo era realmente o melhor caminho e o futuro para a Humanidade, as ações soviéticas na Hungria (1956) e sobretudo na Tchecoslováquia em 1968 enterraram por terra o sonho de muitos jovens entusiastas do comunismo;
Alguns partiram para a construção de novos sonhos, seja a Revolução Cubana, seja a Revolução Cultural (que Sartre foi tenaz apoiador, até que se descobriu que Mao Tsé-Tung estava realizando um genocídio sem precedentes). Outros, decepcionados com o mundo bipartido onde nenhum dos lados era realmente mocinho, partiram para o niilismo ideológico, se voltando para as ideias de Nietzsche, ou mesmo para a afirmação de valores sociais fora da sociedade, como o mundo underground, que ficou evidente nos Estados Unidos no imediato pós-Woodstock.
É nesse contexto que surge o que viria a ser sacramentado de pós-modernismo, a negação de todos os modelos, ideias já construídas em favor de uma falta de construções filosóficas na História. É um niilismo histórico no sentido pejorativo, ao não observar a história como um esforço científico, mas apenas um discurso construído sobre várias verdades que no fim não existem por completo pois a Verdade não existe.
A Academia é um esforço político de luta entre vários grupos de pensamento para sobrepor sua vertente e suas ideias, é uma ditadura da egocracia, mais do que isso um aristocracia dos doutorados e nesse sentido os embates nas universidades são bastante acalorados entre os defensores do pós-modernismo e os representantes de outras escolas historiográficas.
Nesse ínterim, o que é História?
Acredito na história como exercício narrativa com enfoque científico, que observe a história como um esforço de interpretação de uma realidade que existiu e que nunca poderá ser retomada. A História é uma fusão de arte com ciência, pois não se produz história sem escrita e narrativa, mas também não é História um estudo sem um método.
Quanto a um método a História não tem só um método, mas sim vários que variam conforme a abordagem de trabalho e isso a torna uma ciência diferente da Matemática, da Química ou da Biologia.
A História não possui grandes verdades, mas possui uma lógica interna dentro de si, dentro de sua narrativa, dentro de sua filosofia e dentro de sua própria antropologia de interpretar o homem como ator ativo da dinâmica social, erra quem diz que História não tem um sentido próprio ou que não há uma certeza nas ações de cada um. A História é uma análise da vida cotidiana escrita de várias formas diferentes, seja na economia, na política, na cultura ou na biografia.
A História é um esforço narrativo, mas mais do que isso nunca se esgota em si mesma. E a ciência inexiste se não tiver questionamentos dentro de si e apenas verdades, e de questionamentos a História é cheia. Por isso história não é só ciência, mas é a ciência mais completa de todas as ciências porque nunca se esgota em seus questionamentos.
sexta-feira, 13 de junho de 2014
"A maior Copa de todos os tempos"
"O Brasil é um país tão estranho que até o passado chega a ser imprevisível."
O maior problema dessa Copa não é a cegueira que tivemos por quase sete anos quanto às obras públicas, os desvios, a construção de estádios e a falta de preparação de todo o país para receber o Mundial; O maior problema dessa Copa também não é a impressão que temos de que passaremos vergonha na organização desse evento mundial.
O maior problema dessa Copa não é o eventual prejuízo moral que alguns terão ao se verem num país diferente do que estão acostumados, maquiado porcamente para a realização de cerimônias de futebol em "arenas" (eu me recuso a nomear estádio de futebol de Arena).
O maior problema dessa Copa é se usar de um evento excepcional para impedir a capacidade de protesto da população, violando assim diretrizes máximas da Constituição Federativa de '88, a liberdade de expressão e protesto. O governo, não digo o governo federal, eu digo governo na esfera dos estados e municípios é o maior ator de violação aos direitos das liberdades individuais hoje no Brasil;
Não só porque lança mão de prisões arbitrárias, convoca a guarda pretoriana da cavalaria de uma polícia militar (sim, a polícia é um braço de auxílio às forças armadas), como também ignora boa parte das demandas sociais em torno da proposta eleitoreira e populista de realizar a "maior Copa de todos os tempos".
A "maior Copa de todos os tempos", nós somos tão humildes quanto os argentinos, de fato essa não é a maior Copa de todos os tempos, é uma copa do Mundo como outra normal, com estádios, jogadores, jornalistas, uma bola e um juiz. O que há de especial nessa Copa? Ela ser no Brasil?
O Brasil não é berço do futebol, para início de conversa, a gente adotou o futebol é coisa diferente. O brasileiro se preocupa com futebol sim, primeiro o futebol de seu time, Corinthians, Vasco, Flamengo, Internacional, Palmeiras, e de quatro em quatro anos com a seleção brasileira. Essa seleção que é controlada pela CBF envolvida com escândalos de corrupção e com os porões turvos da Ditadura.
Estranho é que a mesma classe média que gritou lado a lado sob o sol pesado, nuvens de gás de pimenta e lacrimogênio, com cavalos correndo em flancos, snipers posicionados em helicópteros, com crianças e idosos em meio à confusão de pessoas correndo do braço forte do Estado (e uma mão nada amiga), estava nos estádios assistindo um jogo promovido por uma Fifa cada vez menos interessada no futebol.
A seleção brasileira sofreu com a Croácia, teve um lance que foi polêmico, mas ganhou a partida como eu já imaginava. As vaias à Dilma no início do jogo parecem ter dado sorte à seleção de Felipão, por falar nessas vaias, elas não surgiram da arquibancada, surgiram dos camarotes seletos da elite carioca-paulistana que se beneficiou justamente desse governo para ganhar dinheiro.
Exatamente, os mesmo industriais da Fiesp, os artistas da Globo, os agropecuários do interior de Goiás, que receberam empréstimos subsidiados do BNDES, que receberam incentivos de IPI há não muito tempo atrás vaiaram o governo do "Partido dos Trabalhadores" que auxiliou em muito os patrões. Essa elite que vaiou depende em muito desse estado fajuto alicerçado por uma oligarquia corrupta e incompetente.
E não é que eu goste desse governo, de fato, a inépcia do governo federal na política econômica é monumental; Em todo caso eu penso, porque essas pessoas têm o direito de protestar dentro de um estádio seguras de que não serão agredidas enquanto as pessoas que protestam na rua apanham e levam balas de borracha? Qual democracia que vivemos?
Na verdade cada vez menos estou convencido da existência de um regime inteiramente democrático no Brasil, e mais estou convencido na existência de um regime cada vez mais atrelado à oligarquia que controla as grandes redes de poder em Brasília, como nas veredas do sertão brasileiro. E esse é o motivo de grande desânimo quando observamos o modo como a política brasileira é conduzida.
O Supremo Tribunal Federal viola os próprios estatutos prescritos na lei para agir na corrida contra os acusados de corrupção (não importa se foi bem intencionado ou não, o que importa que violaram a lei e deixaram uma lacuna na jurisprudência), como também o legislativo cada vez mais delibera leis absurdas e o Executivo manda de cima. O país foge da esfera de sua própria realidade.
A maneira como a Copa foi feita no Brasil não é só uma mostra da falência moral que a política brasileira cada vez mais marcada pelo neopopulismo traz à sociedade civil e a cultura política nacional, mas é uma consequência do processo de cegueira e de acobertamento das grandes falhas e faltas que o povo apresentou nesses sete anos de aparente bonança econômica até 2012-2013.
A História do Brasil sempre circulou numa ótica mirabilesca cujas atribuições chegavam próximas ao riso, mas é cada vez mais preocupante que frente ao paradigma de cegueira das massas e da cegueira ideológica dos intelectuais em uma polarização cada vez mais inconsequente o Brasil caminhe cada vez mais para a ótica do absurdo.
A Copa não é a grande responsável pelos nossos males, nem a Fifa é inteiramente culpada pelos desvios e corrupção. Isso não quer dizer que a Fifa deva ser inocentada da corrupção que ela trouxe, mas a grande responsabilidade do que veio acontecer (não só hoje como no passado) é praticamente nossa.; Nosso imediatismo, nossa cegueira, nossa pouca prática ao trabalho braçal e nossa completa falta de moralismo intrínseco à prática.
Por isso eu volto a dizer:
"O Brasil é um país tão estranho que até o passado chega a ser imprevisível."
Imprevisíveis somos nós que procuramos cada vez mais o futuro, e cada vez mais repetimos os erros do passado.
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