domingo, 29 de junho de 2014

O medalhão de ouro

"Unter einem gewissen Gesichtspunkt scheint der Unterschied zwischen absolutem und relativem Mehrwert berhaupt hinfällig." Das Kapital, p. 477.

         Nada mais assustador do que encontrar uma frase em fluente alemão acadêmico na sua frente, talvez pelos encontros consonantais, talvez pelas palavras longas ou pelo simples preconceito que nós temos ao admirarmos mais a língua alemã do que a nossa. A barreira linguística é a maior barreira cognitiva que possuímos como seres virtuosamente humanos, visto que temos uma capacidade de ter medo de errar, e um ódio claro ao erro.

        Por isso é meio complicado quando você se depara com uma frase de Marx bem na sua frente, justo do Capital; Mas isso não quer dizer que eu desmereça a língua de Goethe, que por sinal não é a coisa mais simples do mundo, mas estou desmerecendo a nossa falta de capacidade em tentar entendê-la; já temos uma preguiça metodológica em tentar nos esforçar.

       Eu queria dizer que essa preguiça é uma característica inerente ao ser humano, mas essa é uma antropologia geral do Homem que eu não desejo nem aprovo tentar utilizar; o nosso espírito em não tentar buscar a verdade pelo esforço, mas pelo simples caráter diletante mostra o Complexo do Medalhão:

         A Teoria do Medalhão a primeira vez que foi vinculada não foi por ninguém menos que Machado de Assis, numa crítica aos falsos intelectuais que primavam por um conhecimento vago de um determinado assunto, um rebuscamento linguístico e um completo desconhecimento sobre qualquer assunto específico. 

         Nesse escrito, Machado ironiza o esforço do pai em ensinar ao filho em como ser um picareta intelectual. Teorizando o máximo juízo do dever ser acima do ser completamente, o filho deveria parecer inteligente e culto ao invés de ser na realidade. De modo que nesse conto, Machado escreve algumas máximas de que para ter um medalhão (um posto de importância), seja na política, no serviço público, no comércio ou na imprensa, é preciso falar bonito, usar termos rebuscados, adotar hábitos de corte, como jogar uíste, bilhar e saber se utilizar  de artimanhas para se sobressair aos outros.

        A artimanha é  de se parecer intelectual, utilizar expressões estrangeiras, mencionar aforismos de clássicos, ou mesmo inventar frases atribuindo a tais atores para exercer uma relevância intelectual. Tem-se que se ignorar os debates modernos e se manter a margem das discussões contemporâneas, prendendo-se a velhos paradigmas, "porque o método de interrogar os próprios mestres e oficiais da ciência, nos seus livros, estudos e memórias, além de tedioso e cansativo, traz o perigo de inocular ideias novas, e é radicalmente falso". De modo que se deve "assenhorar do espírito daquelas leis e fórmulas" pois só assim se conseguiria o medalhão.

       O medalhão é por natureza um teorema que vai contra a ciência, e justamente Machado que denuncia isso, pois a ciência se move por inquietações e dúvidas e não pela capacidade de comodismo, um comodismo intelectual de se aceitar verdades absolutas, ou simplesmente se aceitar a negação, para se passar por intelectual.

        Para isso o Medalhão não pode apenas parecer intelectual ele tem que deixar publica a sua própria capacidade intelectual, e " a publicidade é uma dona loureira e senhorial, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimam a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição. Que Dom Quixote solicite os favores dela mediante ações heróicas ou custosas pois é a mania deste ilustre lunático. O verdadeiro medalhão tem outra política. Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos."

         Assim, o Medalhão além de ser contra o desenvolvimento científico, pois a ele não interessam os debates sobre assuntos determinados, ou mesmo prolongações acadêmicas, ele não vê a necessidade de ações heróicas para si, não quer tomar para si um papel ativo de ações pois isso seria coisa para um lunático e que o Medalhão, novamente voltando a discussão acadêmica, não escreve tratados científicos, utiliza-se de uma coisa concreta, o carneiro para promover sua própria publicidade. Assim do campo filosófico, o Medalhão não vive do campo filosófico, ele se baseia no campo concreto para conseguir um objetivo imaterial que é prestígio.

        E o cunho publicitário do Medalhão deve ser  barato e constante. Mas por que cheguei ao Machado? Na verdade a questão é que o medalhão no início do conto do Machado (Teoria do Medalhão) entre o um pai e um filho quando o rapaz chega aos 21 anos de idade é evidenciar um comportamento social que existe numa parte da elite social. O pai mostra ao filho que o caminho para ascensão social não é de forma alguma o conhecimento, diferente disso, é a capacidade que ele tem em parecer ser profundo conhecedor e se utilizar dessa capacidade para se mostrar à sociedade. É uma ótica de corte.

        Contudo o Medalhão é o cargo mais influente que alguém com "vinte e um anos, algumas apólices (ações), um diploma" pode chegar, mesmo podendo "entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes", pois um medalhão em tese é indivíduo nulo que ainda assim é importante por exercer o papel social de figurão, de modo que ele por si mesmo não tem um papel real, mas as suas boas amizades o conduzem para um estamento social relevante.

       O Medalhão é uma pessoa que se escora no estado, que se vê confortável em não exercer um esforço totalmente perigoso, afinal é mero amigo do Rei, um parasita que se apoia de outro parasita que é o Estado, que realmente não está disposto a produzir, mas viver de renda: seja pensões, seja títulos do governo, ou mesmo de contratos com o Estado. Ele não trabalha, mas não tem vergonha por não trabalhar porque para o resto da vida ele viverá dessa forma.

        O Medalhão é o ser que finge ser apto para uma função, mas não tem papel ativo nas discussões, finge saber ler, mas não consegue interpretar um texto; é um ser que ambiciona em ser mais esperto que os outros para manter um posto estável e importante para o resto da vida, e bem, é aí que entendemos que o Medalhão hoje é o funcionário público.

         Sim, não é a toa que os pais recomendam hoje aos filhos com 21 anos a procurarem um concurso, não importando o que querem na vida, que eles sejam concursados pois assim terão uma profissão estável para o resto da vida.

         Para ser Medalhão antes você tem que fazer uma prova concorrida, pois muitas pessoas hoje querem ser o Medalhão da história, andar de Camaro Amarelo, ter uma casa, viajar para o exterior quando quiser, ganhar quinze mil reais ao mês e não trabalhar mais do que quarenta horas por semana. O conteúdo do concurso não é fácil, mas não é preciso ser um Nikola Tesla para passar numa avaliação dessas, afinal a fórmula do Medalhão ainda serve (não precisa ser necessariamente inteligente, mas parecer inteligente), ou seja recorre-se à "decoreba", posteriormente ninguém lembra do que estudou. E não importa também, o que importa é que passou.

         O Medalhão é um intelectual medíocre com o bolso cheio de dinheiro, e quem não quer ser um? Melhor do que isso é nascer milionário. Não estou dizendo que todo funcionário público é um medalhão, pelo contrário estou dizendo que todo medalhão costuma ser funcionário público.

        Mas retomando ao Medalhão, que coisa há de se fazer num país tão rico onde se coletam medalhões? Ser um. E esse é o problema o Estado conserva tantos medalhões que o seu pescoço começa a ficar pesado, e por esse motivo as contas públicas esse ano estão demorando pra ser fechadas. A responsabilidade fiscal de um estado esbarra na segurança social justamente de um estamento que o usa pra explorar: Os medalhões;

       Então estamos nessa conjuntura de ouro dos trouxas, onde não há diferença absoluta no que vem a ser absoluta do excedente, pois afinal de contas tenho que retornar a citação do Marx: ""Sob um certo ponto, a diferença entre o mais-valia absoluta e relativa  aparece em tudo obsoleta"", sob um certo ponto o valor da a mais-valia é produto da exploração direta de um estamento social sobre outro, e nesse caso, analisamos o Estado, de modo que a mais valia que o Estado impõe ao trabalhador na forma de impostos é o que financia a continuidade dos medalhões.

A mais-valia é o meio da exploração de um pelo outro, e de modo que o Medalhão ao explorar do próprio Estado, explora o trabalhador, não só o trabalhador das fábricas e oficinas, mas o trabalhador dos consultórios, das escolas, dos comércios; então de um ponto de vista macrossocial o Medalhão é nocivo socialmente e é antissocial; Contudo a predisposição de tantos em alimentar o escalão dos medalhões mostra que isso inevitavelmente comporá um regime cíclico do inchaço do Estado que não só acabará com a economia, mas trará problemas futuros dentro de alguns anos.

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