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sexta-feira, 11 de março de 2016

O melhor do recomeço é a renovação da esperança

         Queria ter tido mais esperanças que fosse dar certo, queria ter me contido quando pude, e não ter me entregado de corpo e alma aos seus braços. Queria ter beijado ainda seus lábios, se soubesse que os perderia numa prosa de minuto. Queria ter te desejado menos do que te desejo nesse segundo.

        Estou sozinho e amargurado, e toda vez que olho sua foto, bate mais calado o meu coração. Estou tão abatido e sem felicidade, que nem fome mais tenho, nem mais desejo quero ter, nem batuque perdido quero ouvir. O vento que suja meu rosto de pó, esfarela meus lábios secos e deixa negro meu coração. Petrificado, puxo de lado um tabaco e penso em voltar a fumar. Mas não, a fumaça não me irá fazer esquecer do que sinto no momento,

       Não tenho esperanças nesse recomeço, nem quero que saiba que te amo, pois odeio a mim mesmo por ter começado a te amar. Estou sozinho novamente no mundo e isso me entristece, principalmente porque poderíamos ser felizes diante os desafios do mundo. A síndrome de patinho feio que hoje me corrompe, faz com que eu chute a lata de alumínio na calçada e xingue os transeuntes na calada da madrugada. O terno nas minhas costas todo amarrotado, e a barba por fazer.

       Eu te amava, moça. Mas a felicidade é um bem que não se compra, e se comprasse não seria um luxo que gostaria ter, você me mostrou o relâmpago de endorfina quando dormia ao seu lado, no frio da noite, e quando roncava. Sim, você roncava. Inquietude, me sinto tão inquieto por nunca mais poder te ver, que dói escrever o que eu escrevo. Acredito que você nunca acreditou no que disse, e se acreditou, ficou com medo... Poderia ter desejado me jogar desse abismo, onde nunca mais haveria de ser encontrado, mas ainda assim amargurado, desejo me encontrar longe de ti. Eu que amo e me despeço , hoje deprimido, me encontro longe, olhando para esse lago sujo de tanto clamor.

      Meu terno hoje puído, meu rosto sem rosto, meu amor sem coração. Você me disse para encontrar alguém, mas como encontrar alguém se estou tão perdido quanto você? E que recomeço mais torpe do que acrescentar que hoje vou emagrecendo e perdendo o fôlego com o passar dos dias. O desânimo que me consome, hoje me liquida nessa tarde, e sem qualquer afeto, respiro amargurado o ar quente da janela do meu quarto.

      Cacoetes à parte, acabou meu sigilo. Desejo manter sustenido o  que sinto o que sinto. Pois nesse agito, vejo o que vejo como gole grogue de absinto.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Reflexões

       Não espero encontrar sua foto essa noite, nem fitar o seu sorriso tão mal encaminhado que me perdi no meio dessas palavras. O verso com que escrevo está carregado de tinta e de remorso, não me fite com esses olhos sinceros, a reprovação do tempo será minha maior pena. 

       Hoje é um dia como outro qualquer onde a inspiração não se esconde por trás de meu ouvido, nem minhas mãos conversam direito com a pena da caneta. Já faz tempo que não escrevo, e sem remoço digo isso. Viver de pena é um vida violenta, mas mais violento é esperar bater o meu coração junto ao peito. O meu desaparecimento é causal, mas o seu esquecimento não. Ele é deliberado.

       Deixei meus cabelos crescerem por descaso, a palidez de minha pele se tornar cada vez mais doentia e os tremores da solidão serem boas companhias nas noites cada vez mais frias. Até você deveria saber que não há nada normal em ficar calado por tanto tempo, mas o silêncio é um anúncio da revelação. O futuro sempre me assustou, mas hoje só é uma lacuna triste num caderno ainda vazio.


       O relógio marca ponteiros, troca os minutos a cada instante e sem querer não vejo outra atividade tão carregada de ócio do que escrever palavrinhas pequenas no meio desse caderno esquecido pelo tempo, manchado de lágrimas e gotas de vinho argentino.


        Caminhei procurando respostas que no fim descobri que estavam em mim mesmo, e em minha comedida autopiedade eu esperei em silêncio tornar-me tão capaz de exercer meu suplício com o calvário de um dia após o outro. Não fugi da responsabilidade, nem adulei os caminhos mais fáceis e corrompidos da mediocridade humana; Acaso eu me perdi? Penso que só na minha própria consciência.

       Mas as memórias que guardo hoje me colocam no seguinte pedestal de que as pessoas são meras esculturas de isopor, caricaturas de personagens de livros esquecidos no fundo dos sebos, e de formas tão confusas que não entendem a si mesmas.Só se preocupam com prazeres mundanos, como a luxúria, o desejo, e a ganância quando na verdade tudo o que procuram é uma falsa segurança; Inseguras consigo mesmas, elas tendem a ser cada vez mais medíocres e esquecem que a verdadeira essência das coisas não está simplesmente em promessas mal concebidas, mas em pequenas coisas da vida.

       Não à toa que cada dia mais, elas se tornam cada vez mais estranhas a si mesmas. E na verdade é consequência natural esperar a desumanização das pessoas comuns, tão naufragadas em ilhas de desejo e sofrimento. O resultado é que a insustentável leveza do ser é realmente insustentável pela natureza com que é criada; Somos apenas animais consumidos pelo banal desejo por coisas materiais, e as faculdades mentais e emocionais de cada um de nós são reféns desse pensamento tão carregado de falta de sentido.


         De fato tome como insensível caso não a olhe nos olhos, mas não desejo lembrar o meu passado ridículo e infantil. Fui refém de meus desejos por muito tempo, desejos esses que eram um tanto incomuns. Apenas sonhos de uma vida calma, num lugar afastado, fazendo o que eu gosto. De fato, nem todos temos essa sorte;

           O que é verdade, é que há entrementes uma sexualização cada vez maior dos nossos desejos, uma alienação por nossos impulsos, e quando chegamos a desejar apenas um corpo descaracterizado de sentido, voltamos a face animal dos nossos instintos. A arte não pode viver num mundo tão saturado de projeções carnais, quando na verdade ela se alimentava de emoções. As emoções sinceras estão por certo em extinção bem antes que tenham sido catalogadas como uma espécie realmente existente.

         O medo e o desejo, as duas maiores falhas de nossos novos tempos.

         Eu não queria ensaiar uma filosofia, mas quando vejo fotos esquecidas no tempo, fico desorientado a tal forma que fico refém de meus pensamentos e me ponho a escrever; Escrever e refletir de como mundana é a existência de várias pessoas que não conheceram realmente a si mesmas, perdidas num marasmo de ignorância e impotência. É arrogância minha escrivinhar a essa hora da noite sobre questões tão empiricamente pouco comprováveis? É possível, de fato, é até aceitável a recusa pelo que acabo de pensar, mas como disse todo o esquecimento é deliberado.

         Mas tento esquecer das esculturas de isopor, os cidadãos de papel, que foram o meu referencial por anos a fio, quando na verdade nem eu, nem eles, somos senhores de nós mesmos e sobretudo de nossos sonhos e desejos. O meu maior remorso foi não ter compreendido isso tempos atrás.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Por uma nova economia

       A opção da sociedade brasileira é a consolidação de um padrão de vida inspirado no  modelo social-democrata de desenvolvimento. A consolidação de um estado de bem estar social  exige uma acumulação de capital  respectiva aos gastos de uma democracia social ao estilo nórdico. Para a construção dessa acumulação de riquezas, as apostas no mundo exigem uma especialização do capital humano existente.

        O Brasil está na retaguarda, é um país modernamente arcaico. Onde há disparidades graves entre a periferia e o centro econômico, o acentuamento das dificuldades operacionais do sistema capitalista e de reprodução do capital interno levam a uma concentração da renda em determinados grupos da sociedade nacional. Essa tendência mundial da concentração do capital é cada vez mais abissal no Brasil que ignora a legitimação econômica de seu modelo de desenvolvimento.


       O modelo cepalino é o grande responsável para fracasso assistido de 2013 até hoje, a retração e a estagflação se somam ao alto endividamento da família brasileira. Isso é resultado da aposta do governo em supervalorizar o salário mínimo e a capacidade do mercado interno em superar uma crise endêmica do capital. A questão é que o salário em si não consegue sozinho consolidar a riqueza brasileira, de fato, ele vem sendo corroído pela inflação e os juros que estouraram na virada de 2014.


        O estado interventor é aceitável por um curto período de tempo, quando a UTI econômica que leva a associações econômicas e grandes especuladores atacam a soberania da moeda nacional, ameaçando a estabilidade social de um país. Os altos gastos da União associados aos crescentes apelos irresponsáveis de prefeitos e governadores por mais verbas ameaçaram a estabilidade do futuro  do Tesouro Nacional, agora atolado em dívidas, O BNDES gastou um dinheiro que não foi devidamente devolvido em investimentos nas empresas nacionais, e os grandes conglomerados agro-industriais acabaram sendo a única esperança no meio da bancarrota nacional.  Mas o campo produz riquezas, mas não produz ouro.

        Ficamos dependentes do velho modo produtivo relegado à América Latina, a exportação de matérias-primas e commodites, a instabilidade das bolsas e o aumento da oferta internacional de alimentos acabaram desabando o preço do nosso maior produto de exportação: a soja. O ferro, dependente do aquecimento da economia chinesa, desabou de preço; assim como aconteceu com o minério de cobre chileno. Só que o Chile conseguiu contornar a sua crise tornando-se fiador de austeridades intragáveis ao seu povo.

       Austeridade é uma palavra bonita para apertar o cinto, e fomos obrigados a fazer muito mais do que isso. Vendemos a fivela e o fecho do cinto, agora só falta a tira de couro e a calça. Vivemos um mundo dinâmico, onde não há espaço para lamentações. Mas não temos ações a curto prazo que possamos fazer.

       Nikolai Tikhonov ao escrever os Desafios da Economia da União Soviética em 1988 acreditava que o regime soviético iria se manter com as reformas de Mikhail Gorbachiov e a política de valorização de salários promovida desde Kruschiov em diante, contudo a crise produtiva soviética era bem mais grave, não só por causa da falência produtiva dos soviéticos no campo, que trouxe o fantasma da fome, mas também a falta de qualidade e investimento na industria soviética. O resultado foi grave e a Rússia não se recuperou, tornando-se vulnerável às ações do capitalismo internacional.


      A desindustrialização do parque industrial brasileiro é uma tendência que assistimos desde o governo de Collor de Mello e que se acentuou com o passar dos anos, essa tendência de retirar da indústria o papel transformador de uma sociedade é assisitida em outros lugares do  mundo. Não há mais espaço para a indústria\ pesada senão a China, apenas um país que considera o padrão de vida do trabalhador um fator secundário pode admitir uma indústria de transformação como pilar da economia. Apenas a indústria criativa e tecnológica podem salvar o Brasil de sua desindustrialização,e temos concorrentes bem mais fortes, com tradição forte na informática\, nas ciências de informação, softwares e aeroespacial. 

     O protecionismo cepalino nos atrasou de modo que não confiamos numa indústria de tecnologia nacional, as políticas de incentivo governamentais são uma franca piada política, e o apoio ao desenvolvimento tecnológico não acompanha o desenvolvimento de laboratórios, plantas de produção e tampouco os impostos ajudam somados aos juros altos ao desenvolvimento de novos empreendimentos criativos.


       Apenas o consumo não consegue segurar um país, embora com muito sacrifício tenhamos conseguido uma política de valorização do salário e uma cota reduzida do desemprego, isso será provisório se a crise que enfrentamos se arrastar por mais alguns anos. E a economia fraca desestabiliza novas democracias.

        A inflação, a falta de investimentos dos empresários, a população que utiliza o crédito como uma forma desenfreada de obter renda. Essas são origens de uma catástrofe. E cego somos nós que não agimos como deveríamos, que assistimos a tudo isso insólitos e curiosos como se fosse um descarrilhamento de um trem. A recuperação será dura e temos que  estar preparados para isso.

         Mas como recuperar-nos do tombo galopante desse ano de 2014? Onde a irresponsabilidade e arrogância parecem ter vencido o medo do fracasso. Ao sediarmos uma irresponsável festa no meio de ano, o final foi azedo e bastante ignorante. Ficamos sem dinheiro na carteira e os empregos cada vez mais ameaçados. Os mercados ficaram cada vez mais indecisos e sofremos com a indecisão do mercado no dia a dia.  A Petrobrás sempre teve corrupção, inocente é quem afirma que desde 1952 até hoje uma empresa estatal que produzia tantos dividendos com o monopólio de hidrocarbonetos num país como o Brasil não tivesse sofrido anos de especulação e corrupção. O ataque contra a Petroleo Brasileiro SA é um ataque especulativo, que associado ao desânimo da economia brasileira, um governo economicamente pífio e a instabilidade internacional levou à parcimônia crise da Petrobrás.

        O caso que o óleo do Presal não deverá ser explorado em 2018 como se acreditava, talvez nem em 2022. Será economicamente inviável explorar as profundezas do Campo de Libra considerando à baixa cotação do petróleo. E a baixa cotação do petróleo não se deve por exemplo à exploração do óleo de xisto americano, que está caminhando ainda devagar, mas ao ataque do mercado aos grandes conglomerados industriais fornecedores de óleo: Como Venezuela e Rússia. Eleitos como dois países mal-gratos da economia internacional, o grau de integração dessas duas economias sempre foi ruim, mas piorou por políticas erradas em períodos delicados.

        A instabilidade da crise do bolívar aumentou com a crise sucessória de Hugo Chavez e da inflação absurda que estourou na Venezuela bolivariana, os anos de hostilidade da política venezuelana aos interesses norte-americanos acabaram colocando a Venezuela numa condição frágil no mercado internacional.A sua proatividade em auxiliar o regime cubano a não chegar no caos econômico também levou recursos prioritários para a sua manutenção econômica que deveria ser imposta com a injeção de doláres e renegociação da dívida externa a partir do Banco Central autônomo a interesses políticos. Não foi feito, e a Venezuela virou alvo de ataque internacional e especulativo devido sua própria irresponsabilidade em não honrar compromissos. Capitalismo não é uma profissão honrada, mas valoriza a honra como maior virtude.

         /Quanto à Rússia, o plano geopolítico em estrangular economicamente esse país euroasiano e submetê-lo à vontade ocidental vem sendo aplicado desde a queda da URSS em 1991, quando o país passou por duas recessões graves e uma perda grave de seu padrão de vida e sofreu com uma forte desindustrialização devido à sua falta de renovação durante a época de Brejnev. A industria russa ainda é obsoleta quando comparada à da Europa Ocidental e uma plutocracia tomou o país durante o regime de Yeltsin onde magnatas se empossaram das mais importantes companhias petrolíferas, de exploração de minérios, transportes e gás. Esses magnatas ganharam milhões.

         Aliados com os interesses do governo construíram uma Nova Rússia capitalista e associada com a geopolítica de combate ao terror da Era Bush e a dependência energética do Eurocontinente e sobretudo da Alemanha. Mas conforme os anos passam e a diplomacia americana muda conforme seus designios, os democratas começaram a incentivar a intervenção americana em locais diferentes do globo, sobretudo no Oriente Médio, onde houve um choque de interesses entre russos e americanos na Síria. Os americanos levaram muito a sério essa quebra na aliança tácita desenvolvida entre Washington e Moscou.

          O acordo feito entre Reagan e Gorbachiov para que a OTAN não se aproveitasse da fragilidade do regime soviético e intervisse sobre sua "esfera de influência" acabou erodindo quando houve a crise ucraniana; O povo ucraniano decidiu que o governo instalado constitucionalmente pró-Rússia estava tomando decisões erradas ao impor um atrelamento da economia ucraniana a uma "nova URSS" que de fato não apareceu.

         Os russos apareceram com uma proposta de linha de crédito e de parcelamento da dívida ucraniana mais tentadora do que a da União Europeia, que anunciava um programa de austeridade grave que afetaria os próprios ucranianos. Entretanto, o desejo do povo ucraniano se dividiu, alguns optaram por ter um padrão de vida da União Europeia fossem quaisquer consequências, enquanto outros viam como uma traição se submeter aos desígnios europeus sabendo o choque de realidade. A questão que o país entrou em guerra civil e a Rússia interviu por razões estratégicas na Crimeia.

       Essa intervenção deixou os ocidentais furiosos, e como aprenderam na velha doutrina Thatcher-Reagan, uma guerra com a Rússia é impossível e contraproducente, mas é possível estrangulá-la economicamente conforme sanções econômicas em áreas prioritárias. O ataque internacional contra a Rússia, a ação do capital especulativo e a desvalorização do barril do petróleo levaram à crise do rublo que indiretamente afetou também  outros países em desenvolvimento dependentes de commodites. Caso do Brasil.

      O Brasil sofre hoje de várias coisas, de políticas econômicas equivocadas, da fragilidade econômica do Mercosul e sobretudo da Argentina que está prestes a quebrar em virtude de outras crises fiscais e de irresponsabilidade do governo e do capital externo; Da economia venezuelana enfraquecida que impacta a economia brasileira e da desvalorização do barril de petróleo em virtude das ações contra a Rússia. Sem falar do fim  do milagre econômico através do atrelamento da economia brasileira ao modelo de desenvolvimento chinês e a nossa dependência da economia do Eurocontinente enquanto os Estados Unidos ressurgem de forma milagrosa depois da maior crise desde 1929.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Garis

       Há muito tempo que meus dedos não massacram as letras com sua fugacidade, Crisálida envelhece a cada dia, escondida atrás de sua pequena pasta verde de plástico escovado. A velha Olivetti Lettera 82, 1963 está cada dia mais empoeirada sem que seu dono negligente tome nota de sua preciosidade embutida no escritório recém bagunçado. Os livros se acumulam ao seu redor e a poeira também.

        O rádio não toca mais há algum tempo e não há mais whisky debaixo do esconderijo. As ideias fugiram com o passar dos dias e a preguiça associada à inércia levaram o desaparecimento das palavras. O academismo sufocou a livre iniciativa, mas vamos há um conto negligente de dezembro.


        Como podem ver no céu, e no recanto de sua janela, Brasília chove quase a todos os dias. Chove de forma não programada, pegando a todos desprevenidos. Dessa vez fui eu. Atrasado, corria atrás de um ônibus que se tornou um fantasma em meio à mais uma greve de coletivos. Estava vestido como um inglês, mas de inglês não tinha nada, porque tinha esquecido o meu guarda-chuva.

        Fui à banca de jornal, coisa corriqueira e banal. Como comprar chicletes e colocar crédito no celular. Gotejava um pouco lá fora, minha capa me protegia, mas minha mochila me preocupava. Era a segunda vez que enfrentávamos a chuva e a primeira não foi muito animadora. Meu livro do Georges Simenon ficou todo empapado, junto com meu caderno de rascunhos e minha caixa de canetas.

        De fato, mesmo as nuvens estando carregadas. Cinzentas, mais cinzentas do que o concreto e o asfalto. Não dei muita confiança à tempestade; Devia ter me precavido porque "O inferno está deserto e os diabos estão aqui".

       Os ipés vermelhos coloriam os jardins de minha quadra, enquanto os carros corriam de farol alto diante a neblina. Não vi pedestres ou ciclistas e as poucas almas penadas que vi eram feitas de açúcar pois fugiam correndo de algumas gotas de chuva. A garoa estava ligeiramente fria e refrescante, fazia dias de calor, mas começava a engrossar.

       Encontrei um cachorro, meio asno, que correu em minha direção achando que eu era seu dono. Ele reconsiderou quando um trovão caiu bem perto de nós num descampado. A chuva estava cada vez mais forte e meus cabelos, antes desgrenhados, se pentearam pela a água que ensopara toda a minha cabeça e o meu casaco. Apressei o passo e a chuva tratou de se apressar também.

      Na rua as goteiras se somavam e pintavam o asfalto com tons cada vez mais enegrecidos e aquáticos. O reflexo das poças d'água criava pequeno espelhos de ângulos desconhecidos do meu semblante apressado. A mochila, como eu imaginei, já estava ensopada e meu humor também. Encontrei com segurança a parada de ônibus, toda revestida de vidro fumê e plástico que para a desgraça do arquiteto, era profundamente ineficiente e tinha goteiras.

        Duas pessoas se escondiam ali, encolhidas no frio com que o vento violento ceifava as almas mais esperançosas. Um, era um velho que apenas caminhava e foi surpreendido pelo aguaceiro e a outra pessoa era uma doméstica, essa sim estava empenhada em chegar em casa. Eu só queria esperar a chuva passar e ir trabalhar. Eram 15:00 da tarde.

       Numa sexta feira, encontrar um ônibus à tarde é um sacríficio. Imagine quando há greve. Fitei os carros que corriam no vazio do asfalto, enquanto os filetes graúdos de chuva engrosssavam. Ao acompanhá-los com os olhos, encontrei um carrinho de mão com ferramentas de jardinagem. Um aparador de grama, uma foice e uma tesoura de ponta. Um caminhão do Sistema de Limpeza Urbano estava estacionado bem próximo da parada, inaudido à percepção de todos. A chuva era a maior preocupação na hora.


      Um trovão desabou num gramado bem em frente de nós, prenunciando um mal presságio. A chuva violenta vinha do Norte e sua violência correu de uma só vez para os pobres indefesos que estavam na parada de ônibus. Como eu previa, o  vidro daquela instalação vagabunda não foi pensado para uma tempestade e o vento ameaçava retirar o vidro fora. A água começou a entrar no abrigo, e a molhar nossas cabeças debaixo do teto.

      Nós três ficamos reféns da boa vontade celestial. Os ventos me forçaram a sair da parada e me esconder atrás dela, visto que a chuva estava partindo de frente àquela estrutura. Gotejava e a fragilidade daquela estrutura não parecia inspirar conforto. Quem andasse naquele vendaval poderia ser perfeitamente arrastado. Um tufão ou algo parecido.

         Um dos garis gritou de dentro do caminhão-baú, olhando todo nosso sofrimento. Gritou e acenou:

     "EI! VENHAM PARA CÁ!"


      Desconfiados, as duas companhias que tinha entreolharam entre si. Mas num impulso sai correndo tentando me proteger. A chuva estava cada vez mais forte e daqui a pouco era a parada que sairia voando, junto com vacas e casas por aí. Apenas eu tomei coragem e subi no parachoque e depois na caçamba do caminhão.


        Lá dentro, com os cabelos pingando e a capa toda ensopada agradeci ao gari que retrucou olhando em direção à chuva:

       "Eles não quiseram vir, bom, o problema deles. Pode ficar até a chuva passar."

        "Obrigado"

         Eram 3: 23 segundo o meu relógio, que estava igualmente ensopado. Ali dentro percebi que não havia só um , mas vários garis. Sentados em torno de uma roda, eles esperavam a chuva passar. Alguns jogavam dominó, outros apenas jogavam conversa fora. Muitos nem sequer dignaram a me cumprimentar, eu não reclamei, eu era um intruso em seu ninho.

         Aqueles semblantes cansados e simples denotavam a dureza de seu serviço, que era capinar a grama todos os dias e garantir que as arvores e as folhas continuassem impecáveis. Funcionários da NovaCap, provavelmente receberiam tão pouco para operar um trator ou cortar um quilômetro de gramado. Eles discutiam o atraso do serviço:

         "Todo dia chove. A gente começa de manhã, e aí começa a chover. Aí a gente para, quando a chuva dá um tempo. A terra tá tão molhada que chega atrapalha. Quando dá pra cortar a grama, chove de novo"

         E a chuva batia cada vez mais forte na lataria do caminhão. A atmosfera era quente e acolhedora, bem melhor que o frio que fazia lá fora. Úmido e deprimente. Aquele ambiente não chegava a ser confortável. Havia poucas cadeiras e o chão estava sujo de terra que sentia-se o odor campestre dentro do caminhão. Fosse fertilizante ou a terra mesmo. O suor também figurava ali, das roupas e dos rostos. As ferramentas estavam dentro de um armário, junto à uma mesa onde tinha café.

        O gari que me convidou ao abrigo, me ofereceu o café. Eu aceitei. Senti o gosto amargo descer quente por minha garganta, mas era o máximo de cordialidade que poderia esperar. Aqueles semblantes me olhavam desconfiados e eu sabia o porquê. Eu estava bem vestido demais e parecia esnobe aos olhos de muitos. Fiquei olhando para o chão, calado enquanto a chuva corria lá fora. O trovão cortou meus ouvidos e o olhar de censura levou-me um pouco do meu orgulho.

        "Bucha de seis! Você morreu com uma bucha! Seu imbecil" Brandiu um jogador ao parceiro enquanto batia as pedras na mesa.

        Aquele grupo de garis de longe estava mais preocupado em voltar ao trabalho do que eu a sair daquela chuva. Discutiam quanto tempo levaria para fazer todo o serviço estipulado. Vez ou outra comentavam sobre a chuva, ou da família. Mas não demorou muito para que ficassem silenciosos sob minha presença.

        Fiquei ciente disso, e desconfortável, esperava aquela torrente de água passar. Mas não, ela só piorava. Na parada via as pessoas que tinham se recusado a ir no abrigo ficarem tão molhadas que poderia-se fazer uma sopa, era ridícula a ideia de tomarem um segundo banho vestidas, apenas por orgulho. De fato, o céu cinzento não me parecia promissor, mas a imagem de nenhum ônibus passar também não era muito reconfortante.

            Tentei me enxugar com um pano que tinha na mochila e conclui que estava ensopada de novo. Outro livro estragado!"Maldita cidade, passa seis meses sem chuva e quando chove parece que vai cair o dilúvio", disse um dos garis.

           O vento bateu mais forte, movendo a lataria do caminhão de forma preocupante, embora as chances de capotar pelo vento fossem pequenas, o veículo nem por isso deixou de balançar. Foi aí que passou o meu ônibus, não tive tempo de correr para pegá-lo, nem os outros passageiros que agora se acumulavam na parada. Tinha perdido e iria chegar atrasado, já era 3:56.


            O tempo demorou a melhorar. E mesmo olhando de longe a chuva se dissipar e os filetes de chuva se esfarelarem numa garoa fina, ainda demorei a tomar coragem para sair. O olhar curioso e desconfiado de um dos garis me deu forças para me despedir. Foi então que eu percebi, que era uma das raras vezes que não tinha nada a ver com as pessoas ao meu redor. E eu era um estranho na matilha.

           Agradeci com sinceridade o abrigo, e fui tratado com uma educação polida pelos demais. Saltei do caminhão e não ouvi os comentários maldosos que possam ter feito de mim. Na parada, os que ficaram me olharam com censura por estar seco enquanto eles estavam com as roupas completamente coladas no corpo. O tempo passou... A chuva continuava e mesmo assim nada do ônibus. Os desistentes se convenciam que todo aquele esforço fora inútil, e iam a pé para as suas casas.

        Fui o último a ficar na parada. Percebendo que só eu estava ali em pé, porque os bancos estavam molhados, também fui o último a desistir e a voltar para casa. A grama estava verde, as flores estavam vermelhas e o asfalto bem escovado e transparente. Contudo, não me esqueci o modo como aquele gari, na sua simplicidade me acolheu na chuva e me ofereceu um pouco de café, e também não esqueci o olhar desconfiado com que me olhavam os demais naquela cena tão estranha, tanto para eles quanto para mim.


        Esse fosso é bem mais fundo do que a gente imaginava. É bem mais fundo do que o Mar Vermelho.

domingo, 9 de novembro de 2014

"Tudo que é sólido se desmancha pelo ar"

         Nove de novembro, 1989. Após dois dias de intensas manifestações na Alemanha Oriental, o governo socialista da República Democrática Alemã caiu por terra com uma profecia proferida pelo antigo filósofo alemão e  patriarca do socialismo, Karl Marx: "Tudo que é sólido se desmancha pelo ar".


         Marx certamente não sabia que pouco mais de cem anos depois de sua morte esse seria o prenúncio do epitáfio da ditadura do proletariado no regime de socialismo real. De fato, creio que Marx tenha se tomado de intenso arrependimento nos dias mais funesto da DDR. Talvez suas teorias sobre o desenvolvimento do socialismo e da revolução proletária estivessem certas ao destacar que apenas num país ocidental o socialismo poderia ter seu mais pleno desenvolvimento como regime político.

        O problema que a Alemanha Oriental não era um país ocidental nem completamente desenvolvido. Os portões de Brandemburgo escondiam uma Alemanha dividida depois da selvageria da Segunda Guerra Mundial, de fato, os alemães pagaram muito caro por terem se seduzido e aderido (em maior ou menor grau) ao nacional-socialismo de Adolf Hitler e do NSDAP. A Guerra num mundo traumatizado pelo antigo conflito mundial, bem como o rastro do genocídio nos Bálcãs, na União Soviética e nos campos de extermínio na Polônia levaram a um revanchismo e uma onda moralizante intensa nos Julgamentos de Nuremberg.

  
        Para os países ocidentais, vide França e Inglaterra, era completamente inaceitável que um "país civilizado" pudesse fazer uma matança tão indiscriminada sem que a própria moral da sociedade levasse ao questionamento do regime. Mas a hipocrisia com que os ingleses e franceses viam o problema era notável: O massacre da Guerra dos Boêres, pelos ingleses, e a Guerra da Argélia, pelos franceses, são indícios que a violência não era uma novidade para as potências coloniais. A ideia inicial que fomentou a violência do conflito no Leste Europeu foi sem dúvida uma tentativa imperialista da Alemanha, que já era experimentada por outros países muitos anos antes.


        A obsessão foi paga de forma muito cara. A Alemanha novamente ficou com a reputação de vilã (no Tratado de Versalhes ela já tinha sido encarada dessa), sua economia foi arrasada, sua população civil foi posta a inúmeras provações (embora não comparáveis às provações dos poloneses, russos ou judeus) e o seu país foi desmembrado em quatro.

       Sim, a Alemanha foi desmembrada em quatro para que não ressurgisse novamente um "nacionalismo alemão". De fato, essa concepção de divisão dos estados alemães nasceu na política do Cardeu Richelieu de criar um poder imperial francês na Europa em decorrência da fragilidade política dos estados alemães. Mas como tudo na História, os anos certamente são um bom motivo para mudança das coisas. O poder hegemonico não poderia ser alcançado nem pela Inglaterra, nem pela França. E sim pela União Soviética.


       A pátria do socialismo não estava mais só, houveram levantes espontâneos em prol do socialismo em alguns países da Europa, como a Tchecoslováquia, Iugoslávia e Bulgária. Em outros locais, o regime de economia planificada foi realmente imposto, como a Polônia, Romênia, Hungria e Alemanha. O Exército Vermelho, e o próprio Uncle Joe, eram bem populares no Ocidente. A ideologia marxista, dificilmente, teve um grau de tamanha expansão quanto depois da Segunda Guerra.


        A formação de estados socialistas associados à União Soviética é notável. O baluarte do socialismo era conduzido pelo braço forte do Grande Timoneiro, "o grande camarada Stálin, o gênio, herdeiro de Marx, Engels e o insuperável Lênin". Foi o momento em que o país que por vinte e dois anos viveu no mais completo isolamento teve a oportunidade de se mostrar como uma potência. E mais do que isso, um farol de sonhos para a juventude.

         As desconfianças entre os Aliados cresceram. O gabinete conservador de Winston Churchill retomou uma postura francamente anti-russa que já existia bem antes da Primeira Guerra Mundial, e o próprio primeiro ministro passou a ter desconfiança dos reais interesses de Stálin, em especial na Polônia. Lembrando que o Reino Unido entrou no conflito para garantir a soberania do regime polonês (e manter o status quo do Cordon Sanitaire ).

        Os americanos na administração Roosevelt sempre se notabilizaram por uma certa simpatia pelo regime soviético, e isso marca por exemplo o reconhecimento da União Soviética pelos Estados Unidos (tardio) apenas em 1933, com a vinda do diplomata Maksim Litvinov para mostrar suas credenciais ao presidente Roosevelt.

          Contudo, a falta de capacidade diplomática de Harry Truman em lidar com os soviéticos trouxe um objeto de mal estar, que levou até mesmo a trocas de farpas entre o presidente norte-americano e o representante soviético Viatcheslav Molotov. Alguns acreditam que as atitudes de Truman levaram a um enrijecimento do trato entre a diplomacia soviética e americana, o que propiciou o início da Guerra Fria.


           Berlim foi conquistada. Tomada pelo 3° Exército de Choque do 1°Front Bielorruso, o 150° regimento desse Exército ergueu a bandeira soviética no alto do Reichstag, onde anos antes,Adolf Hitler tinha forjado um incêndio, servindo de estopim para o golpe que daria no governo de Weimar.

              Inicialmente era possível a população transitar (ainda com o controle dos guardas armados do NKVD em alguns pontos de saída), posteriormente, à medida que as relações entre aliados pioravam, a repressão começou a se formar. Os alemães orientais passaram a ser prisioneiros em seu próprio país, a Alemanha Oriental passou a ser uma espécie de campo de concentração a céu aberto. 

               A pobreza dos primeiros anos foi notável. Logo mostrou-se inviável dividir a Alemanha em quatro, e os setores de controle inglês, francês e americano vieram posteriormente formar a República Federal Alemã, com sede em Bonn. Berlim Ocidental virou um enclave capitalista no meio do mar comunista. Em 1948, o mundo assistiu o Bloqueio de Berlim, o acesso à cidade foi limitado por tropas soviéticas. Limitando a ajuda humanitária americana à população de Berlim ocidental.
            A crise diplomática foi resolvida apenas um ano depois quando as duas superpotências, URSS e os EUA, sentaram-se para discutir a situação. A questão que a recuperação da Europa ocidental tenha se recuperado bem mais rápido que o bloco soviético (embora a reconstrução soviética tenha sido notável, com taxas de crescimento anual beirando a 20% em alguns setores), só é explicável pelo Plano Marshall.

            O Plano Marshall nasceu como uma tentativa de contenção do comunismo pela a Europa, e não como uma obra de filantropia estadunidense. A injenção de milhões de dólares a fundo perdido era algo impossível a uma economia fragilizada como a União Soviética. Com a melhora substancial do padrão de vida do alemão ocidental, não foi muito difícil compreender porque milhares de berlinenses orientais fugiam da DDR,com sua pobreza e repressão exacerbadas;

            1953 é um ano de mudanças. Stalin morre, a União Soviética é agora uma superpotência que possui não só a bomba atômica, e sim a bomba de hidrogênio. O mundo assistiu o conflito da China com olhos arregalados, e a derrota de Chiang Kai-shek levou o país mais populoso do mundo ao bloco socialista. A Guerra da Coreia ainda não tinha terminado quando Stálin bateu pela a última vez as suas botas de couro no chão.


         A crise de sucessão soviética e  a corrida presidencial após os dois mandatos pífios de Truman levaram a uma trégua parcial das hostilidades dos dois países.  A ascensão de Kruschiov e a denúncia do estalinismo deram esperanças de melhorias nas relações com os países ocidentais. Isso realmente não ocorreu.

            A União Soviética se tornou a ponta do pensamento científico, lançou um satélite no Espaço, o Sputnik. Enviou o primeiro ser vivo para fora da terra, cadelinha Laika. E estourou a maior bomba atômica já lançada na terra, a Tsar Bomba. Em 14 de abril de 1961, Yuri Gagarin conheceu o espaço de perto pela primeira vez. E seria o primeiro cosmonauta a realizar o sonho de Julio Verne.


            O Vietnã estava há quase quinze anos em conflito, a Europa Ocidental estava praticamente reconstruída. E a Europa Oriental caminhava a passos largos em seu crescimento, o padrão de vida soviética chegou ao seu ápice na época de Kruschiov, e o próprio governante soviético falava em dar ao cidadão soviético um padrão de vida similar ao cidadão americano, com todas as seguridades sociais que só eram possíveis num estado francamente socialista.


            Contudo os cidadãos alemães não se sentiam incluídos na “grande família soviética”, o socialismo sempre teve uma penetração modesta na Alemanha, a sua maior ascensão foi no período confuso de conflitos entre os camisas pardas e os comunistas nas ruas. A socialdemocracia de Kautsky sempre foi mais influente entre os segmentos médios alemães.
            O status de vilã da guerra nunca escapou aos alemães, eles viviam num padrão de vida inferior aos seus conterrâneos ocidentais, não partilhavam das mesmas liberdades e para piorar eram observados de forma brutal pelo seu próprio país. A tendência de governos altamente repressivos na Alemanha é uma marca de Bismarck até Honecker.


            A evasão de cidadãos para a Alemanha Ocidental era cada vez maior. Na madrugada do dia 13 de agosto de 1961, a esperança de um mundo melhor desapareceu. O Homem tinha chegado ao Espaço, mas não tinha conseguido sair de sua própria capacidade para a estupidez. Os berlinenses tiveram uma surpresa ao encontrar a sua cidade cortada por guardas armados, arame farpado e juntas de tijolos de concreto e argamassa. Nascia o muro de Berlim, e com ele a Cortina de Ferro física.

            Konrad Adeunaer tentou acalmar a população da Alemanha Ocidental, mas isso foi um tanto inútil. Willy Brandt, na época prefeito de Berlim, reclamou o quanto pode com as autoridades da Stasi e da DDR. Entretanto nada pode ser feito e a declaração de  Walter Ulbricht, líder da Alemanha Oriental passou a ser uma franca mentira:

Vou interpretar a sua pergunta da maneira que na Alemanha Ocidental existem pessoas que desejam que nós mobilizemos os trabalhadores da capital da RDA para construir um muro. Eu não sei nada sobre tais planos, sei que os trabalhadores na capital estão ocupados principalmente com a construção de apartamentos e que suas capacidades são inteiramente utilizadas. Ninguém tem a intenção de construir um muro!


                 O socialismo nasceu como uma ideologia universal, que deveria em tese, ser mostrada para o mundo inteiro para ser uma proposta viável frente ao capitalismo. Essa era a proposta inicial de Karl Marx ao escrever o Manifesto Comunista e recitar a canônica frase: “Trabalhadores do mundo, uni-vos. Pois nada tendes a perder senão os seus próprios grilhões”.

                O que foi o Muro de Berlim senão o sufocamento do ideário socialista? A Alemanha se desentendeu consigo mesma e agora dois povos tinham identidades diferentes. Não digo que viver na Alemanha Oriental fosse uma merda, não era, o padrão de vida de um cidadão alemão oriental era bem melhor que o padrão de vida de um cidadão brasileiro hoje.

              A Alemanha Oriental tinha uma jornada de trabalho de cinco horas, o sistema educacional e de saúde era público e funcionava. Qualquer cidadão da Alemanha Oriental poderia tirar férias, ter licença maternidade e paternidade. A despeito dos comícios, paradas militares estafantes e discursos vazios a vida do cidadão alemão era comum e bastante banal.

              O maior problema era que tinha mais agentes da Stasi, polícia secreta da Alemanha Ocidental, do que cidadãos economicamente ativos. O controle de informações era absurdo e as piadas dessa época são notáveis:

           “Vocês já se perguntaram por que na Alemanha Oriental os policiais sempre andam em três? O primeiro escreve, o outro lê. E o terceiro serve para prender os dois “intelectuais”.”


             De Trabants à comida enlatada. Viver na DDR não era o maior sacrifício na Terra. Mas onde existem Mercedes e apartamentos com calefação, sempre haverá cobiça. A grama do vizinho sempre é mais verde.

              A múmia política de Honecker beijava a outra múmia do Brejnev. A política do Partido Comunista Alemão não representava o grosso da população, no fim a decadência e estagnação corroeram a “sociedade perfeita”, e a Utopia de Thomas Morus se tornou o Admirável Mundo Novo de Huxley.

             Na parada de comemoração da Revolução de Outubro, em 7 de novembro de 1989, milhares de jovens e adolescentes saíram as ruas em busca de liberdade e transparência. Muitos nem sequer acreditavam no fim da Alemanha Oriental. As reformas de Gorbachiov começaram a ter efeito no bloco soviético. A polícia alemã ensaiou uma repressão, que sob os olhos dos ocidentais eram uma nova onda de barbarismo; Todos lembravam o discurso de Ronald Regan: “Mister Gorbachiov, tear down this wall”

            Não foi Gorbachiov que derrubou o Muro, foi a profecia de Marx: “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”. O regime sólido da Alemanha Oriental era representado pela pequena imagem de um muro acinzentado de concreto, laminado com uma capa de cimento, água, areia e pedra. Um monte guardas armados com AKs-47, rotweillers e brigadas de tanques. Tudo caiu, como deve cair. Nada é sólido o suficiente para ser imortal.


            A queda do Muro acabou com a União Soviética? Não. A União Soviética acabou porque não conseguia mais vender um sonho para a sua população há um bom tempo, o cidadão soviético vivia a partir da inércia desde a chegada do poder de Brejnev. A crise de abastecimento, a estagnação, a Guerra do Afeganistão, Chernobyl. Corrupção. Gorbachiov. Golpe. Tudo isso levou a demolição do regime criado por Lênin há 97 anos atrás.


         O socialismo morreu? Não. Só se dinamizou. Também se dividiu, do trotskismo ao maoismo. Da socialdemocracia com coloração um tanto liberal até o “socialismo bolivariano”. Marx ainda é lido, não como papa, mas como teórico. E isso é bom.

            Pessoas esquecidas vem sendo resgatadas, felizmente. Nunca se leu tanto Gramsci na esquerda, como agora. Bukharin saiu do seu esquecimento na década de 30, mas ainda não foi completamente recuperado. A socialdemocracia teve maiores avanços, incrivelmente (para quem nunca deu nada, Kautsky incrivelmente conseguiu superar até Lenin). Hoje o debate entre o marxismo é a retomada do debate do século passado, o marxismo deve ou não seguir uma via democrática? Até hoje não há consenso.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Cronistas e cantadores




"Digo à minha pena que continue escrevendo ou inscrevo as letras,
gravando apenas o esqueleto ou as marcas dos acontecimentos
daquilo que o tempo trança, e não precisa ser caro
à dignidade que sua tribo espera,
 nem mesmo é prova de que vida e morte juntos valham qualquer coisa
O cronista sempre imagina que é o fim:
                                                         de sua "narrativa", -
e afinal, para quem ele escreve tudo e envia
                                                        suas mensagens?

Desde que a primeira letra foi lavrada em nome da narrativa comum,
 a obrigação de continuar fabulando de um escritor a outro
vai passando, ano após ano a passagem de um século
vai sendo contada, e quando não há algo de novo ou os sinais
da decadência se acumulam, escreves sobre a crueldade
de tua época e a respeito de povos mal alunos:

Assim  pensam os cantadores inclusive quando não é tempo de canções,
doam suas vozes, devem se manifestar porque antes deles
cantava-se diante das igrejas ou sobre o dorso dos cavalos; o povo cantante

não se indaga qual é a população ou o volume
da renda bruta; a grandeza medida são
os trovadores e o povo é tão grande
quanto os herois que são cantados. Tudo isso é antiquado, sabe-se,
pois depende da primeira letra , da primeira página
Do milagre recostado nos arreios de decassílabos

Se é bom ou mau, sequer deve-se indagar,
enquanto dura a escrita. Quando a língua deixar
de apenas preocupar-se com a canção, não haverá ninguém para
mensurar o valor do passado, nem para listar
o nome dos monastérios que retornaram às nuvens
ao serem chamados pelo antigo sacerdote.
Nem haverá quem busque pátrias na foz do rio."


                                                               Miodrag Pavlovich.


             Miodrag Pavlovich morreu recentemente, no dia 17 de agosto de 2014 na cidadezinha alemã de Tuttlingen aos oitenta e sete anos de idade. Miodrag Pavlovich infelizmente não é um autor muito conhecido para cá dos trópicos, de fato, isso se deve a sua produção literária se notabilizar pelo idioma sérvio. Contudo, Pavlovich se destacou como um dos percussores da ótica modernista na literatura sérvia pós-Segunda Guerra.

           Marcado por um estilo notoriamente fúnebre e bastante pessimista, Pavlovich foi um dos poucos poetas a captar a essência do que seria o horror da guerra. E insatisfeito com os desvios resultantes dessa, chocou-se muitas vezes com a ótica totalitária de construir a arte apenas como um objeto de consumo: o realismo socialista.

         

           Miodrag Pavlovich estabelece um conceito bastante diferente entre cronistas e cantadores; Primeiramente porque os cronistas são homens dados a contar a realidade conforme eles a observam, e acreditam que o fato se esgota em si mesmo a medida que colocam a pena para escrever. As crônicas são banais, cotidianas e se esgotam facilmente. Nisso, embora as crônicas sejam um domínio da literatura, elas favorecem a construção de um romance-reportagem, como gênero narrativo, pois se baseiam conforme a forma de maneira semelhante a um editorial ou um conto jornalístico de fato.

         Mas para quem de fato o cronista escreve? Quem é seu público alvo?

         As antigas crónicas medievais se dedicavam a glorificar um soberano e descrever um relato "oficial' sobre uma dita realidade histórica, e a despeito dos exageros costumeiros em quantificar os números ou adjetivar por exemplo uma batalha, as crônicas eram verossímeis para uma época e passíveis de críticas ao futuro. A crônica como gênero narrativo  é um dos estilos literários mais antigos da História, e está na fronteira cambaleante entre História e Literatura.

          De fato "O cronista sempre imagina que é o fim:    de sua "narrativa"", afinal a tendência em explicar um acontecimento sobre uma ótica singular foi o que pautou por muito tempo a construção das crônicas a respeito de determinados casos e situações.


"Desde que a primeira letra foi lavrada em nome da narrativa comum,
 a obrigação de continuar fabulando de um escritor a outro
vai passando, ano após ano a passagem de um século
vai sendo contada, e quando não há algo de novo ou os sinais
da decadência se acumulam, escreves sobre a crueldade
de tua época e a respeito de povos mal alunos"

           A literatura começa a se emprestar desse estilo literário à medida que a imprensa começa a emitir editoriais, num período muito avançado do enredo jornalista, de modo que as crônicas começaram a tomar proporções  desvencilhadas do concreto e passaram para o domínio do verossímil. Os redatores de jornais, os escritores seguem a "obrigação de continuar fabulando de um escritor a outro", em nome da narrativa comum. A narrativa que se constrói no começo desse século XX, longo século XX, é explicada num contexto onde o jornalismo e a mídia impressa se destaca como meio de propagar informações. As crônicas não só estabeleciam críticas sociais, como eram análises de comportamento sobre determinados casos que ocorriam na realidade social.

        "E quando não há algo de novo, ou os sinais de decadência se acumulam, escreves sobre a crueldade de tua época e a respeito de povos mal-alunos", creio que não há como ser mais claro do que isso, embora minha análise possa fugir em muito da de Pavlovich, acredito que essa seja a cerne do jornalismo baseado em crônicas de guerra, e cotidianas. As crônicas de guerra, iniciadas pela geração pessimista norte-americana, Ernest Hemingway, Fitzgerald, é uma geração que se dedica primeiramente à literatura, mas uma literatura engajada em relatar uma visão bastante particular e sombria sobre a realidade. A literatura, sob a base da crônica deveria descrever a crueldade da própria época em que se encontra o autor, onde se somam os sinais decadentes.

          A decadência é o maior aspecto da crônica moderna, não que a crônica em si seja decadente, pelo contrário, constitui o estilo literário mais revolucionário já inventado desde a criação do romance, mas ao contrário do que era a ode de exaltação dos reis e dos grandes feitos, a crônica hoje se destaca em mostrar a decadência dos novos tempos (e não seu triunfo), mostrar críticas e levar o senso crítico aos seus leitores, mesmo que por meio de um humor elegante e refinado.


           A crônica é diametralmente diferente dos cânticos, da arte dos cantadores. Os cantadores são alicerçados no domínio da tradição, eles cantam histórias antigas "doam suas vozes, devem se manifestar porque antes deles cantava-se diante das igrejas ou sobre o dorso dos cavalos; o povo cantante". Os cantadores, ou trovadores, nasceram numa cultura de linguagem oral que ainda estava no seu estágio de transição para uma cultura escrita.

           De fato, o maior papel de um trovador é relembrar o que foi o passado aos contemporâneos e adentrar no culto às tradições absorvidas e aceitas no tecido social. Enquanto a crônica moderna é revolucionária, o trovador é um conservador das tradições.

           O alaúde, o bardo, as odes. Isso tudo se findou no movimento trovadorista hispânico, uma franca remanescência medieva do que um dia foi o papel musicado do poeta. Honestamente é de se destacar que p cantador não é necessariamente a figura moderna do cantor ou poeta, mas sim uma absorção contemporânea de um conceito que um dia existiu:
         
          O círculo dos cantadores "não se indaga qual é a população ou o volume da renda bruta; a grandeza da medida são os trovadores e o povo que é tão grande quanto os herois que são cantados." Os cantadores são na verdade um grupo difuso para muitos, contudo, eu vejo a figura do publicitário ou propagandista como um trovador que não se indaga apenas com o impacto da renda bruta, mas incutir certos valores que são cantados em um número maior de pessoas.


         Esses publicitários originalmente não precisam ser revolucionários (mas muitas vezes o são)"Tudo isso é antiquado, sabe-se,pois depende da primeira letra , da primeira página.Do milagre recostado nos arreios de decassílabos',ou seja do milagre encostado no dogmatismo gramatical e na forma como se observa a primeira letra até o final.


"Se é bom ou mau, sequer deve-se indagar,
enquanto dura a escrita. Quando a língua deixar
de apenas preocupar-se com a canção, não haverá ninguém para
mensurar o valor do passado, nem para listar
o nome dos monastérios que retornaram às nuvens
ao serem chamados pelo antigo sacerdote.
Nem haverá quem busque pátrias na foz do rio."
   
           Duvido que Pavlovich tenha falado o que eu interpretei em suas palavras, obviamente ele criticava claramente os rigorosos defensores do academicismo literário em contraposição aos cronistas, defensores de uma narrativa (embora ele também critique qual deva ser o enfoque dos  cronistas). Cronistas e cantadores são meros aforismos para representar uma realidade pré-existente entre Vanguardistas e "academicistas". Contudo, o impacto com que a essa crítica atinge certos segmentos permite de certa forma extrapolar os limites da imaginação.

            A literatura e consequentemente as outras ciências que também se utilizam de um método literário para a construção de suas narrativas com base científica (seja história, filosofia ou sociologia), se baseia nessa constante dialética entre cronistas e cantadores.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Utopia e a realidade

            O burocrata nasceu da ótica de um estamento social bastante limitado mas ainda hipertrófico na figura da formação de um estado-nação. Ao contrário do intelectual, o burocrata não é treinado especificamente para pensar e sim para agir numa forma interna de maneira empírica dentro das regras pré-estabelecidas.

            Os intelectuais são relutantes em definir que seu raciocínio parte de uma ótica primariamente limitada da atmosfera dos "scholars"e o âmbito universitário e se projetam como líderes políticos, compartilhando teorias que levaram à vanguarda revolucionária na sociedade. Esse  papel do intelectual ativista surgiu na formulação de uma nova sociedade de culto ao raciocínio na Revolução Francesa, quando os intelectuais liberais passaram a agir de maneira direta nas lideranças revolucionárias.

           Tanto o burocrata quanto o intelectual, são pessoas nascidas em âmbitos sociais diferentes. Embora tenham emanado numa lógica preexistente muito clara: Sacramentalizar a educação oficial no âmbito de formação de funcionários do próprio Estado.

           A burocracia nasceu de uma noção idealista de gerir o Estado, o Leviatã, a partir de uma ótica corporativa, de que todos as repartições, escritórios, deveriam agir de forma bastante afinada como orgãos do sistema digestório ou circulatório e quando um processo não funcionaria direito, era porque o corpo não funcionaria direito. A medicina em muito condicionou à formação de um Estado segregado a funções bem definidas.

           Enquanto a burocracia prima pela ortodoxia das regras organizadas, o intelectual é naturalmente extravagante e excêntrico, prima normalmente para ideias originais e muitas vezes seu idealismo filosófico é repleto de um completo jogo de interesses; muitos dos que dizem intelectuais na verdade são meros oportunistas demagógicos. (vide Sartre e Arthusser)

           Não faltam também oportunistas na esfera do Estado, na verdade sobram, sobretudo com relação ao seio burocrata de maneira que o papel delicado de manutenção dos serviços à população através do Estado é prejudicado pelo pedantismo inconsequente e bem como pela inércia das repartições. Assim burocracia foi associada automaticamente aos nossos novos tempos com o vocábulo atraso, embora tenha nascido originalmente com a ideia de dar ordem  ao sistema difuso e confuso de uma ótica corporativa.

          Em 1905, o revolucionário russo Vladimir Ulianov escrevia: "a opinião antiquada de que a intelligentsia  seria... capaz de permanecer fora das classes" tinha que ser desconsiderada. De modo que o papel da intelligentsia era de se mostrar como um estamento ilustrado a conduzir o proletariado ainda inculto para as esferas da Revolução. O aspecto leninista de interpretação do fenômeno intelligentsia-proletariado esconde dentro de si um aspecto platônico de uma ilustração pelo conhecimento levaria a uma libertação dos "ignorantes", o Mito da Caverna de Platão. 

           E para acrescentar, o leninismo é também bastante carregado da óptica salvacionista de uma luta bastante aguerrida, que levará a um estágio de sangria e sofrimento, levará à pura redenção de uma sociedade sem classes. É claro que foi na Revolução Russa que vemos o intelectual como um revolucionário, que pega em armas e luta por suas próprias ideias. Esse fenômeno se mantém na Guerra Civil Espanhola e só morre no final da Segunda Guerra (alguns diriam que perdura nas ditaduras latino-americanas). 

             É a primeira parte da integração entre o intelectual e as massas. Essa sua crescente fixação pelo povo não é compartilhada pela burocracia. O burocrata tem ligeiro nojo e aversão pelo que vem a ser popular, obviamente por ter emanado numa lógica mercadológica de ascensão pelo conhecimento e concursos. Um burocrata é um concurseiro do passado, de modo que ele ainda tem fé no sistema de seleção e na ideologia do Estado. Assim, ele é um defensor aguerrido de valores pequeno-burgueses ou de sua classe média.

              Na questão do manuseio da realidade, o burocrata para evitar uma formulação de princípios teóricos e partir a partir da experiência pessoal do seu serviço não trabalha com, casos gerais, para ele só existem casos específicos. Para o intelectual, o que mais há são generalidades, e as especificidades são explicáveis a partir de um contexto pré-estabelecido.

               Esse empirismo que perdura sobre minha análise é tornado acabo pelo modo como a burocracia como mantenedora do culto à tradições e da ordem pre-existente consegue deformar-se rapidamente no formalismo rígido dos mandarins, se dissociando completamente da realidade.
                O intelectual também consegue desaparecer facilmente da realidade, isso é bem nítido quando no meio de suas associações teóricas, ele comete o erro crasso de desistir de viver na realidade, e mais cria incertezas absurdas do ponto de vista prático (vide pós-modernismo).

               É evidente que essa dicotomia entre o intelectual e o burocrático perdura por anos a fio, não só depois de um século inteiro de acadêmicos e funcionários públicos coexistindo, mas pelo contrário, a eminente fusão de ambos os aspectos gera a aberração que é o "medalhão" machadiano. O homem poderoso que se finge de inteligente e intelectualizado, mas no fim é um péssimo burocrata e um péssimo intelectual.

             A dialética entre o utópico e a realidade nos leva a crer que os burocratas são dignos de desconfiança, de pilhéria e de absurdos, enquanto os intelectuais de respeito e de profunda consideração por estarem presos à atmosfera das bibliotecas e dos cafés, de lerem coisas que são inacessíveis a alguns. Mas a utopia estabelece um padrão ético que a despeito de se proclamar elevado e desvencilhado do que vem a ser a estupidez de um estado mal-organizado, ela em si é um tanto mal elaborada pois não foi construída estritamente na realidade amostral, mas apenas em teorias gerais sobre o homem.

                  O realismo burocrático é estupidamente imbecil e estupidamente real. De tal modo que nem o intelectual nem o burocrata se contrapõe e ainda assim não se completam, pois são filhos bastardos de uma só esfera, a esfera do Estado. E para construção de uma moralidade existente no Estado deve-se lembrar das sábias palavras de Edward Carr, filósofo e historiador britânico: "A moralidade só pode ser relativa e não universal". A  realidade é também relativa  e a dicotomia entre utopia e realidade só  constrói uma expectativa do futuro, de burocratas eficientes e intelectuais cada vez mais realistas e práticos.

domingo, 24 de agosto de 2014

A gérmen do trigo (considerações a partir de uma revolução técnico-científica)

         A construção de uma sociologia política associada à economia só é possível devido ao fenômeno do século XVIII e todo o período que escorre sobre a tinta da pena na primeira metade do século XIX.
A tentativa de construir uma sociedade nova a partir de padrões técnico-científicos apresenta uma virada quando o método científico a partir de desdobramentos do empirismo inglês torna a observação da natureza objeto claro da análise humana.

A sociedade europeia olha com estranhamento para um mundo em evidente transformação, seja as mudanças dos hábitos de corte, seja mas linhas de circulação de riquezas ou mesmo os velhos dogmas teológicos/ científicos. A filosofia se desvencilha da religião com a interpretação de Spinoza, embora o racionalismo cartesiano tenha inicialmente tido maior impacto ao levar o homem a cogitar que sua humanidade só pode existir em sua racionalidade e senso crítico.

O esfacelamento do cógnito religioso do homem científico é relacionado ao sintagma da destruição das  guerras religiosas que abateram o Sacro Império Romano nas lutas da Guerra dos Trinta Anos.  E nesse paradigma a filosofia política de uma arte diplomática se formula a partir das elucubrações de um príncipe maquiavélico (no sentido positivo do termo) que conduziram esquemas arrojados de lidar com a política sem muitos escrúpulos e honra, principalmente na arte da teoria política.

As teorias são a grande arma contra o tempo passado, a teoria newtoniana, os estudos de Nikolas Copernicus e Johannes Kepler sobre as órbitas elípticas dos planetas levaram ao questionamento se a natureza não poderia ser estudada como fenômeno de criação divina. Como contemplação da obra celestial e por fim, o estudo do próprio Deus. “Conhece-te a si mesmo”, diria um filósofo barbudo do século XIX chamado Friedrich Nietzsche.

O questionamento da forma como enxergamos o mundo levou ao desenvolvimento de estudos a partir de cadáveres e animais para observar o funcionamento dos órgãos e assim observar a “máquina mais perfeita da criação divina”, o Homem. E em sentido estreitos, os estudos de medicina quebraram tabus paradigmáticos de uma sociedade baseada numa moral cristã. A cientificização da alquimia levou a uma quebra der supertições e levou ao nascimento da Química tão importante nos dias atuais; A criação divina tornou-se cada vez mais racional;

A criação de mecanismos e aparelhos de medição tornaram o estudo da realidade da realidade concreta da natureza possível, conduzindo que a ideia de perfeição não estava na Humanidade, mas sim no estudo da natureza. A Ciência. Deus veio da máquina; “Deus ex machina”.

Não a toa que a religião e a teologia deixaram de ser o foco dessa sociedade em tentar alcançar Deus a partir dos seus estudos da filosofia da natureza em contraponto à filosofia religiosa; A física correspondia maiores chances de  compreender o sentido do funcionamento do Universo e de Deus, do que a própria filosofia como vinha sendo feita antes. Tanto que física quântica é o máximo que a humanidade conseguiu chegar no campo da filosofia.

A ciência nasceu da fé cristã, mas terminou na fé da matemática. O questionamento cartesiano e de Spinoza levou ao florescimento de uma sociedade técnico-científica. A medicina e a física romperam com o aspecto diletante dos cursos universitários e o conhecimento passou a ser imediatamente para uso prático. O racionalismo de Descartes resultou na revolução com que a sociedade europeia ao criar a Lógica racional e cientifica
A organização de uma metodologia e mais do que isso, uma lei geral e segura como a Lei da Gravidade conduziu numa fé geral nas leis gerais dos estudos acadêmicos. Nisso estão as leis da Química, nas teorias sobre a Arte da Guerra de Clausewitz, na diplomacia, no Direito, nos estudos sobre a Medicina e do homem e mais do que isso na Antropologia. As tribos do Pacífico passaram a ser estudadas de uma forma etnocêntrica e supostamente científica por professores das mais diferentes universidades europeias

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As consequências dessa revolução estão na arte da Economia, o sistema monopolista é primeiramente questionado na Riqueza das Nações, de Adam Smith, que concluíra que a causa da pobreza das nações europeias é a má gestão dos seus recursos e na sua capacidade de explorar os recursos de maneira reduzida, além da intervenção maciça do Estado régio. O nascimento de um liberalismo inglês ainda pautado pela ideia de uma gestão sem intervenção direta da monarquia, mas de milhares de “Josés do Egito” levou a um florescimento do ideário de que o Leviatã é grande demais para saber controlar o dia-a-dia das atividades cosmopolitas e a ciência complicada da arte do dinheiro; A lei da oferta e da procura ou a mão divina conduziriam a autorregulação do mercado em prol do bem comum, e mais do que isso para o bem individual.
A livre iniciativa dos mercadores levou a um completo paradigma para alterações chave doo sistema financeiro, com a tabelação de regras fiscais e o fim da intervenção régia em determinadas atividades econômicas. Quando o governo não se apercebe dessas mudanças, há revoluções. Tanto na América quanto na França.

A Revolução Francesa é talvez marcante, tanto quanto a Americana, por quebrar a velha ordem. A segunda quebrou com o Pacto Colonial enquanto a primeira quebrou a aliança dos Três Estados numa sociedade estamental que se viu questionada pela sua incapacidade em suprir o rombo das contas públicas e a carestia que se abatia sobre o trigo francês; É o início da submissão da política à economia e não o contrário, a política nunca mais terá forças para controlar a economia de maneira convincente (tirando nos regimes de economia planificada).


O nascimento da representatividade do Terceiro Estado surgiu com os ingleses da América, mas se tornou marcado pelo modelo representativo francês, e nos dez anos de Revolução Francesa se ensaiou vários modelos  representativos, seja a Assembleia Geral, seja a democracia direta, seja a tirania de um Partido hegemônico. A Revolução Francesa nasceu a partir do experimentalismo empírico de uma sociedade científica na tentativa de gerir uma sociedade na melhor forma possível, mas se deformou pelo descontrole com que os eventos revolucionários acabaram sendo conduzidos com o passar dos meses.


O controle de uma nova época levou ao nascimento de uma ideologia cientificista de culto ao Estado como garantidor das liberdades individuais que destruiu a “bagunça do Antigo Regime”. A Assembleia Nacional impôs novas normatizações e um conjunto jurídico que se alterava conforme as atividades políticas do período.


A Antropologia do Homem desenvolvida em épocas anteriores sacramentalizou um evolucionismo histórico que propiciou uma amoralidade do homem europeu no trato com seus semelhantes, levando à cientificização do extermínio a possíveis opositores ao Progresso. Seja no fio da guilhotina do Terror jacobino, seja no neocolonialismo, seja os campos de extermínio nazistas; O nascimento da banalidade do Mal.


O conservadorismo ressurgiu após a Revolução da França, mas a roda da História já tinha girado. O nascimento do mundo ideológico está na dialética entre a querela entre os girondinos e jacobinos. Mas o que observamos é que o materialismo francês nascido no circulo intelectual de cortes do dito “iluminismo” levou a um enraizamento do pensamento racional, concreto e científico sobre todas as atividades humanas existentes de 1789 até agora.




E o materialismo francês não só foi base de desenvolvimento no pensamento de Karl Marx na sua interpretação filosófica a partir da filosofia de Hegel, como também fez germinar o desenvolvimento do Positivismo de Auguste Comte, do liberalismo renovado do século XIX, como a gérmen da tecnocracia atual de nossos tempos, o mundo é diferente do de 1789 porque os indivíduos (agora posso usar esse termo) não temem mais a tirania, agora é o medo à liberdade; Pois nesse mundo, milhares de pessoas não sabem o que querem da vida senão pela fé irracional de um progresso material desumanizado da filosofia empírico do estudo do próprio homem.

sábado, 23 de agosto de 2014

E a água?

         Como pensariam nossos avós nos anos 70 se soubessem que viria a faltar a água no país com as maiores reservas d'agua no mundo? Eles falariam que só foi uma seca no Nordeste, como sempre teve. Afinal o agreste é quente e isso é normal. Mas qual reação seria a deles ao saber que foi  justamente no Planalto Paulista de Borba Gato e Anhanguera?


         Ridículo? Ridículo era pensar isso naquela época; Ninguém se importava com ecologia. Se gastava água de maneira irresponsável, porque a água era "ad eternum". Hoje não é. E pior pela primeira vez se pensava em racionar petróleo, até aquele momento todo mundo fazia questão de poluir.

        A crise do petróleo tem impacto semelhante ao que a crise da água tem em São Paulo. Ter dinheiro mas não poder consumir, pois é para fins estratégicos. Só que naquele caso faltou petróleo por uma guerra e se podia encher o tanque com outra coisa, agora a água faltou pela seca.

        O governo do PSDB não tem culpa por não chover, tem culpa por não pensar na eventualidade de faltar água. E pior esquecer de racionar a água quando era crítica a situação. Isso foi visivelmente olhando para as eleições. Agora não adianta, a água vai faltar mesmo (já tá faltando). E o mais engraçado disso é que era mais fácil de acreditar que faltaria água em Brasília do que em São Paulo. São Paulo chove o ano inteiro.

        Mas o tempo criou troças aos desavisados;


        E São Paulo aprendeu da maneira mais amarga o que vem a ser uma lição de ecologia. O Tietê poderia ser usado pra beber água se não fosse poluído. Assim como poderia se usar menos água por exemplo para lavar a casa, ou nem se deveria usar piscinas. Lavar a casa com mangueira nem pensar. Coisas simples que hoje são aprendidas a dedos.

         Faltar água. Aquecimento Global? O aquecimento não é global, pelo menos acredito nisso. Há regiões no mundo que houve um resfriamento da média de temperatura, outras um aumento, mas é uma consequência de desarranjos climáticos? Com certeza. O mundo mudou sua antiga forma climática e se modificou de tal forma que não é possível mais pensar como antes.

       São Paulo falta água. Os gritos do Ipiranga são por lampejos de água. Desafio político, logístico e humano. E agora São Paulo? Nem Manuel da Nobrega e o seu pátio do Colégio passaram por isso, e eles lutaram contra os índios no início. O recreio dos Bandeirantes estará seco ou as aguardente de Anhanguera pegará fogo novamente sem que os nativos tenham água para apagar? Paulicéia de muitas faces, e você Masc? Viverá sem sua garoa fina?

       Claro que não. Ano que vem voltará a chover, mas a que preço? E pior, e se faltar água de novo? Todo mundo sabia que podia acontecer, mas ninguém levou a sério. E se levou, achava que era para daqui quarenta anos. O futuro chegou e o país do futuro tem que lidar com ele. Como será viver faltando água? Não sei, mas será uma merda.

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...