sexta-feira, 13 de junho de 2014

"A maior Copa de todos os tempos"

             "O Brasil é um país tão estranho que até o passado chega a ser imprevisível."

             O maior problema dessa Copa não é a cegueira que tivemos por quase sete anos quanto às obras públicas, os desvios, a construção de estádios e a falta de preparação de todo o país para receber o Mundial; O maior problema dessa Copa também não é a impressão que temos de que  passaremos vergonha na organização desse evento mundial.

            O maior problema dessa Copa não é o eventual prejuízo moral que alguns terão ao se verem num país diferente do que estão acostumados, maquiado porcamente para a realização de cerimônias de futebol em "arenas" (eu me recuso a nomear estádio de futebol de Arena).

           O maior problema dessa Copa é se usar de um evento excepcional para impedir a capacidade de protesto da população, violando assim diretrizes máximas da Constituição Federativa de '88, a liberdade de expressão e protesto. O governo, não digo o governo federal, eu digo governo na esfera dos estados e municípios é o maior ator de violação aos direitos das liberdades individuais hoje no Brasil;

          Não só porque lança mão de prisões arbitrárias, convoca a guarda pretoriana da cavalaria de uma polícia militar (sim, a polícia é um braço de auxílio às forças armadas), como também ignora boa parte das demandas sociais em torno da proposta eleitoreira e populista de realizar a "maior Copa de todos os tempos".

         A "maior Copa de todos os tempos", nós somos tão humildes quanto os argentinos, de fato essa não é a maior Copa de todos os tempos, é uma copa do Mundo como outra normal, com estádios, jogadores, jornalistas, uma bola e um juiz. O que há de especial nessa Copa? Ela ser no Brasil?

       O Brasil não é berço do futebol, para início de conversa, a gente adotou o futebol é coisa diferente. O brasileiro se preocupa com futebol sim, primeiro o futebol de seu time, Corinthians, Vasco, Flamengo, Internacional, Palmeiras, e de quatro em quatro anos com a seleção brasileira. Essa seleção que é controlada pela CBF envolvida com escândalos de corrupção e com os porões turvos da Ditadura.

        Estranho é que a mesma classe média que gritou lado a lado sob o sol pesado, nuvens de gás de pimenta e lacrimogênio, com cavalos correndo em flancos, snipers posicionados em helicópteros, com crianças e idosos em meio à confusão de pessoas correndo do braço forte do Estado (e uma mão nada amiga), estava nos estádios assistindo um jogo promovido por uma Fifa cada vez menos interessada no futebol.

         A seleção brasileira sofreu com  a Croácia, teve um lance que foi polêmico, mas ganhou a partida como eu já imaginava. As vaias à Dilma no início do jogo parecem ter dado sorte à seleção de Felipão, por falar nessas vaias, elas não surgiram da arquibancada, surgiram dos camarotes seletos da elite carioca-paulistana que se beneficiou justamente desse governo para ganhar dinheiro.

           Exatamente, os mesmo industriais da Fiesp, os artistas da Globo, os agropecuários do interior de Goiás, que receberam empréstimos subsidiados do BNDES, que receberam incentivos de IPI há não muito tempo atrás vaiaram o governo do "Partido dos Trabalhadores" que auxiliou em muito os patrões. Essa elite que vaiou depende em muito desse estado fajuto alicerçado por uma oligarquia corrupta e incompetente.

             E não é que eu goste desse governo, de fato, a inépcia do governo federal na política econômica é monumental; Em todo caso eu penso, porque essas pessoas têm o direito de protestar dentro de um estádio seguras de que não serão agredidas enquanto as pessoas que protestam na rua apanham e levam balas de borracha? Qual democracia que vivemos?

           Na verdade cada vez menos estou convencido da existência de um regime inteiramente democrático no Brasil, e mais estou convencido na existência de um regime cada vez mais atrelado à oligarquia que controla as grandes redes de poder em Brasília, como nas veredas do sertão brasileiro. E esse é o motivo de grande desânimo quando observamos o modo como a política brasileira é conduzida.

           O Supremo Tribunal Federal viola os próprios estatutos prescritos na lei para agir na corrida contra os acusados de corrupção (não importa se foi bem intencionado ou não, o que importa que violaram a lei e deixaram uma lacuna na jurisprudência), como também o legislativo cada vez mais delibera leis absurdas e o Executivo manda de cima. O país foge da esfera de sua própria realidade.

          A maneira como a Copa foi feita no Brasil não é só uma mostra da falência moral que a política brasileira cada vez mais marcada pelo neopopulismo traz à sociedade civil e a cultura política nacional, mas é uma consequência do processo de cegueira e de acobertamento das grandes falhas e faltas que o povo apresentou nesses sete anos de aparente bonança econômica até 2012-2013.

            A História do Brasil sempre circulou numa ótica mirabilesca cujas atribuições chegavam próximas ao riso, mas é cada vez mais preocupante que frente ao paradigma  de cegueira das massas e da cegueira ideológica dos intelectuais em uma polarização cada vez mais inconsequente o Brasil caminhe cada vez mais para a ótica do absurdo.

          A Copa não é a grande responsável pelos nossos males, nem a Fifa é inteiramente culpada pelos desvios e corrupção. Isso não quer dizer que a Fifa deva ser inocentada da corrupção que ela trouxe, mas a grande responsabilidade do que veio acontecer (não só hoje como no passado) é praticamente nossa.; Nosso imediatismo, nossa cegueira, nossa pouca prática ao trabalho braçal e nossa completa falta de moralismo intrínseco à prática.

          Por isso eu volto a dizer:

                      "O Brasil é um país tão estranho que até o passado chega a ser imprevisível."

        Imprevisíveis somos nós que procuramos cada vez mais o futuro, e cada vez mais repetimos os erros do passado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...