A História é uma construção literária bem antes de ser sacramentada como ciência, é um esforço narrativo no qual se tem a maior meta "fazer com os feitos dos homens não sejam esquecidos", cada sociedade humana constrói sua história conforme sua cultura. Algumas sociedades privilegiaram a memória como marca indelével de sua transição através dos tempos, a partir da história oral, outras priorizaram a codificação escrita como forma de que nada pudesse ser esquecido.
A codificação da História parte com a formulação do código escrito, efetuada primeiramente pelos babilônicos com sua escrita cuneiforme, e a redação de textos sobre a origem da sociedade humana e sua filosofia tautológica (na figura das duas perguntas mestres: De onde eu vim? Para onde eu vou?) partiu do campo da religião. Não à toa que os hieróglifos ou sânscrito antigo se basearam numa tentativa narrativa de construir uma história de uma sociedade a partir de uma temática religiosa.
De todas as religiões que estabeleceram sua fé num códex normativo, o judaísmo foi talvez a que teve maior sucesso na figura do Livro, a Torá, baseada na formulação de Moisés (após a descida do Monte Sinai).
Os gregos faziam história? As investigações de Heródoto, bem como as elucubrações de Tucídides são esforços de construir uma moral cívica a partir do exemplo, notificando os cidadãos a agirem conforme seus antepassados agiram no interesse da pólis. Nisso temos a influência da Era dos Heróis, iniciada por Homero, cuja existência é hoje tema de intenso debate, ao pontuar Aquiles e Odisseu como os exemplos de heróis a serem seguidos por uma sociedade em processo de amadurecimento.
Os exemplos dos grandes feitos e dos grandes homens são uma marca de uma vertente historiográfica desde esse período até pouco tempo atrás, a figura da biografia como esforço historiográfico. Eu acredito na importância da Biografia como uma interpretação científica de uma vida no passado e apesar de questionamentos principalmente impulsionados pelos materialistas e pela grande história, a biografia ainda tem muito o que oferecer.
O que saberíamos do período Júlio-Claudiano sem as sátiras de Suetônio, as redações de Plutarco e os escritos de Tito Lívio. Como conheceríamos Cícero, César, Marco Antônio ou Crasso? Os romanos foram peritos em escrever biografias, até mesmo como forma de enobrecer as origens das casas mais importantes de Roma e construir uma história do Império, desde a fundação de Roma por Rômulo e Remo até o seu apogeu na época de Otávio Augusto.
Para Johan Huizinga a história é antes de mais nada um "fenômeno cultural" onde cada povo cria sua própria história como lhe é conveniente. Embora não se possa esperar mais da história de uma certa visão de um certo passado que é imutável, a História é um campo baseado pela tradição, tradição essa escrita e aceita pela própria sociedade que a compõe.
A História torna-se a ciência e mola propulsora do pensamento humano a partir da noção de Cícero: "Historia, magistra vitae" e conforme o movimento iniciado no século XVIII de refletir a sociedade humana e construir uma antropologia geral do homem em que se estudaria a origem do Homem, a história passa a ser um grande objeto de estudo dos pensadores modernos, nesses insere-se por exemplo Voltaire.
O estranhamento com outras culturas gerado pelo choque de costumes e culturas recíprocas levou ao distanciamento reflexivo feito pelos intelectuais de como se desenrolou a história européia e porque aparentemente os europeus eram "superiores aos índios americanos e aos africanos".
A despeito do aspecto etnocêntrico desses estudos, o entendimento antropológico dessa época não era possível sem a própria classificação, e por isso a produção antropológica desse período é muito criticada por não se esforçar em retirar os juízos de valor de uma sociedade europeia.
A História passa a ser influenciada pelo esforço iluminista de pensar o homem como foco a ser estudado, como uma extensão da natureza e da filosofia da natureza e esse esforço antropológico generalista produziu também uma história geral, uma história dos povos como meio de autoafirmação nacional.
A Revolução Francesa foi um choque de consciência para toda a sociedade européia existente, com efeitos dramáticos no Terror Jacobino e na ascensão de Napoleão. A isso observou-se um esforço em explicar os motivos que levaram a esse choque total com a antiga ordem.
Assim surge a narrativa generalista e bem trabalhada de Jules Michelet, nos tomos: História da Revolução Francesa.
A produção do conhecimento é apenas possível com a obtenção de um objeto de estudo, pelo método científico e o historiador é o sujeito que produz o estudo através do discurso que é a História.
A História como ciência surgiu com maior força no século XIX:
A criação de um método próprio e geral para a história parte das escritas de um Iluminismo alemão preocupado com a filosofia do homem, nisso estabelecem-se estudos sobre como a sociedade humana se desenrolou a partir de fontes oficiais, documentos dos estados nacionais e de nobres. A tendência dos historiadores metódicos em conferir grande importância a fontes oficiais parte do financiamento (em parte pelo Estado, outras pelos próprios nobres), pelo acervo (o acervo da Igreja e do Estado costumava ser mais amplo e conservado) e a da ideologia de formulação de estados-nacionais.
A escola metódica é revolucionária na sua abordagem da história como ciência e na sua tendência de fazer uma análise minuciosa é "imparcial" dos documentos. A compilação dos documentos em grandes volumes de história geral (seja da jurisprudência seja da história nacional), bem como a catalogação dos documentos facilitou em muito o trabalho do historiador das outras gerações.
A história metódica analisava a estrutura textual das fontes com o objetivo claro de procurar o fato histórico como um dado objetivo, pronto e verificável.
O historicismo alemão renovou-se frente á escola metódica ao tentar observar que no método historiográfico não poderia ter o predomínio apenas de uma fonte oficial mas também deveria se inserir o método através da reunião de documentos e de uma análise crítica desse material, através de um método indutivo através da hermenêutica. Ao contrário do pensamento metódico, o historicismo abre um questionamento sobre a ideia de se chegar a História realmente a partir dos documentos.
A filosofia da História através do pensamento entre ambas tendências historiográficas é uma característica que marca o pensamento tautológico iniciado pelo o Iluminismo e não pode ser negligenciado a despeito das tentativas atuais em desconstruir a história como esforço científico.
A importância social que a História assume é dada pela a sua aceitação como ciência e questionamentos que retiram seu caráter legítimo de produção do conhecimento dilapidam o trabalho do historiador.
Em todo caso, o questionamento de Marx a Feuerbach e a sua própria concepção de que a economia e as relações econômicas são o que ditam as relações econômicas ( o que é uma concepção interessante para a maioria dos casos, mas que empobrece o estudo do historiador em outras situações) leva a ideia da Economia como a ciência máxima e que a História seria eliminada conforme as lutas sociais fossem eliminadas, se iniciando a sociedade comunista, pois a História sempre foi construto dos vencedores e a "A violência seria a parteira da História".
Sem anexações à filosofia da História, Marx acredita na mesma filosofia da História de Hegel, de que a História é um movimento progressivo da Humanidade para o seu desenvolvimento até a maturidade social, só que ao contrário de que a Ideia e o Espírito conduziriam ao movimento do Homem e da Humanidade, Marx é mais rígido e estabelece que as relações sociais, bem como a luta de classes conduzem ao movimento da sociedade e levarão à Humanidade ao comunismo.
O pensamento de Marx é interessante ao analisar a dinâmica social que se desenrola dentro da política e da sociedade e da importância que a economia possui no desenvolvimento das lutas de classe que realmente movem a dinâmica das sociedades até hoje, mas seu pensamento é simplista em campos mais subjetivos, como as emoções, psicologia social, fé e organização nas instituições matrimoniais e de parentesco (Freud explica isso com maior embasamento prático).
A História dos Grande Homens é substituída pela a história das relações sociais de produção, mas a História continua sendo geral. Até a formulação da escola dos Annales em que há o questionamento do porquê de se estudar apenas o contexto macro e não o Micro, surgem debates de como encarar as fontes, de como se reinterpretar a história política que tinha sido negligenciada, a microhistória, os debates multiculturalistas (a partir do intercâmbio promovido nos anos 60-70 de ideias budistas e do Oriente sobre a filosofia de vida) e questionamentos da sociedade humana principalmente pela falência de um modelo de se produzir história dogmático e científico.
O cientificismo soviético em produzir histórias da Revolução Russa, Histórias das Relações Humanas, História do Capitalismo, eram aceitos abertamente pela intelectualidade socialista européia, a cartilha de Moscou era seguida a risca e mais do que isso o pensamento intelectual de esquerda era ligeiramente pró-URSS;
O impacto que o XX Congresso do Partido Comunista que promoveu um repúdio a Stalin, levou a um questionamento a ideia de que se o comunismo era realmente o melhor caminho e o futuro para a Humanidade, as ações soviéticas na Hungria (1956) e sobretudo na Tchecoslováquia em 1968 enterraram por terra o sonho de muitos jovens entusiastas do comunismo;
Alguns partiram para a construção de novos sonhos, seja a Revolução Cubana, seja a Revolução Cultural (que Sartre foi tenaz apoiador, até que se descobriu que Mao Tsé-Tung estava realizando um genocídio sem precedentes). Outros, decepcionados com o mundo bipartido onde nenhum dos lados era realmente mocinho, partiram para o niilismo ideológico, se voltando para as ideias de Nietzsche, ou mesmo para a afirmação de valores sociais fora da sociedade, como o mundo underground, que ficou evidente nos Estados Unidos no imediato pós-Woodstock.
É nesse contexto que surge o que viria a ser sacramentado de pós-modernismo, a negação de todos os modelos, ideias já construídas em favor de uma falta de construções filosóficas na História. É um niilismo histórico no sentido pejorativo, ao não observar a história como um esforço científico, mas apenas um discurso construído sobre várias verdades que no fim não existem por completo pois a Verdade não existe.
A Academia é um esforço político de luta entre vários grupos de pensamento para sobrepor sua vertente e suas ideias, é uma ditadura da egocracia, mais do que isso um aristocracia dos doutorados e nesse sentido os embates nas universidades são bastante acalorados entre os defensores do pós-modernismo e os representantes de outras escolas historiográficas.
Nesse ínterim, o que é História?
Acredito na história como exercício narrativa com enfoque científico, que observe a história como um esforço de interpretação de uma realidade que existiu e que nunca poderá ser retomada. A História é uma fusão de arte com ciência, pois não se produz história sem escrita e narrativa, mas também não é História um estudo sem um método.
Quanto a um método a História não tem só um método, mas sim vários que variam conforme a abordagem de trabalho e isso a torna uma ciência diferente da Matemática, da Química ou da Biologia.
A História não possui grandes verdades, mas possui uma lógica interna dentro de si, dentro de sua narrativa, dentro de sua filosofia e dentro de sua própria antropologia de interpretar o homem como ator ativo da dinâmica social, erra quem diz que História não tem um sentido próprio ou que não há uma certeza nas ações de cada um. A História é uma análise da vida cotidiana escrita de várias formas diferentes, seja na economia, na política, na cultura ou na biografia.
A História é um esforço narrativo, mas mais do que isso nunca se esgota em si mesma. E a ciência inexiste se não tiver questionamentos dentro de si e apenas verdades, e de questionamentos a História é cheia. Por isso história não é só ciência, mas é a ciência mais completa de todas as ciências porque nunca se esgota em seus questionamentos.
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