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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Crônicas de uma velhice prematura

       Meus dedos enrugam, meus olhos se cegam e a chuva caí sobre meu rosto. O rosto envelhecido e sem vontade, tomado de rugas e de falta de consolo. Espero no frio um pouco de acalanto um pouco menos de tristeza, mas quando volto à casa de meu pai tudo que sinto é um misto de saudade envelhecida numa mente bolorenta de ideias. O casarão envelheceu tanto quanto eu e as janelas de ferro enferrujaram como as memórias da minha juventude.


       Nunca trocamos muitas palavras, eu e meu pai passamos anos brigando, mas no fim o que mais conseguíamos era nos respeita. Naquela época eu tinha sonhos, meu pai, a realidade. Um dia apertamos as mãos e começamos a conversar. Antes tarde do que nunca, hoje eu percebo. Na época era tão imaturo que me julgava poderoso em meu pedestal de livros fracos.

     

         Queria ter mais momentos de reflexão como esse, sem que precisasse fumar um tanto de tabaco na madeira de meu cachimbo trincado nos dentes. Meu pai não sabia que fumava escondido e me bateria se soubesse. Ele era uma pessoa risonha que raramente chorava... só o vi chorar uma vez, quando viu que iria me perder. Meu velho pai já de cabeça branca não tinha mais esperanças em suas mãos, não tinha olhos senão para o passado e o coração amargurado de tamanha tristeza.

        Quando arrumei minhas malas, vesti minha jaqueta e calcei os meus sapatos. Ele veio e me abraçou, não disse nada. Não me perguntou como costumava fazer em todo início de mês se eu tinha dinheiro suficiente, ou se andava almoçando. Não, ele sabia que era o nosso último dia. Nossos futuros eram diferentes, o lugar dele era ali, com o seu emprego e ao lado de minha mãe. E meu lugar era justamente o contrário, o mundo e ninguém ao meu lado.

         Ele nunca compreendeu o lado anárquico de minha pessoa e eu nunca quis me justificar tentando explicar. Eu descobri a verdade no mundo sem descobrir a mim mesmo e tomado pelo espírito nômade de meus pés, eu vaguei por onde nunca imaginei até o sangue se transformar em vinho que a terra bebericou com a chuva.

         Foi ao mesmo tempo belo e doloroso saber como tudo acabou. A tristeza com que meu pai esperou os seus últimos dias afundado numa cama esperando pelo filho que não retornava, desejando vê-lo mesmo sabendo que estava no outro lado do mundo. Ele me esperou sem saber que eu tinha desaparecido com a minha força de vontade.

        Vaguei sozinho por anos, levei nas costas os grilhões de vidas passadas e aprendi o que era a humildade. Meu pai que esperou tanto percebeu que seu filho só chegava atrasado e quando descansou, eu estava olhando o céu sozinho sob as montanhas de um lugar desconhecido. Um vento gelado cortou o meu coração e gelei com tudo isso, desci as montanhas corri para onde os meus pés me levavam até que o cansaço tomasse o meu corpo por completo e ainda assim não cheguei em casa.

          Quando cheguei a memória de meu pai tinha partido, ele que nunca usava gravata, estava vestido com uma bastante extravagante em seu paletó de madeira no púlpito em que poucas pessoas pronunciavam o seu nome. Minha mãe e eu não dirigimos uma só palavra, como previsto, nenhum de nós dois se perdoava, enquanto meu pai, cansado por toda uma vida, finalmente descansou. Eu beijei suas mãos e me inclinei para que visse meus olhos.

          O corpo dele estava gelado, suas mãos morenas engasgavam a rosa depositada no caixão. Eu me perguntei se tinha sido ele ou eu que tinha partido. Até hoje não sei qual era a resposta. A minha juventude se foi, o cabelo sempre tão rebelde passou a ser penteado e passei a vestir terno. Com a pasta nas mãos, abandonei meus sonhos e batalhei por dias e dias lembrando da tristeza de meu pai.

           Eu não lembro de ter chorado desde o dia que ele partiu, mas quando encontrei o velho sobrado ainda preservado, desabei. Não tive coragem de vendê-lo, aquele casarão era o maior sonho de meu finado pai e era a mostra de amor que ele tinha conosco. Eu ainda lembro do dia que ele apareceu sorridente com as plantas do escritório de arquitetura e me pediu para escolher um dos desenhos. O desenho que eu escolhi nem era o mais bonito, mas foi o que construíram.

      Todo o suor gasto para lembrar das lágrimas que nunca tive. Meu pai viveu nessa casa, eu nunca. Minha velhice enrugada esperava um sinal de conforto que nunca tive, porque nunca tive nada para ser reconfortado. Nunca me faltou nada, nem amor, nem tristeza. O relógio de meu pulso tomava meus ouvidos enquanto a chuva caía sobre o meu casaco, os velhos fantasmas sorriam para mim sem que me lembrasse dos dias felizes de minha vil juventude.


      Enteado de meu pai, depois de anos de profundo silêncio tudo que consigo dizer é que eu o amava, do meu jeito, frio e calculista. Sem que isso me cortasse a lembrança de tê-lo detestado quando criança. Apenas a velhice nos revela a maldade das coisas mundanas.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

O vento da matemática

            Por quase um ano Gregório Furtado abandonava  giz e o apagador, o capote de ilustrado e caminhava na cidade combalida de mentes e raciocínio. Como um emérita transmoderno, não andava de túnica ou cabelo longo. Pelo contrário, andava de jaqueta preta e cabeça raspada; Poderia ser confundido com um motoqueiro ou algo parecido;




             Mas ele era mais perigoso do que isso, ele era um professor de matemática; E tão cartesiano de ideias, andava sempre com um esquadro nas mãos e uma calculadora em outra. Figurinha carimbada na escola, ele parecia um fantasma cujas projeções projetavam-se sobre a sombra tênue dos alunos. Esforço seja dito, diferencial ou mesmo trigonometria assombravam todas as noites dos jovens imberbes cujas barbas vazias os assemelhavam a crianças com medo do bicho-papão ou chupa-cabra.


              Revolucionário como as parábolas e o cálculo newtoniano, raramente saia de casa a não ser para se apaixonar novamente pelos números e pelo cálculo diferencial.  Solitário, brincava de calcular os riscos no chão e escrever números imaginários em sua cabeça; Multiplicava as árvores pelos pássaros e dividia tudo pela forma convencida dos arcos de concreto armado da selva de pedra;

                 Um dia foi denunciado como subversivo por brincar de estar brincando de ser economista, fazer projeções de especulação na porta de um banco. Catalítico dizia: “Nenhum banco é realmente bom para todos! Sempre haverá um número faltando nos dividendos.”

                   Isso era no meio do fogo de palha das Jornadas de Julho.  Qualquer frase mais ou menos revolucionária poderia ser encarada como uma afronta para o governo; A guarda pretoriana dos números primos vestia realmente capacetes draconianos e armados com cassetetes de matrizes batiam nos defensores einstenianos que questionavam a teoria newtoniana do Estado. A gravidade levaria tudo abaixo, menos a Babilônia que tinha jardins suspensos.

               Foi preso no meio daquela confusão de números primos misturados com raízes negativas. O número pi zumbia em seus ouvidos depois da saraivada pesada de um cassetete em seus ouvidos. E tudo que fez foi sorrir e recitar a formula de Bashkara.




              No meio do interrogatório. Sob golpes violentos do guarda, na luz fraca sobre o rosto e o sangue gotejando da boca, ele recitava:


“X igual menos b, mais ou menos raiz de b ao quadrado menos 4 multiplicado por a e c, dividido pelo dobro de a”


O guarda nem o delegado entenderam, e numa torrente de palavras ilógicas, e portanto não cartesianas, o golpearam com toda a incongruência matemática que é dizer que dois mais dois é igual a cinco.


Gregório Furtado era homem casado, pai e um ser matemático. Professor e cartesiano por convicção, beijou o cálculo quando criança e se apaixonou pelo modo como os números seduziam no gráfico.
Foi solto oito dias depois, ou será o cubo de dois dias inteiros? A juíza da vara judicial mandou uma ordem direta, de que não mais ministrasse a matemática. Os números eram subversivos e às vezes criminosos.



Indiciado por associação criminosa, ele rastejava pela cidade procurando encontrar o número em cada palavra das pessoas, versos, ou mesmo fonemas vocálicos. E descobriu que a geometria da vida era uma coisa tão amorfa que não correspondia ao prisma equilatéro com o qual sonhara toda a vida.


Gregório Furtado era casado, pai de uma menina de sete anos. Foi torturado e não pode mais fazer ativismo em classe. Dar aulas também é ser servo da religião dos números, o positivismo engendrado. Beijou o céu e a lua, pensou ser Pitágoras.


E no fim enlouqueceu de vez, apenas os bons colegas diziam. “O que se fez foi acabar com a reputação de uma pessoa que só podia pensar em se apaixonar pelos números. O homem matemático”.

“Eu sou Pitagoras eu sei, desenho o triângulo retângulo como você me vê, meu olho é um prisma por onde olho mundo passar a ser uma ótica do sombrio destino que é o número irracional”. Dizia.


Deprimido, sem capacidade de dar afeição aos números como antes fazia, se apaixonou pela língua portuguesa e hoje vende livros de cordel nas paradas de ônibus por aí a fora. “Meu mundo acordou, Não misturo as coisas . Esqueça que um dia fui mestre da ciência e se apaixone pela minha matemática das letras”, disse no ônibus.


Taxado de louco, foi deixado na parada. Com um semblante sorridente olhava todos com um olhar profundo que adentrava a alma, de modo que todos os passageiros viam em seu rosto um  choque de realidade. Desconfortáveis deixaram levar seus rostos lívidos com o passo do compasso e por fim Gregório Furtado contou as gotas de chuva que caíram sobre o céu.


“Minha tábula de diferencial” E beijou o vazio no meio do nada.



A chuva caía do céu e trovoadas corriam pelo céu no solo da capital... E o filho da ciência foi corrigido pelo braço coercitivo da matemática radical.

domingo, 31 de agosto de 2014

O triste fim da tênue esperança

         É um mito pensar que à sombra da morte de Eduardo Campos nosso sistema político será renovado, Eduardo era uma esperança de um futuro melhor que morreu naquele infeliz acidente aéreo. A despeito do que tentou se associar a escândalos de caixa 2, não acredito realmente que Campos fosse dessa esquife, e sim alguns de seus apoiadores e também apoiadores de Marina Silva.


         No Brasil carece a política índole e aparentemente Campos traria uma nova refrigeração de ideias no cenário nacional, e o PSB estava na vanguarda do pensamento progressista brasileiro, sobretudo com relação à esquerda, por estar mais inclinado ao aspecto ideológico do socialismo europeu gramsciniano. Campos tinha antigas ligações com o lula-petismo, mas isso se encerrou quando ele começou a aspirar voos mais largos.

        A proposta econômica de Campos não está clara para muitos, mas resultava na mudança da política econômica atual de incentivos à setores definidos e passar a um arrocho ministerial, uma terapia para uma economia em estagnação (estamos agora em estagnação técnica). Redução de gastos, redução de taxas, e uma maior abertura da economia brasileira ao exterior sem retirar os avanços sociais do governo Lula. Campos fugiria do pensamento cepalino de Guido Mantega e o Brasil poderia retomar o seu crescimento. Por isso ele era o candidato mais adequado.

        Ele era jovem e tinha iniciativa.


         Mas o maior engodo da campanha de Eduardo foi a aliança com Marina Silva; Inicialmente parecia ser um trunfo cooptar a ala dissidente do Partido Verde, o Rede, que não conseguiu se inscrever a tempo, mas com o passar do tempo o apoio político que parecia ser vantajoso para o PSB passou a ser um problema. O Rede passou a desejar reformulações do programa eleitoral do PSB e Campos foi um dos militantes do PSB a segurar o que o pessoal da Marina Silva desejava fazer, pois isso iria descaracterizar a proposta partidária do PSB.

           No quesito ecológico e sustentabilidade, o primeiro partido a ter essa preocupação não foi o Partido Verde, foi o PSB. Os herdeiros de Miguel Arraes sempre estiveram numa vanguarda política , embora o modelo político brasileiro tenha dado distorções aos quadros partidários do Partido Socialista Brasileiro.

           Não que eu acredite que o sistema político seja mudado de cabo a rabo nesse caso, mas é notável o medo existente de que Marina Silva esvazie o progressismo do PSB, com suas posturas bastante conservadoras com relação aos direitos dos homossexuais em por exemplo estabelecerem matrimônio (Campos era católico fervoroso, mas o seu catolicismo era desvencilhado de suas ações políticas. E no Brasil todo político é cristão em tese, até o mais ateu dos políticos como Getúlio Vargas, era cristão de  soturna).

           E engraçado que Marina é a primeira a romper o círculo católico na presidência (FHC era agnóstico ao que tudo indica, mas todo mundo fingia que ele fosse católico). Ela se for eleita vai ser a primeira presidente (e não presidenta, porque a gramática é sempre mais relevante do que atos diretos da Presidência para mudar a filologia das palavras) evangélica, e isso mostra o ciclo de expansão protestantismo americano no maior recanto católico do Mundo.

           Pra mim é claro que a proposta de Campos está sendo levada a outras matizes quando Marina Silva veio conversar com os usineiros de cana-de-açucar essa semana. A proposta dela de aparecer no evento foi de conseguir apoio político de um grupo que foi massacrado pelas escolhas erradas de um governo que negligenciou a indústria do etanol ao retirar toda a competitividade do mercado do álcool, não dar incentivos e ajuda na estiagem no Oeste Paulista e dar incentivos a reduzir o preço da gasolina por conta da política que não estava errada de combate a inflação. Só que o preço artificial da gasolina onerou demais a Petrobrás e defasou a indústria do etanol.

            A ideia de Marina Silva foi de conseguir apoio do agronegócio "sustentável" que nós sabemos não é tão sustentável assim. Isso mostra o programa bipolar da sustentabilidade ambiental da Rede, pois desenvolvimento sustentável até hoje se pautou por uma proposta econômica de economizar recursos naturais e ter maiores lucros com isso. É uma proposta de cabo a rabo capitalista. E no mais, movimenta um mercado milionário de "produtos verdes" e OnGs que incrivelmente explora o ativismo político dos verdadeiros militantes verdes do mundo. É um aproveitamento do pensamento ecologista para ganhar grandes fortunas;

            O maior perigo é que a Marina Silva com as contradições nos discursos faça um governo que esqueça que temos ao mesmo tempo crescer e manter as conquistas sociais existentes, e mais do que isso, ainda tem que desinchar o Leviatã tupininquim.

              Marina Silva resulta de um vazio ideológico muito claro, ela não tem ideias muito enraizadas de como desenvolver o Brasil e de como resolver o dilema econômico atual, ao contrário de Eduardo Campos que além de ser um economista, tinha apoiadores de primeira linha, e se traduziu como um bom gestor no Ministério da Ciência e Tecnologia. E para piorar, as ligações que Marina Silva mantém com grandes empresários de Sampa-Rio, de uma elite financeira e cosmética torna um tanto duvidosas as reais intenções do que será feito. A classe trabalhadora será negligenciada nessas reformas?


             Marina Silva nasceu do povo, veio do Acre, estado longínquo e sem nenhuma projeção política no cenário nacional. Houveram apenas dois fatos de grande expressão em sua história: O conflito com a Bolívia , que resultou num fiasco do Exército Brasileiro que nem conseguiu chegar às veredas da Amazônia para resolver os conflitos entre seringueiros e soldados bolivianos, e o Itamaraty só pôde resolver com Rio Branco a questão mediante o pagamento de 22 milhões de libras que não chegou a ser nem um bom negócio frente à compra do Alasca. E a luta de Chico Mendes, que um dia desses foi classificado como "elitista", mas era um homem simples que defendia bem os direitos dos seringueiros.

            Marina Silva se esqueceu que ela nasceu na sombra de Chico Mendes nas questões ambientais e de demarcação de terras, e a política no Ministério do Meio Ambiente. Os avanços na área ambiental no primeiro governo Lula foram pífios. E sua saída na época do Mensalão por "discordâncias ideológicas" levou à sua mudança pro Partido Verde do Gabeira (que hoje é um partido de expressão infelizmente secundária, mas que tinha muita possibilidade de expansão na época).

          O que há de semelhante em Collor e Marina? Nada, a mídia está errada em compará-la ao experimento errado de eleger um aventureiro. Collor era filho de Lindolfo Collor, um homem de temperamento bastante enérgico que trabalhou com Getúlio Vargas e ficou eternizado por ter sacado uma pistola contra um colega de Senado e matado um outro companheiro de tribuna (e não ter sido julgado).

         Collor nasceu de uma elite política de Sampa-Rio que acabou emigrando para o longíquo estado do Alagoas, mas que passava boas temporadas em Brasília. Foi eleito por ser carismático, simpático e ter um toque de novo ao falar ser contra "os marajás" e os privilégios dos ricos. Mas ele próprio era um marajá de Rolex e cabelo carregado de Gel, terno Armani, numa época em que a pobreza era latente devido à hiperinflação. Seus planos econômicos foram desastrosos e sua corrupção foi revelado pelo próprio irmão (e volta e meia a ex-mulher conta umas baixarias da vida conjugal com Collor).

            Marina Silva é diferente, ela não é da elite, ela veio do cinturão de pobreza de Rio Branco. Até a mocidade ela mal sabia escrever e com muito custo conseguiu ter uma graduação em História, militou junto ao grupo de José Genoíno (hoje preso) e fez parte do Partido dos Trabalhadores. Ela não é carismática, não tem uma simpatia natural, e sua oratória é algo que é astronomicamente difícil, mas ela cativou o coração dos mais pobres e de alguns intelectuais por ser de origem humilde (tal como Lula). Na verdade, Marina Silva e Lula têm trajetórias semelhantes, embora o Lula cative milhões só dizendo um "companheiros e companheiras".

           Marina Silva ganhará essas eleições provavelmente mas questiono a capacidade com que isso vai se dar, as opções eleitorais ficaram horríveis com a morte de Campos. E incrivelmente o último discurso eleitoral do Aêcio Neves (embora eu não seja tucano) me deixou balançado, ele falou com uma estranha sinceridade, de que ele não odiava a Marina, mas não sabia se ela faria um bom governo mesmo bem intencionada. Eu também duvido se ele teria essa capacidade, pois nenhum dos três candidatos tem.

          E nem falo da Dilma porque sabemos que o modelo que ela construiu nesses quatro anos desestabilizou boa parte das medidas econômicas que vinham sendo construídas há um bom tempo; Pobre do Brasil se algum dos três for eleito.


           A política atual acabou sua conexão com o plano da realidade, ela não representa mais o cidadão comum brasileiro, e pior não representa e faz com que o brasileiro tenha ódio da política. A democracia brasileira caminha para um período de completas contradições e para um florescimento de uma oligarquia decidida de forma eleitoral (sem contar o fator partidário, que é uma coisa ridícula em qualquer sentido estrito do termo). A fé na democracia se esvai, e cada vez é mais convincentes as alegações dos partidos da esquerda radical (PCB, PSTU e em menor grau PSOL, que como sabemos, tem muito trotskista no meio) de que o sistema eleitoral está falido.

           A fé deles na Revolução passa a ser plausível, mas eles se esquecem que o povo brasileiro é conservador e bastante temeroso com revoluções, a despeito da atual violência institucionalizada de cima a baixo todos os dias. Dos problemas diários com relação ao transporte, de um trabalhador demorar de duas a três horas todos os dias para ir trabalhar, gastar sua energia em jornadas desgastantes, ver seu salário corroído pela inflação e não ter acesso a serviços públicos de qualidade. Nenhum desses governantes hipócritas se dedicou a ter a displicência em realmente ouvir a voz das ruas de quem marchou nas Jornadas de Julho, e as propostas são puramente vazias.

           Pelo contrário, criminalizaram o protesto. O ato cívico mais importante de uma democracia e instituíram um Marco Regulatório da Internet para controlar o acesso de pessoas dissidentes que se manifestam pela internet. Estamos caindo num período bem negro da ordem democrática justamente por uma inércia de anos do engajamento político da nossa cidadania, e vamos pagar bem caro por isso. O mito verde, o mito democrático, o mito de ser brasileiro. Vivemos sobre mitos e mitologias republicanas, e agora? Cegos estamos nós em não "desistir do futuro do Brasil", parafraseando meu finado candidato.

           Não votarei na Marina, ela tem tudo para acabar com a memória do Eduardo Campos. Não votarei no Aécio porque ele não tem expressividade nenhuma com o povo, representa uma política já carcomida e tem questões bem graves que não podem ser ditas na internet (Marco Regulatório e mais do que isso, meu desejo de não levar um processo). Não votarei na Dilma porque ela teve a oportunidade de fazer uma gestão boa e falhou redondamente, se traduziu apenas como uma típica burocrata sem qualquer noção ou empatia por um povo que ela passou a governar, pelo contrário, ela serviu mais aos interesses de um pão e circo da Fédération Internacionale de Football Association, do que realmente incluir o pobre dentro do futebol (essa Copa foi da elite, e o povo inteiro pagou por ela um dinheiro que não tinha).

         Então quem votar? Pois é não tem ninguém;


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A importância do Stakhanovismo

Stakhanov em foto

          Aleksei Stakhanov, herói do Trabalho Socialista e um "socialista-modelo" da década de 1930 na União Soviética. Um trabalhador por excelência, era isso que a propaganda soviética destacava a figura de Stakhanov. Stakhanov é conhecido pelos estudiosos de União Soviética e stalinismo sobretudo pelo feito arrebatador de conseguir extrair sozinho nada menos que 102 toneladas de carvão guza em meras cinco horas e quarenta e cinco minutos de serviço, superando em catorze vezes a cota estimada para si.


          Aleksei Stakhanov provavelmente pode nunca ter chegado a esse número estrondoso (é um número que é quase humanamente impossível), mas é provável que tenha batido muito a sua cota de trabalho. E por quê? Não, Stakhanov inicialmente não era um só um entusiasta comunista, mas sim um homem simples que vivia com as roupas sujas de terra  e simplesmente queria algo a mais do que ter o suficiente, ele desejava conseguir um salário maior para sobreviver melhor; Talvez por isso que tenha ultrapassado a cota de trabalho estipulada por sua mineradora em Donbass.
Aleksei Stakhanov em um momento laboral
          Stakhanov é lembrado pelo feito absurdo propagado pelo Pravda e Izvestia que assombrou até mesmo os técnicos de planejamento da União Soviética, nem o mais otimista dos planejadores econômicos imaginaria que um trabalhador poderia sozinho conseguir extrair 102 toneladas de carvão guza (como eu disse, é provável que o número seja uma invenção propagandística,  mas toda a lenda tem um fundo de verdade, e não escolheriam a esmo alguém para glorificar). Stakhanov era um homem dos Planos Quinquenais.

           Os Planos Quinquenais estavam em vigor de fato em 1929 na União Soviética depois das disputas internas dentro do Partido Comunista da União Soviética, entre os planejadores da União Soviética, o grupo de "direita", formado por Bukharin e Rykov que desejava a manutenção de uma economia mista (e mais autossustentável) na forma da NEP que não garantia um desenvolvimento industrial extraordinário mas também não resultaria em graves sacrifícios ao trabalhador (como um salário que em tese teria o seu poder aquisitivo reduzido, devido aos problemas inflacionários de uma economia que está em crescimento imediato sem observar a capacidade de consumo da população) e um grupo formado por defensores do estalinismo, que sustentavam que era necessário o rápido desenvolvimento tecnológico e industrial soviético não só por questões ideológicas (por a União Soviética ser o bastião do socialismo no mundo) como também a constante ameaça de uma guerra mundial entre o capitalismo e o socialismo (que se encaixava muito bem na lógica do próprio Stalin).

          A derrota de Bukharin pôs fim à NEP e resultou consequentemente na sua submissão e retratação à Stálin (Bukharin desde 1924 até 29 foi com certeza o personagem mais importante e respeitado da União Soviética depois da morte de Lenin, nem mesmo Stalin desfrutava tanta popularidade quanto o "teórico do Partido"), a economia do campo ficou submissa aos interesses do governo central levando à Coletivização do campo, a eliminação dos kulaks, deportações e crises agrárias (agravadas pela seca de 1932-33 causada pela La Niña).

        A economia soviética vivia graves desafios e de fato, a despeito da brutalidade dos eventos que ocorreram relacionados ao plano de desenvolvimento stalinista, a União Soviética foi o único país da Europa a crescer durante a Crise de 29. Em dez anos a economia soviética cresceria 33 %, em número reais aproximados com relação à indústria pesada.

          Stakhanov é um dos propagadores desse espírito. Embora o stalinismo tenha coexistido com o terror, o terror meramente por si mesmo não levaria ninguém de livre espontânea vontade a trabalhar da forma como os soviéticos passaram a trabalhar. O Arquipélago Gulag é um elemento importante da economia soviética no seguinte sentido que representava algo em torno de 10 a 15 % do esforço laboral em alguns setores estratégicos da economia soviética, contudo, o trabalho nos campos além de ser degradante no sentido humano (pois se tratava sim de um serviço que beirava ao trabalho escravo em locais inóspitos e com altas cargas de trabalho) era contraproducente no sentido econômico do termo, pois além de não se autossustentar, levava à morte dos trabalhadores.

          Os canais do Mar Branco, do Moskva-Volga e de outras hidrovias soviéticas (que eram mais importantes certas épocas do que o trem para o transporte da produção alimentícia e industrial soviética do que as ferrovias, que nem sempre chegavam a certas regiões da Rússia) foram construídas à base do trabalho compulsório. Mas o Metrô de Moscou, a coisa mais emblemática dessa década, não. Foi construído com trabalho voluntário.

              E Magnitogorsk também não foi construída com base no Arquipelago Gulag (embora tenha tido trabalho de alguns prisioneiros em suas plantas industriais). Magnitogorsk é a coisa mais impressionante desse período, uma cidade construída a partir do nada, no meio da taiga siberiana, em questão de poucos anos representava o grosso da indústria siderúrgica soviética. 

Magnitogorsk, a cidade industrial que surgiu no meio do nada
           Stakhanov era o modelo de como um homem soviético deveria agir, trabalhar e pensar. Afinal de contas, antes de mais nada o entusiasmo da juventude que fez esses feitos insuperáveis. Esses anos, mais do que outros, o cidadão soviético se sentia importante ao ponto de acreditar estar revolucionando o Mundo com o seu trabalho, o seu exemplo para os trabalhadores do mundo que a pátria dos trabalhadores era uma alternativa viável à crise que se prolongava há anos no Mundo Atlântico.

           Stakhanov, a locomotiva, o trator da fazenda coletiva. Esses anos eram de movimento, a Rússia crescia a ritmo chinês e não parava de crescer, se fortificando através da construção de tijolos em seus pés de barro  até que se tornou um gigante industrial, um colosso soviético.
                 Foto de uma associação de trabalhadores felicitando a "Teoria de Marx, Engels, Lenin e Stalin"


           O stalinismo era tomado pela corrupção ideológica de seus magnatas, da paranoia egocêntrica do próprio Stalin, das batidas policiais noturnas, os interrogamentos, o império da delação e torturas aos prisioneiros políticos (que desafiavam a linha ideológica stalinista). Isso surgiu num contexto em que o próprio Stalin acreditava que para a União Soviética qualquer dissidência, qualquer discussão contrária poderia desvirtuar o foco num problema central, um país forte que pudesse enfrentar não só todos os inimigos externos (seja os fascistas europeus, seja as democracias liberais que interviram anteriormente na Rússia). O império do coturno de cano alto e do cachimbo entre os bigodes surgiu inicialmente de uma inquietação justificada da liderança bolchevique e cada vez que os anos passavam o quadro ficava cada vez mais autoritário.

          O trabalho de Stakhanov e daí sua importância é mostrar um espírito imaginativo ao  trabalhador soviético da época, mostrar que a introdução de métodos de eficiência laboral, taylorismo e aumento de produtividade não só poderiam ser bons para a indústria, mas também para o trabalhador comum (e isso a propaganda soviética enfatizava). Quem trabalhava mais, ganhava mais. Tinha mais benefícios e era reconhecido, nisso nasceu o desejo pelo trabalho.
                                            Propaganda soviética sobre Stakhanovismo

         Mais gente sujava as mãos de graxa e óleo, conduzia tratores e trens, costurava roupas ou plantava vibraquins em motores. Stakhanov sem querer incentivou uma geração inteira ao vício saudável pelo trabalho, o trabalho por uma sociedade melhor e uma vida melhor, talvez nem ele imaginasse o impacto que ele teve ao extrair quantidades maiores de carvão em sua pequena mina no nordeste da Ucrânia.

        A União Soviética só se tornou o colosso (e a Rússia sua herdeira num BRIC) graças ao entusiasmo dos anos 30 (que o Brasil só foi conhecer por exemplo no final dos anos 50 até 1970). O legado do Stakhanovismo é mostrar ao trabalhador que o ganho de produtividade, uma maior eficiência do trabalho empregado produz inerentemente mais produtos e resulta num aumento salarial consequente, isso numa economia socialista; numa economia capitalista tradicional prevalece a mais-valia.

         Alguns analisam a União Soviética como um capitalismo de Estado; Não é de fato errado no plano externo, mas no plano interno, a União Soviética não pode ser encarada como capitalismo de Estado (talvez só no período da NEP e olhe lá), mas sim como uma economia planificada (que apesar dos defeitos e das falhas sobretudo com relação à política agrária chegava a ter uma eficiência às vezes superior ao afamado e famigerado Reich nazista, que apesar de tudo, se destacava por ter um caos administrativo). A União Soviética foi a primeira economia planificada da História, a primeira economia de guerra que se sustentou por oitenta e quatro anos e que ainda assim se manteve razoavelmente bem durante um século complicado como o século XX.

           Quando olhamos hoje o noticiário e vemos com surpresa a China promulgando o seu novo Plano quinquenal, temos a tirada irônica inconsciente, "novo Plano Quinquenal. Que paradoxo! Não há nada mais obsoleto do que isso". Mas um Plano Quinquenal é algo novo porque surgiu só na Revolução Francesa essa ideia de controlar tudo a partir de um Estado (nem o "absolutismo" acreditava poder ter controle total da economia, na verdade, isso nunca existiu até 1929). O experimentalismo soviético dos Planos Quinquenais sem querer acabou servindo de modelo para muitas coisas hoje: O New Deal, que nasceu de uma interpretação da heterodoxia capitalista sobre a Carta dil Lavore do Mussolini, uma "profilaxia contra crises econômicas" e de uma planificação econômica moderada a partir da intervenção parcial do Estado, copiando trejeitos da economia soviética. A CEPAL com o seu modelo econômico de desenvolvimento pseudokeynesiano, e obviamente, a China.

           Uma economia de mercado é tecnicamente menos complicada que uma planificação, por isso chega a ser impressionante como a União Soviética tenha resistido por tanto tempo. 
Os desafios no campo e na cidade

          Voltando a Stakhanov, o exemplo individual sobre o coletivo mostra que a despeito da impessoalidade de um estado totalitário (em certos aspectos a União Soviética tinha um elemento autoritário em sua essência) era possível obter reconhecimento pessoal através de sua diligência laboral, e num método de competição assemelhado ao capitalista (embora não fosse bem por lucro, mas sim por fama e prestígio) os trabalhadores soviéticos passaram a trabalhar mais na esperança de serem lembrados nos confins da Sibéria, na imundície das minas de carvão da Ucrânia, nas fábricas de Leningrado ou mesmo nos campos de trigo do Volga. Stalin se aproveitou disso para se mostrar como o "grande timoneiro" que conduziria a União Soviética para o caminho do "verdadeiro comunismo" e surgiu o seu culto à personalidade, bem como incrivelmente, sua popularidade a partir dos esforços dos trabalhadores.


Outra propaganda soviética sobre a vida de Stakhanov

             Stakhanov ficou famoso a ponto de ir aos Estados Unidos dar entrevistas à revista Time e fazer conferências sobre o seu feito laboral. Posteriormente se tornou estudante da Academia Industrial de Moscou, se tornou diretor de uma fábrica e ficou subordinado ao Comissariado de Indústria Pesada. Em 1974, depois de receber vários louros e recompensas do governo Brejnev, retirou-se do serviço aos 68 anos de idade, vindo a falecer quatro anos depois, em decorrência de acidente vascular cerebral ocasionado pelo seu grave problema com o alcoolismo (conta-se que ele apresentava um quadro de esclerose múltipla com perdas de memória parciais e delirium tremoris, próprios do alcoolismo).

              Stakhanov foi duramente criticado, sobretudo por trotskistas, por ter alicerçado ideologicamente o estalinismo com sua  propensão laboral ao trabalho absurda e ser um "burro de carga que segurava nas costas a falência moral do stalinismo" por em outras palavras "desistir de sua própria humanidade em torno de uma ilusão propagandística". O stakhanovismo foi encarado no socialismo ocidental como um desvio surgido dentre os vários desvios stalinistas, e os stakhanovistas como indivíduos alienados ao próprio trabalho que esqueciam o ideal marxista ao se preocuparem inteiramente ao serviço e a bater metas. A questão é que a crítica é falha num ponto, a alienação é existente se a ideia de bater metas existe numa fábrica industrial capitalista, onde o lucro vai para o empregador, mas numa realidade econômica socialista de fato, o ganho de produtividade também é obtido ao próprio trabalhador, já que há um ganho no seu próprio salário.

            Além disso, Marx era enfático ao destacar que o socialismo só seria vitorioso caso se mostrasse mais eficiente que o capitalismo no meio de arrecadar riquezas; Hoje sabemos que o socialismo real não foi vitorioso porque se tornou ineficiente na sua hipertrofia hierárquica partidária e na oligarquia da nomenklatura que se aproveitou dos esforços laborais da população, mas o stakhanovismo surgiu também (até no plano propagandístico) para tentar construir um modelo econômico mais eficiente que o capitalismo, e no campo da indústria pesada, por dez anos isso foi completamente correto.

          Mas a crítica também tem certo fundamento no seguinte aspecto: a perda de qualidade dos produtos. Com o aumentado absurdo da quantidade do trabalho empregado, os números passaram a ser mais importantes que a qualidade. Assim o produto soviético passou a ter uma qualidade inferior ao produto ocidental, isso é um dos motivos posteriores que levaram a derrocada da URSS, a falta de qualidade dos bens consumo soviéticos, coo roupas, eletrodomésticos e carros. Isso é produto do Stakhanovismo.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Não há nada mais imperfeito do que a beleza



Eu espero que meus pensamentos não nos ouçam hoje, mas o que realmente é essa estabelecida beleza que tanto esperamos? Uma forma estabelecida matematicamente de uma proporção aritmética de 1:1,6? Ou mesmo algo peculiar que nem nós buscamos explicação?

            A construção de um rosto parte de construções matemáticas de como se medir yma mediana  e o segmento de uma equidistância de dois pontos, a partir de uma simetria axial, a partir de um eixo, descrito na linha existente do meio dos nossos pé separados, passando pela virilha, o umbigo, a linha da câmara torácica, a ponta do queixo e o nariz. Qualquer compleição que seja completamente diferente da simetria dos dois lados é matematicamente imperfeita.



            Mas a beleza é uma imperfeição. E isso é algo que realmente é bem claro quando observamos as obras do Renascimento, que são construídas a partir de uma proposta racional e científica. O maior paradigma que o Renascimento se espelhou talvez tenha sido na proporção áurea de várias obras gregas, mas a que mais me impressiona é, sem dúvida, a Venus de Milo.


            Venus de Mileto é a mais bela de todas as esculturas, a mais bela e mais bem trabalhada mulher em uma obra de mármore de Paros. Ela é ao mesmo tempo sublime e sensual, enigmática e ainda assim tão jovial. Venus é tão comum que chega temos a vontade de abraçá-la, beijá-la, justamente por ser comum. O seu aspecto não exagerado de uma moça jovem sem uma erotização de seu conjunto é o que apaixona muito os amantes da arte.


            Confesso que sou apaixonado por essa Venus, eu a imagino no meu subconsciente de uma maneira diferente da escultura. Eu a imagino como sendo ruiva, de cabelos presos, olhando para o nada com os seus olhos ligeiramente inclinados para o horizonte. Eu me apaixono por essa obra cada vez que olho em retrato e as reproduções posteriores não chegam próximo da sensação de ver a Venus pessoalmente.


            Quisera eu ter a oportunidade de me apaixonar de perto por Venus. Mas ninguém que não seja entusiasta de arte sabe realmente a razão porque a Venus seja tão atraente, ela não tem mais os braços e encostada ao pó de um museu, não parece ser páreo para a beleza erótica, por exemplo, de uma Sacha Grey.


            Aleksandros de Antióquia pode ter sido o escultor mais bem sucedido por ter esculpido uma obra tão graciosa, de uma mulher nua da cabeça até metade do tronco que aparentemente tinha os dois braços; A ausência dos dois braços em Venus é apenas explicável pela onda de iconoclastia ocorrida no período de queda do Império Romano quando não só os bárbaros, mas também os cristãos e os invasores muçulmanos promoveram levas de destruição às esculturas do período clássico como forma de dar o fim no que foi o Império romano. Tanto que a boa parte de bustos que são creditados à César ou a Constantino na verdade são de Marco Aurélio (que sobreviveram por alguma questão de acaso ou adágio papal).


            A forma  e o conteúdo de Venus constituem um enigma para muitos inclusive para mim; ela sempre será algo belo para mim, mas não por ser um elemento só ricamente desenhado na textura de sua roupa de mármore, mas por expressar uma mulher simples, provavelmente uma serva ou uma cortesã num momento de inspiração.
            Venus de Milo provavelmente segurava de maneira graciosa uma maçã, que aparentemente se desprendeu da obra e foi encontrada junto na escavações.  Mas isso é só um detalhe.


            O maior composto da obra não é bem a forma como foi esculpida no mármore (ainda que me faça ter uma paixão especial por essa obra), mas é quando olhamos o seu acabamento. Depois de anos exposta a intempérie e a iconoclastas que molestaram a obra, o mármore começou a apresentar ranhuras e imperfeições. Essas imperfeições revelam muito, porque a despeito de serem produto de um desgaste da obra mostram que a beleza é imperfeita em seu interior.


            As pessoas são naturalmente vazias, essa  é uma constatação que nós temos quando observamos atentamente as ações e experiências de cada um. Não há exercício mais divertido e prazeroso do que observar alguém, olhar os seus maneirismos, sua fala, ou mesmo suas expressões. E o melhor é que isso ainda é de graça!



            As pessoas são apegadas a uma imagem plástica de si mesmas, uma representação do que seria algo bom, sejam boas roupas, boa forma ou um corpo desejado. A simplicidade com que observam a vida é naturalmente assustadora, procuram mulheres de bustos e nádegas avantajadas, rostos de boneca  e uma cintura absurdamente fina, enquanto os homens devem ser altos, fortes, barbudos antes de mais nada para conseguirem sucesso com as mulheres. É absurdo pensar em tais padrões.


            A natureza de uma beleza parte de uma questão matemática se formos considerar a proporção áurea, mas para fins práticos, ela é um exercício irracional. Porque nada realmente explica o que é realmente bonito senão uma análise nossa, pessoa e subjetiva do que para nós é perfeito. E como nós temos uma base de raciocínio que não parte por nenhuma maneira em regras senão o nosso espaço de experiência, logo toda a ideia de beleza que temos é carregada de imperfeições, porque nossa própria mente age por impulsos elétricos não puramente lógicos.


            Não há nada mais imperfeito do que o desejo, o desejo meramente pela a arte de querer algo numa prática masoquista e hedonista em ter para si algo que não necessariamente teremos conosco. O desejo e a beleza incrivelmente estão interligados até psicologicamente.



            A psicologia coletiva de nossa sociedade é cada vez mais fluída, eu até acredito que se modifica tanto que nunca teremos um padrão fixo do que é belo (tirando talvez a beleza não necessariamente corpórea, mas a beleza moral, nisso se atrela a beleza do raciocínio, do espírito e de uma arte moralmente aceita como a Venus de Milo). Mas invariavelmente caminhamos para uma erotização da sociedade e uma erotização da beleza;


            Isso é ruim? Depende. Do ponto de  vista de um moralista, isso levaria a uma vulgarização da sociedade; Do ponto de vista de um liberal é positivo pois leva a uma libertação de velhos preconceitos acerca da sexualidade humana. Eu acredito que ambos os argumentos possuem fundamento;


            Mas é triste observar que a busca pela beleza é como se fosse a busca por um produto, um produto raro, um diamante; e logo assumimos que poucos são bonitos e muitos são de certa forma feios. A carga pejorativa de ser feio é associada automaticamente a ser “ruim” ou mesmo “inútil” para uma sociedade de culto de si própria. Largamos o culto a deuses para cultuarmos a nós mesmos.
            Nisso eu arrisco até a dizer que a masturbação e outros atos de prazer solitário na verdade não só são fruto de uma carência própria de um individuo, como também são um culto a si próprio, uma reverência ao próprio corpo, escondendo nada menos que um egocentrismo velado.
            O que para os meios midiáticos é difundido como belo ou “sexy”, já que belo e sexy são termos hoje bastante interligados, é sacramentalizado por um estamento social, que o toma como verdade e procura nesses estereótipos se guiar na busca para sanar seus desejos carnais.


            Mas o que é belo?

            Não posso realmente dizer o que é belo. Isso é muito subjetivo;



 Pra mim, belo é uma poesia que toma formas com um pouco de letras e no fim te faz pensar, te traz conforto. Pra mim belo é desejar o vento bater no seu rosto, olhar o céu azul e ver o sol brilhando mais uma vez; belo também é ver o respingar da chuva, a fração da matemática fazer sentido, ensinar uma criança a ler ou pensar pelo prazer de refletir. Belo é buscar o que não existe, buscar o amor em coisas pequenas;


Belo também é imaginar o companheirismo, a solidariedade, e porque não, belo é olhar para uma flor, para um bem-te-vi, ou mesmo um gato. Belo é beijar uma mulher por quem você se esforça em se apaixonar todos os dias, mesmo que aparentemente não valha o esforço, e amá-la sabendo que há outras, sabendo que ela tem suas ranhuras tal como Venus de Milo, e ainda assim saber que não poderá dizer isso diretamente.


Belo é enxergar tudo com os seus olhos, ou melhor, ter completo sentido de nossos sentidos e saber que o dia é algo a ser vívido, mesmo quando não desejamos mais viver. Por isso belo é imperfeito, pois para saber o que é ser belo, tem antes que saber como ser um pouco humano.


Eu queria pensar que sou belo aos olhos de alguns, que minhas palavras fizessem sentido, que não houvesse idolatria apenas do caráter corpóreo da beleza, mas do seu caráter subjetivo. Muitas pessoas creio que se sintam assim, pessoas que tentam pela sua inteligência mostrar que são belas e não merecem ser esquecidas, pessoas que por suas ações fazem a diferença por ações nobres, ou mesmo pessoas que nem sequer fazem nada e são belas por sua própria indiferença. E todos nós temos nossas ranhuras.


A incapacidade da maioria em entender isso é o que me assusta, não só por causa desse vício aos próprios desejos, como uma cegueira completa do mundo à sua volta. Eu também sou cego, mas enxergo algumas coisas mais do que a maioria.


Talvez eu seja cínico em tentar ser poeta ou contista em descrever a hipocrisia humana, talvez eu mesmo seja fruto de uma maldade inerente ao próprio ser, mas eu me sinto vazio cada vez que olho que a imperfeição maior de todos nós é achar que temos que ser nada menos que belos e arrogantes.



Mas o que é mais belo para mim é a coisa mais natural ao ser humano: o choro. O choro talvez seja a única coisa que seja naturalmente espontânea de quem se está triste. Mas minhas ranhuras dentro de meu próprio ser me fazem parecer feio quando estou defronte ao espelho e isso me assusta tremendamente.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

A revolução da internet

           A construção de uma sociedade melhor parte do princípio de um sonho compartilhado por uma juventude que é análogo ao prazer de sua mocidade e compartilha os mesmos sentimentos de inquietação do passado de seus pais. A expectativa de se sentir capaz em transformar o mundo, bem como a iniciativa de se sentir pertencido a um grupo atuante transformador de uma sociedade é o que move muitas vezes a juventude do Facebook ao se destronar das poltronas defronte seus computadores e manifestar nas ruas com as caras pintadas contra a mão repressora do Estado.

          A inquietação com esse dado presente é tal que no horizonte dessa crise que se arrasta a seis anos nada é mais claro do que a vontade de se fazer ouvido num sistema cada vez mais impessoal e informatizado que o nosso cotidiano se transforma. A geração do Ipod e do Macintosh se encontram cada vez mais nas ruas, e não nos cafés parisienses ou nos pubs londrinos, se encontra a partir da internet e cada vez mais pela internet.

         O caráter revolucionário de nossos tempos é primoroso, assim como foi o caráter revolucionário da Revolução Francesa, pois a revolução é ideia de movimento e a Revolução Francesa só se destacou pelo desenrolar dos acontecimentos de forma bem rápida. A rapidez é algo existente em nosso tempo, onde comentamos uma notícia em questão de segundos, e compartilhamos informações na mesma curvatura de tempo. A internet banda-larga transformou a humanidade em mais do que uma simples abstração.

         Duvido que Narinder Kanpany, inventor da fibra ótica, tenha realmente imaginado o poder que a sua invenção teria sobre a Humanidade, esse filete de vidro com compensados de polímeros movimentando um fluxo de informações inimaginável, e um mercado das telecomunicações que leva a Índia aos patamares de liderança nesse segmento.

          Alguns poderão dizer que a Índia só pode chegar ao domínio da sua fibra ótica a partir de seu passado firmemente ligado ao setor têxtil que fez com que Kanpany pensasse em uma nova forma de entrelaçar os fios de fibra ótica de forma diferente do que se fazia anteriormente com os fios de cobre, o fato é que essa tecnologia associada o protocolo Http iniciou uma difusão estratosférica do conhecimento que  associado ao Windowns pautou nossa sociedade ocidental. Por isso não coloco que a Queda da União Soviética como um marco para a nossa sociedade (é um marco para o marxismo), mas a invenção da Internet em  1992 como veículo de comunicação de massas pelo físico britânico Tim Berners-Lee, na configuração do World Wide Web (WWW) configurou a sociedade atual.

           Os levantes contra os governos impopulares do Oriente Médio, a mobilização das passeatas na Espanha, o Occupy Wall Street, as Jornadas de Julho   e mesmo a divulgação das notícias relatando os excessos da NSA, por Edward Snowden, colocaram a já pulsante sociedade ocidental a uma curva a duzentos por hora.

          Digo curva de duzentos por hora porque estamos num momento de inflexão e não percebemos bem isso, estamos com um excesso de informações e um caldeirão de movimentos através do mundo que os próprios estados nacionais não conseguem ter a observância de acompanhar, isso mostra o quanto o estado é lento em observar as mudanças sociais. Seja um Estado de bem-estar social, Suécia, um estado liberal, Inglaterra, um estado populista, Argentina, proto-ditatorial, Venezuela ou terrorista (Estados Unidos), o Estado perde cada vez mais a sua função como árbitro das tensões e reivindicações sociais.

         Nisso a sociedade se move cada vez mais para longe do Estado que entra numa crise de legitimidade, nisso as únicas fontes que ele ainda se agarra são aos medos da sociedade: a segurança. Digo segurança não só a segurança física (como o combate ao crime ou ao terrorismo), mas segurança social (emprego, previdência, direitos trabalhistas)e segurança jurídica (as leis e a liberdade de expressão). E nesse aparente papel de "defesa à segurança do bem-comum" o Estado coordena arbitrariedades contra a própria sociedade se agarrando a velhos paradigmas totalitários.

        O  totalitarismo nasceu na Revolução Francesa no Terror Jacobino e com ninguém menos que Maximilian Robespierre que ignorava as discordâncias com a lâmina da guilhotina, até dentre os seus companheiros, como Danton. O Terror Francês   trouxe o aspecto materialista da eliminação física dos oponentes políticos em nome da raison d'état et la segurité nacionale que acompanhou todas as nações europeias pós-Congresso de Viena, desde a Rússia até Portugal. A morte de opositores políticos em honra a segurança do bem-comum e isso tem reverberações que acabam levando aos genocídios neocolonialistas no Zaire, Zimbabwe, Marrocos e Argélia.

        O genocídio armênio e os pogroms na Rússia entram no mesmo paradigma em que o Estado na curva crescente por se autolegitimar promove assassinatos em massa das minorias que não se enquadram ao tecido social que o  Estado quer tecer, uma cashemere moldada de obediência absoluta em que não se admitem pontas soltas.

         O cientificismo da morte levou aos mais profundos e tenebrosos períodos do século XX, a Primeira Guerra Mundial, cujo centenário se dará ainda esse ano, o Holocausto bem como a Segunda Guerra Mundial, onde o Estado é patrocinador ativo do morticínio em massa de centenas de jovens, mulheres e crianças em nome de um "sonho que se tornou um pesadelo".

         O Estado é inimigo natural da sociedade e não seu próprio salvador,  ele sempre estará disposto a violar os limites da lei para se impor como representante da sociedade e sua esquisofrenia o levará a cometer cada vez mais desvios para se manter como foco de dominação social.  Contudo, cada vez mais o Estado é ameaçado conforme a evolução tecnológica da Humanidade cada vez menos dependente do Estado e cada vez mais contestatória, o cidadão não se vê mais tão representado pelo Estado quanto os seus avós se sentiam há cinquenta anos atrás e conforme vai se consolidando o estudo, mais intensos ficam os fenômenos de questionamento sociais. O Estado nacional está fadado à sua fagocitose.

          O maior desses estados é sem dúvida os Estados Unidos e conforme seu rito de violência contra outras populações, o governo institui uma ditadura do medo em seu próprio território onde a Liberdade pode e deve ser violada em nome da guerra contra o terrorismo. Não digo que os Estados Unidos irão desaparecer fisicamente dentro  de cinquenta anos, isso é até ridículo no campo especulatório, mas a sua essência desaparece a cada dia em que o sistema norte-americano recorre a arbitrariedades para legitimar o seu próprio foco de poder.

          O desmembramento de alguns estados nacionais em guerras civis é acompanhado por tentativas falhas de controlar a internet, acontece isso na Síria, no Iraque e na Ucrânia. Nenhuma dessas tentativas irá acabar com os focos de oposição pois o poder desses países está em processo de esfacelamento; Os países que conseguem isso estranhamente ainda possuem um foco de legitimidade claro, como são os Estados Unidos, com o controle de informações na figura da NSA, e a China com o seu apparatchik na figura do Partido  Comunista.

         A Internet é o foco da legitimidade atual, de um mundo que escapa ao domínio das fronteiras nacionais, então digo que sem a Internet não poderemos evoluir no nosso modelo de desenvolvimento atual, em nenhum canto do mundo, pois nossa economia foi atrelada à essa globalização da sociedade ocidental em torno da rede mundial dos computadores e as tentativas fracassadas de impor regras à internet e sacramentar leis de exceção para impedir a divulgação de informações só demonstram a fraqueza da legitimidade do próprio estado em esfacelamento.

         Estamos em uma curva à duzentos por hora porque corremos um risco. Caminhamos cada vez mais para o sonho de Marx e Bakunin de viver numa sociedade sem um Estado, e de fato se o Estado desaparecer não haverá nada que coordenar as regras sociais de uma sociedade e será o predomínio do sonho máximo de alguns pensadores liberais, o anarcocapitalismo, uma sociedade voltada apenas para o mercado e pelo mercado. Não que já não sigamos essa tendência, as relações sociais são hoje coordenadas por óticas de consumo, desde o amor líquido entre duas pessoas, onde uma literalmente consome o que há de bom em outra para depois abandoná-la conforme o domínio de seu desejo, como as relações parentais não são carregadas com a emoção maternal ou paterna que se imaginava anteriormente.

        É um mundo estranho que está para nascer, talvez um mundo gestado pelo domínio do capital e das regras de grandes empresas, e isso é perigoso quando observamos que alguém perderá muito nesses processo, ficando a margem da sociedade; Então nesse ritmo que andamos corremos o risco de capotar o carro.

        Mas não digo para pararmos, pois a inércia é o caminho para a própria morte. Nem digo para irmos devagar, pois não temos controle sobre nós mesmos, só devemos ter cuidado, pois a Internet é o meio mais revolucionário que tivemos desde a invenção da escrita e esse revolucionarismo pode sim ser usado para a manutenção de nosso bem-estar, por isso que acredito que a medida que o Estado vai desaparecendo na esfera social como ator das demandas sociais, encontramos um caminho cada vez mais elevado que poderá nos levar a uma democracia participativa, uma democracia onde a Internet leve ao conflito de ideias dentro de um espaço virtual e reduza os conflitos diretos que levaram ao derramamento de sangue que tivemos até hoje.

         Temos que tomar cuidado com o que desejamos, pois estamos no meio de um momento revolucionário, a Internet poderá promover a revolução de toda a sociedade humana sem que haja necessariamente o derramamento de sangue por isso o ímpeto de nossa juventude está centrado no domínio social da rede mundial de computadores.

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...