domingo, 29 de junho de 2014

Diálogos esquizofrênicos

Meu papel de livreto
Não corre devagar
No beijo do soneto

O verso regular
Não tem graça
Nessa mesa de bar

Deixe-me cantar
Duas páginas
e meia ciranda
de ninar


Caderno de papel
De menino levado
De letras grandes
e gesto desconfiado

É nada menos
que um pequeno véu
Na infância perdida
de um poeta fracassado

Aquarela vermelha
Ciranda amarela
É essa noite
que vem e que gela

Eu sou menino
que finge saber ler
e acha poder escrever

Eu sou garoto
que não sabe soltar pipa
e só quer saber de mulher

Nunca corri atrás de gafanhotos
Nunca subi em pé de mangueira
Sou mimado demais
para ser deixado pra trás

Já briguei muito na escola
Sempre saia perdendo
Mas o que não saia perdendo
Era minha dignidade de brigador

Por vezes minha mãe me batia
Por vezes ela discutia
Só sei que ela me atura
Nessa grande ditadura

Cadê meu caderno?
Cadê meu lanche?
Pode amarrar meu sapato?
Pois é, sou muito folgado

Cuidado comigo,
eu posso crescer
E sabe de uma coisa?
Não estarei com você...

Sou embalado a jato
Sou menino ingrato
Eu sou garoto
que não sabe soltar pipa
e só quer saber de mulher

Poeta fracassado
Na infância perdida
cidadão de papel

Marcha soldado
Cabeça de papel
senão marchar direito
Vai preso pro quartel

"Seu prezado escritor
que não sabe pescar
o maço de papel
sem fazer garrancho

Sou eu que sou criança
e você que finge ser adulto
deixe eu ser você
e você ser eu
e aí tá tudo certo
comigo e contigo

Quero uma pinta de soneto
Dois quartos de terceto
e um beijo no rosto
daquela menina do retrato

Também quero que escreva
O quanto você chora que
nem criancinha de duas às seis
E depois corre como adulto
ganhar dinheiro das oito às doze

Cadê você?
Você, seu velho?
Cadê você
que se esconde
nesse fio de bengala?

Está achando que eu te esqueci
Onde mais teria te encontrado
senão na minha mente
Seu velho inconsequente

Já não basta ter babado
enquanto estava dormindo
ou ter se aposentado
enquanto estava vivo?

Que velho imprestável
nem quer escrever nada
seu cidadão instável!"

'Quando eu era jovem
As pessoas tinham mais respeito
Eu tinha mais peito
E batia vento na viagem

Quando era jovem
eu escrevia muitos papéis
que hoje eu lembro e sorrio
Na burrice da vida da juventude

As rugas me ensinaram um defeito
que é ser jovem e idealista
Quando criança era mimado
E quando jovem era safado'

"Mas que velho imbecil!
Eu ainda sou criança
Beijo a minha pança
E olho meu umbigo"

e eu sou tão safado
que volta e meia
eu olho para o passado

Eu sou moleque
que joga no videogame
puxa um chimarrão de vez em quando
e brinca de beijar mulher

Sou velho, sou novo
Sou poeta, sou pecador
Sou antes de tudo esquisofrênico
E amargo sofredor

Pois sou poeta, sou velho
Novo jovem, velho poeta
safado, pecador, errado
E sonhador
Acima de tudo
sou louco
de vontade
de voltar
a ser
inconstante

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