quinta-feira, 12 de junho de 2014

A Copa de 2014: Considerações

       Denúncias de corrupção, superfaturamento de obras, mais e mais  provas da incompetência do Estado em gerir suas próprias promessas. Qual o legado da Copa?

       O Brasil nunca foi de fato o país do futebol, sua capacidade identitária sempre foi um tanto fragmentada. Não porque aja grandes rivalidades territoriais dentro do país, um paulista não necessariamente odeia um carioca, ou um gaúcho odeia um goiano. Não, mas o regionalismo de cada região faz com que cada um se veja antes um paulista, um mineiro, um gaúcho ou carioca do que brasileiro.

            Isso não é algo errado, na França ocorre isso, nos Estados Unidos também e nem por isso se ameaça a estrutura do estado-nacional. A questão é que esse regionalismo faz com que os brasileiros só pensem que são brasileiros no contexto macro, como quando vão se contrapor aos argentinos, quando observam que o governo federal anda cometendo erros crassos, ou mesmo quando olham a seleção na Copa do Mundo.

               O Brasil é agraciado com a sorte de participar de todas as Copas do Mundo desde 1930, mesmo perdendo, mesmo ganhando; A seleção brasileira participou de todas as copas. Isso não quer dizer que o futebol brasileiro seja imbatível, mas a forma como a seleção brasileira se organizou através dos anos é bem peculiar.

               O futebol nasceu nas ilhas britânicas no século XIX, o ato de chutar uma pelota já existia na Grécia, na América Pré-Colombiana e até mesmo na Ásia. Entretanto o cientificismo inglês associado ao positivismo científico que circulava pela Europa levaram a uma padronização do próprio ato de chutar a bola:

                Apoiando-se em técnicas militares de organização espacial a estratégia de jogo se consolidou com a ideia do ataque (a vanguarda militar sempre à frente), o meio-de-campo (que seria a linha de frente do grosso das tropas) e a defesa (que seria a vanguarda responsável pela proteção do contato com os mantimentos, suprimentos e o apoio logístico ao ataque)

                   No futebol, pensando em termos militares as funções mais importantes são encabeçadas pelo atacantes e pelos goleiros. Esses dois campos são cruciais, embora o todo também faça parte da conta. O ataque define as jogadas que atacarão a defesa adversária e conforme suas ações podem conseguir não só estafar a equipe adversária, desmoralizá-la e constrangê-la, como eventualmente poderá fazer gols. Enquanto o goleiro é como se fosse o oficial intendente, ele é responsável por observar a defesa e agir conforme a situação para impedir que o adversário acabe sendo vitorioso com os chutes ao gol.

                  Existe uma estrutura hierárquica dentro do futebol para a organização e disciplina de jogo:

                  O técnico corresponde ao general de um time no campo, assim como o capitão do time é responsável pelo comando de capitão, de observar na prática o jogo, de coordenar jogadas e de gerir o comportamento dos jogadores. No ataque e na defesa existem duas divisões, onde o ataque se preocupa justamente com o ataque e a defesa com a defesa. Nisso o responsável por observar a defesa normalmente é o goleiro (raramente um zagueiro faz esse papel), coordenar com os zagueiros a defesa do gol e a organização do time nas faltas. Enquanto o ataque é mais fluído, o time pode ser coordenado por um volante, um meio-campista ou um atacante de vias de fato e isso muda a configuração do jogo drasticamente.

                O futebol é um esporte coletivo por excelência pois exige o melhor das capacidades de todos os jogadores para levar o time à vitória. Entretanto, o futebol brasileiro tem uma diferença histórica, porque ele próprio também dá muita importância ao fator individual. Nisso temos a figura do craque, um jogador de destaque, normalmente veloz ou com uma boa pontaria que lidera a armação do jogo e o técnico sempre baseia o time em função do raio de ação desse craque. Em termos militares, o craque funciona como as forças especiais.

                A organização tradicional de um time funciona como a de um mini-exército: Cavalaria na frente (com ampla liberdade de ação, movida teoricamente por blindados velozes), infantaria (logo atrás defendendo a linha de frente) e a artilharia que é responsável por defender e atacar a distância.

                Mas o Brasil realmente não tem essa característica militarista, as participações brasileiras em guerras foram poucas e não mobilizaram tanto a sociedade civil para que ela assumisse uma característica militarista. O povo brasileiro se notabilizou por levar questões sérias com um pouco mais de paciência misturada a um descaso  negligente, que na última hora era resolvida com uma solução completamente diferente da tradicional, alguns chamam de jeitinho brasileiro, mas eu realmente odeio usar esse termo porque me remete a ideia de que todo brasileiro é de fato um malandro.

                  O futebol brasileiro é um futebol de várzea tradicionalmente, e não no sentido perjorativo, mas é um futebol de rua, aprendido no asfalto quente da tarde ou nos campos de terra batida no interior das periferias, não é um esporte de ginásio nem tampouco de gramados bem cuidados. Os moleques são crianças bastante elétricas que jogavam futebol depois da escola, bebendo um guaraná ou coca-cola depois de atirar pedras em pássaros ou empinar pipas ao vento. Crianças cujos pais trabalhavam o dia inteiro e por isso tinham que aprender a ser autônomas.

                Por isso no futebol não se pode ser "filhinho-de-mamãe", porque você se machuca, você soa, você briga e você joga. Você só joga futebol por prazer, nada mais do que isso. É uma atividade lúdica que todo o garoto em sua mocidade é intencionalmente impulsionado por seu próprio pai a jogar. Um garoto para a sociedade não é um garoto senão joga futebol.

               E quais incentivos do governo ao esporte e ao futebol? Tirando estádios superfaturados? Nenhum. O governo é negligente em saúde, educação e segurança, isso todo mundo sabe, mas ele também não está interessado em promover o esporte, financiar as escolinhas de futebol, as competições estaduais e tampouco o esporte juvenil. Por isso a carreira de futebolista não é nada fácil.

                   E o jovem que quiser ser jogador tem que depositar todas as suas esperanças numa escolinha de futebol, tem que pegar chuva, vento, sol de rachar os beiços, tem que correr atrás de ônibus para conseguir jogar. No futebol é que vemos o impacto das desigualdades sociais cada vez mais gritante, com jogadores ganhando milhões, dirigindo importados de último tipo namorando supermodelos enquanto os jovens aspirantes a jogador se desgastam com todos os problemas de transporte, de renda e de segurança para seguir o sonho de ser jogador de futebol.

                O futebol vende sonhos, mas custa a pagá-los. Muitos acabam não conseguindo o sonho e ficam decepcionados conforme cresce a mercantilização do futebol.

                 O jogo coletivo não é a marca, o craque é a estrela do time e tem a responsabilidade absurda de fazer gols. Gols e mais gols, de fazer um futebol bonito, ainda moleque, de contornar o zagueiro, de enganá-lo como se tenta enganar a vida, de humilhá-lo se for necessário, de vencê-lo pelo próprio cansaço e emplacar o gol para o seu time.

                 O futebol brasileiro sempre foi uma válvula de escape aos problemas sociais de uma sociedade desigual, viver no Brasil nunca foi fácil, sobretudo para o pobre. Desde a destruição dos barracões no centro do Rio para as obras do Pereira Passos, na virada da Belle Epoque, passando pela inflação endêmica que sempre grassou de alguma forma a econômica irresponsável dos governos brasileiros, as ondas de desemprego, as crises, a política cada vez mais corrupta, a violência. O futebol sempre foi uma válvula de escape, pois mesmo com todos os problemas, o pobre ainda conseguia guardar algum dinheiro para assistir uma partida de futebol no Maracanã ou no Pacaembu  e ali ele se sentia incluído com o calor da multidão, com os gritos eufóricos, as bandeirolas e o futebol arte do Corinthians ou do Flamengo, Santos, Botafogo ou outros times.

                 O futebol nasceu elitista, nasceu dos fraques e das cartolas, até que terminou nas ceroulas. O futebol inglês era dos gentleman que ocasionalmente faziam um exercício depois das partidas de uíste, críquete e  os chás sociais da cinco no Parlamento. Os pobres inicialmente eram deixados de lado, mas observavam de longe o esporte, e cada vez mais começaram a ter interesse em praticar esse hábito inicialmente de corte.

               Sujos de graxa e óleo, muitos começaram a formar times de rua com pelotas de couro  rasgado e iam jogar contra os times de Chelsea ou de Aston Villa, fazendo surgir times operários na capital inglesa, embora o mais notável desses times populares seja o Manchester United, formado por operários do setor metalúrgico.

              No Brasil a história se repetiu, o futebol surgiu com um inglês e propagou-se pela a elite que era sócia dos grandes clubes de remo: Fluminense, Santos e São Paulo. A partir de uma dissidência que surgiu no seio  do Fluminense, que ainda é um time bem elitista, surgiu o Flamengo. O Botafogo surgiu dos jovens da elite da praia de Botafogo, assim como o Grêmio dos colegiais de Porto Alegre.

               Os times de massa surgiram no contexto de expansão de um incipiente proletariado que surgia nesse período e dos imigrantes que apareceram no início da Primeira República. 

              Nisso, no Rio de Janeiro, um grupo de comerciantes portugueses (donos de empórios, bares e padarias) começou a financiar a formação de um time da colônia portuguesa no Rio, o Vasco da Gama, e conforme esse time ia crescendo e os jogadores vinham aparecendo, o time passou um dos primeiros a aceitar negros, que eram funcionários desses empórios e padarias para jogar futebol. Muitos desses negros vinham das rodas de capoeira ou de samba, que eram duramente perseguidas pela polícia nos morros e trouxeram uma nova forma de jogar futebol diferente da tradicional.

               Em São Paulo dois times de imigrantes surgiram em épocas análogas, e embora tenham suas rivalidades hoje, têm histórias muito interligadas: O Corinthians e o Palestra Itália (que viria a ser o Palmeiras). O Corinthians surgiu dos operários do Bom Retiro, boa parte deles judeus, após a exposição em 1910 do time inglês Corinthians (Coríntios) numa turnê pelo Brasil que passou por São Paulo, cujos ingressos eram bastante acessíveis, os operários do Bom Retiro que já era um bairro da indústria têxtil, de empórios e pequenos comércios acabaram formando um time de várzea em homenagem ao inglês: O Sport Club Corinthians Paulista.

                O Palestra Itália era um time dos italianos da Mocca e do Bexiga, boa parte deles ainda falavam com o jeito carcamano e tinham trazido as raízes do futebol da Itália, esses trabalhadores da comunidade italiana montaram um time de várzeas que eventualmente competia com o Corinthians, embora em termos mais amigáveis que hoje. Na década de 30 por decreto do governo, nenhum time poderia ter um time ou vinculação com o estrangeiro e por isso a mudança de nome para Palmeiras. Entretanto, muitos torcedores e jogadores palmeirenses se atrelaram ao fascismo e ao integralismo por influência que as ideias de Mussolini tinham sobre os italianos dessa época.

                 O Internacional surgiu com os operários italianos que apareceram na grande imigração para o Rio Grande do Sul, e como o nome denuncia, esses operários eram socialistas e anarquistas e formaram um time em honra à Internacional Socialista. Não à toa o time possui tons de vermelho em sua bandeira (que não é só barrismo sul-riograndense), mas também a origem dos embates com o Grêmio (que era um time de mocinhos da elite sul-riograndense).

                  Pouco a pouco o futebol se tornou um esporte de massas e o amor ao esporte foi observado pela ditadura de Vargas, que observando a importância do futebol sobre o o povo tentou assimilar o Brasil ao futebol. 1930 é a primeira copa do Mundo e a primeira do Brasil, foi no Uruguai e o time local venceu.

                   1934 foi na Itália de Mussolini e os fascistas italianos para mostrar sua superioridade nacional e técnica fizeram um mega evento para impressionar o mundo e reafirmar a legitimidade do regime fascista. No final a Itália venceu a Copa mostrando que o seu culto ao esporte não era só retórica política.

                   O Estado Novo compreendeu muito bem a mensagem que os fascistas italianos deixaram em 1934 e grandes eventos cívicos passaram a circular junto com o futebol, como a execução do hino nacional antes dos jogos (que ainda se mantêm em São Paulo), as grandes paradas públicas em São Januário e Pacaembu com os discursos de Vargas para o povo (uma cópia dos discursos de Hitler em Nuremberg).

                     A Segunda Guerra enclodiu logo depois da Copa da França e a copa de 1942 que seria realizada na Alemanha foi cancelada, e o imediato pós-guerra tornou a copa de 1946 um evento impraticável. Mas nesse período o futebol brasileiro viu sua profissionalização, o antigo futebol de rua e de várzeas foi passando a ser cada vez mais profissional. Os jogadores passaram a ter um salário definido a partir do salário mínimo e a ter uma segurança trabalhista, muitos dos antigos operários,  atendentes e balconistas passaram a se dedicar inteiramente ao esporte e a isso vemos um novo esporte se formar. Os jornais escreviam crônicas diárias sobre as partidas e os jogadores, com destaque ao Jornal do Brasil e a Folha da Manhã.

                  O ofício de cronista esportivo e a narração de rádio passaram a ser coisas cada vez mais comuns e com a ascensão desse novo esporte brasileiro em associação a um Brasil que queria se tornar grande a partir de um apoio incondicional ao governo Truman, a Copa do Mundo de 1950 seria realizada no Brasil;

                  O Morumbi foi construído em tempo recorde, mas o evento mais dramático foi o Maracanã. 

                  Maracanã é um rio que corta a região norte da cidade do Rio de Janeiro, esse rio tem essa denominação em virtude da presença de papagaios nas suas margens (A palavra papagaio em tupi era justamente Maracanã). A Construção do Estádio foi criticada pela presença logo ao lado da Favela do Esqueleto (onde hoje fica a UERJ) e por ser muito distante do centro, Carlos Lacerda (à época já um  deputado bastante nervoso) vociferava contra a ideia de um estádio ali e não em Jacarepaguá, mas nada adiantou, alguns lotes foram derrubados, assim como toda a Favela do Esqueleto e em 1948 a pedra fundamental foi erguida.
   
                Em 1950 o estádio ainda não estava pronto e ainda assim foi levado a uso, e ainda assim era tido como o maior estádio do mundo, com 155 250 lugares (fazendo inveja até ao Coliseu), mas ao custo social e econômico exorbitantemente altos.

              A Copa parecia ser algo que o Brasil se orgulharia, a seleção era um time exemplar que acumulava vitórias atrás de vitórias e o povo que se juntava ás massas para assistir os jogos parecia acreditar cada vez mais naquele esporte, gritava, sorria, brincava. O Brasileiro se descobriu brasileiro com a Copa de 50, até que veio a final da Copa.

             O Brasil começou ganhando do Uruguai por um a zero e o Maracanã vibrava como uma panela de pressão de 199. 854 torcedores espremidos para ver a seleção dar um show sobre o país platino, até que Gigghia começa a dar o seu troco, o capitão uruguaio fustiga todos os planos dos brasileiros e se aproveitando do nervosismo dos adversários acaba  não fazendo só um, mas dois gols contra a seleção brasileira, acabando assim o sonho de cinquenta.

            O Maracanã que antes vibrava, gritava e fazia festa, se calou... 200 mil pessoas caladas sem saber o que tinha acontecido. O choro foi coletivo, a catarse de toda uma seleção. O próprio Gigghia, que antes não gostava dos brasileiros por um preconceito de que eles ameaçavam o Uruguai, ao ver o sofrimento dos brasileiros, nos bares e cafés, sentou-se com eles para beber e compartilhar a tristeza dos brasileiros.

           O legado da Copa de 50 foi o trauma de perder uma Copa dentro de casa. Nelson Rodrigues diria que o brasileiro tinha adquirido o "complexo de vira-lata". Mas a Copa de 58 refez todo o ânimo brasileiro com a atuação da seleção de Pelé.

           Poderia ficar falando das histórias do Brasil nas copas de 62, 70, 82, 94 e 2002, mas esse não é o meu intuito. O Brasil teve um desempenho exemplar em todas (e devia ter vencido a de 82), a questão é que o futebol após o seu caráter de massas foi sendo apropriado pela política.

           Juscelino Kubitschek talvez tenha sido o primeiro presidente a perceber a importância de parecer ser bem  amigo da seleção brasileiro. JK foi o primeiro presidente a receber a taça Jules Rimet no Brasil com a seleção campeã, chegou a apertar a mão de Pelé e receber a seleção brasileira com abraços e vigorosos apertos de mão (JK era torcedor do América mineiro). 

          Um dos motivos de porque JK tenha sido o presidente bossa-nova (os críticos chamavam de "bosta-nova") foi não só a construção de Brasília, a vinda das fábricas de automóveis (Volkswagen e Ford), as estradas, a bossa-nova etc, mas também a vitória do Brasil em 58.

         A Copa de 62 foi a vitória de um futebol brasileiro num período instável que já prenunciava a antessala do golpe de 1964 e após um refluxo futebolístico, com a vitória da Inglaterra em 1966, João Havelange (que até hoje sofre denúncias por seu comportamento à frente da CBF), convocou um jornalista, João Saldanha para a composição da seleção (segundo ele para cessarem as críticas).

             Saldanha era membro ativo do Partido Comunista e constantemente era obrigado a lidar com as interferências diretas do general Medici na seleção (Médici além de ser um exímio assassino e torturador era um fanático por futebol e torcia pro Fluminense), após muitos atritos e a recusa de Saldanha em escalar Dário Maravilha, Médici ordenou a retirada de Saldanha da seleção.

               Zagallo entrou no lugar de Saldanha com o time praticamente pronto, escalado anteriormente por Saldanha, e o Brasil venceu a Copa de 70 e mais nenhuma na época da Ditadura. Isso pode se atribuir talvez a interferência direta dos militares no futebol, como foi o caso do Médici na seleção de 70, e ao esquema monista de um futebol regrado a estatutos militares, sem grande liberdade de ação como o futebol brasileiro se notabilizou.

               O Futebol foi usado pelos militares como meio de propaganda, não poucas vezes Médici era fotografado com o seu rádio de pilha japonês assistindo o jogo do Fluminense no Maracanã, e não foi a toa que o hino da Copa de 70 foi uma marcha militar quase.

                   Mas o futebol também foi usado para contestar o regime, a atribuição do futebol corintiano na figura do Sócrates na Democracia Corintiana no final da década de 70 pedindo pela volta da democracia, ou mesmo a própria composição política de grupos de esquerda de usar os estádios para efetuar a troca de reféns, como foi o caso do embaixador americano que foi deixado no meio do jogo do Flamengo no Maracanã.  O futebol brasileiro como meio de contestação emanou tanto que a composição do time da Copa de 82 era baseada na bases do Corinthians da Democracia Corinthiana, do Flamengo da época do Zico, com os comentários contundentes de Toninho Cerezo e a direção bem feita do Telé Santana.

                  Em todo caso, com a retomada da Democracia o futebol brasileiro se notabilizou também pelo resfriamento de seu esquema tático e pela ampla liberdade de ação de jogo. O futebol brasileiro sempre teve a figura dos grandes craques, a seleção vislumbra um espelho do que é esperado de todos os jogadores brasileiros.

                   O problema que se apresenta hoje é uma futebol mercantilizado, a partir da Copa de 82 a figura do patrocinador se viu cada vez mais forte; Anteriormente o patrocínio existia como um mecenato do esporte, mas conforme se passavam os anos e a influência do markenting nas empresas do esporte, como Nike e Adidas na década de 80 (que assistiram um boom de venda com a expansão do mercado consumidor de tênis, bolas e camisas de fitness) as camisas das seleções tiveram que passar a exibir o logo do patrocinador, e a dos times comuns parecem outdoors ambulantes de tão coloridas de anúncios.

                     Nisso também entram empresas de suprimentos e bebidas, com a associação feita de que o esporte precisa  de algo para ser bebido, seja suprimento vitamínico, é o caso do Gatorade, refrigerante, Coca-Cola e Guaraná Antártica, ou cerveja, como Heinekken e Budweiser.

                 Nenhuma dessas empresas está realmente preocupada com o futebol ou com a qualidade da seleção, está preocupada apenas em ganhar dinheiro, em vender mais. Por isso, não importa se o jogador x joga melhor que y, o que importa é que x é mais famoso que y e por isso ele tem que ser escalado pra dar mais dinheiro.

                  Não só isso, o futebol também virou uma máfia. Sobretudo no Brasil, afinal de contas ele atualmente serve como meio de lavagem de dinheiro, na década de 70 ele já era meio de lavagem de dinheiro jogo do bicho, hoje é lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, de pessoas e até de armas. A corrupção gira em torno do futebol, não só o Estado que joga rios de dinheiro para construir estádios, mas também de dirigentes que desviam dinheiro dos próprios sócios do time para usar para fins próprios.

                      O futebol dos dirigentes e cartolas é um futebol de mafiosos.

                      Além disso, temos um novo regime de escravidão não pronunciado. Não estou falando só dos trabalhadores voluntários da Fifa que irão trabalhar de graça para um evento que move milhões de reais (trabalhar de graça para uma coisa que move apenas dinheiro é pra mim uma estupidez monumental), mas eu falo também da venda dos jogadores como se fossem mercadoria, por milhares, milhões de dólares atrelados a regimes de trabalho por contrato que são análogos ao que se fazia tempos atrás com os escravos africanos e os trabalhadores compulsórios indianos.

                O futebol arte e o futebol técnico inexistem cada vez mais, existe agora apenas o futebol comercial. O futebol da Laranja Mecânica é repetido talvez apenas pelo futebol alemão de hoje que não tem essa figura de craques, mas também não tem essa questão de patrocinadores, por isso eu acho que o maior exemplo hoje é o futebol alemão.

                Eu não gosto do futebol espanhol, não porque eu o ache feio, ele é bonito, mas pela composição e a ideia de um time de grandes nomes e de grandes craques formado quase que exclusivamente de cartolas para ganhar dinheiro em patrocínio. Isso não é futebol, isso é a venda do esporte.

                O futebol brasileiro caminha para o futebol espanhol, e pra mim é tão evidente que o Brasil não tenha ganhado a Copa de 2006 e 2010 que parece até racional. O Brasil perdeu por ter tentado vender seu futebol em figuras de grandes craques e não ter pensado em reconstruir o seu time com o esquema tático que levasse a renovação constante de seus jogadores.

                 Eu não sei se o Brasil vai vencer essa copa, eu até acho que sim,  o time parece ter sido refeito (embora ainda assim seja tão mercantilizado o papel do Neymar, que poderia esboçar um pouco mais de humildade de vez em quando) e o Felipão sabe cuidar de um time. A questão que essa Copa é diferente da Copa de 50 em muito;

                 O mundo do futebol de 50 era um mundo de paixão ao esporte, não de venda. O futebol era um fenômeno de massa, que desconhecidos se abraçavam no calor de um gol e choravam no peso de uma derrota, eles não se sentavam para assistir um jogo calados bebendo uma cerveja absurdamente cara ou assistiam no conforto do ar condicionado o jogo pela televisão HD.

                 O futebol de 50 era a única demonstração coletiva de amor por um time, e de catarse pela a ideia de uma seleção, era um espírito de pertencimento de massa que nenhum marxista se esboçaria a definir. Não era um mundo dos anúncios de propaganda de shampoo ou papel higiênico dos jogadores da seleção, futebol era algo sério;

                 Futebol era um grito de contestação nos anos de chumbo, era a única oportunidade que tínhamos de ser livres da botina dos militares, pois em campo quem manda era o juiz.

                 O futebol era um esporte em que as crianças poderiam ir sozinhas para assistir um jogo, onde mesmo no calor da paixão, pessoas não se agrediam, apenas se insultavam, discutiam. Hoje as pessoas se matam por um jogo, levam armas, para expor o espírito coletivo de violência de toda a sociedade brasileira. O futebol vem sendo apropriado por bandidos, bandidos de correntes e máscaras, bandidos de cacetete e farda, bandidos de fraque e gravata.

                  Qual o legado da Copa? Eu não sei, mas eu não vou deixar de assisti-la. Eu gosto de futebol, gosto de ver o estouro da torcida, gosto de abraçar uma mulher eufórica desconhecida, de gritar o hino com os meus amigos, de reclamar do juiz. Eu gosto do aspecto do coletivo do futebol, até mais do que o futebol propriamente dito. Eu gosto de ver o futebol como o trabalho em equipe que tem que dar certo, mais do que o esforço meramente individual de um craque.

                    Se deixarei de ver a Copa? Não. Eu assistirei. Só me sinto mal que pessoas tenham se usado do sonho de uma maioria para desviar vultuosas somas de dinheiro, para atrapalhar o sonho de um futebol bem feito, de tornar criminoso o ato de protesto que é comum ao futebol, para se enriquecerem cada vez mais de um povo sofrido como o povo brasileiro.


                  Eu assisto o futebol por amor ao esporte, não por amor à Fifa, ou tampouco por amor à seleção da CBF. Por esses e outros motivos torço para o sucesso da seleção alemã, que a despeito do mercantilização do mercado, ainda tem a ideia de trabalho coletivo na sua configuração e na própria montagem do seu esquema tático. 

                  E cuidado, o Uruguai pode ganhar essa copa de novo...


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