quinta-feira, 19 de junho de 2014

A revolução da internet

           A construção de uma sociedade melhor parte do princípio de um sonho compartilhado por uma juventude que é análogo ao prazer de sua mocidade e compartilha os mesmos sentimentos de inquietação do passado de seus pais. A expectativa de se sentir capaz em transformar o mundo, bem como a iniciativa de se sentir pertencido a um grupo atuante transformador de uma sociedade é o que move muitas vezes a juventude do Facebook ao se destronar das poltronas defronte seus computadores e manifestar nas ruas com as caras pintadas contra a mão repressora do Estado.

          A inquietação com esse dado presente é tal que no horizonte dessa crise que se arrasta a seis anos nada é mais claro do que a vontade de se fazer ouvido num sistema cada vez mais impessoal e informatizado que o nosso cotidiano se transforma. A geração do Ipod e do Macintosh se encontram cada vez mais nas ruas, e não nos cafés parisienses ou nos pubs londrinos, se encontra a partir da internet e cada vez mais pela internet.

         O caráter revolucionário de nossos tempos é primoroso, assim como foi o caráter revolucionário da Revolução Francesa, pois a revolução é ideia de movimento e a Revolução Francesa só se destacou pelo desenrolar dos acontecimentos de forma bem rápida. A rapidez é algo existente em nosso tempo, onde comentamos uma notícia em questão de segundos, e compartilhamos informações na mesma curvatura de tempo. A internet banda-larga transformou a humanidade em mais do que uma simples abstração.

         Duvido que Narinder Kanpany, inventor da fibra ótica, tenha realmente imaginado o poder que a sua invenção teria sobre a Humanidade, esse filete de vidro com compensados de polímeros movimentando um fluxo de informações inimaginável, e um mercado das telecomunicações que leva a Índia aos patamares de liderança nesse segmento.

          Alguns poderão dizer que a Índia só pode chegar ao domínio da sua fibra ótica a partir de seu passado firmemente ligado ao setor têxtil que fez com que Kanpany pensasse em uma nova forma de entrelaçar os fios de fibra ótica de forma diferente do que se fazia anteriormente com os fios de cobre, o fato é que essa tecnologia associada o protocolo Http iniciou uma difusão estratosférica do conhecimento que  associado ao Windowns pautou nossa sociedade ocidental. Por isso não coloco que a Queda da União Soviética como um marco para a nossa sociedade (é um marco para o marxismo), mas a invenção da Internet em  1992 como veículo de comunicação de massas pelo físico britânico Tim Berners-Lee, na configuração do World Wide Web (WWW) configurou a sociedade atual.

           Os levantes contra os governos impopulares do Oriente Médio, a mobilização das passeatas na Espanha, o Occupy Wall Street, as Jornadas de Julho   e mesmo a divulgação das notícias relatando os excessos da NSA, por Edward Snowden, colocaram a já pulsante sociedade ocidental a uma curva a duzentos por hora.

          Digo curva de duzentos por hora porque estamos num momento de inflexão e não percebemos bem isso, estamos com um excesso de informações e um caldeirão de movimentos através do mundo que os próprios estados nacionais não conseguem ter a observância de acompanhar, isso mostra o quanto o estado é lento em observar as mudanças sociais. Seja um Estado de bem-estar social, Suécia, um estado liberal, Inglaterra, um estado populista, Argentina, proto-ditatorial, Venezuela ou terrorista (Estados Unidos), o Estado perde cada vez mais a sua função como árbitro das tensões e reivindicações sociais.

         Nisso a sociedade se move cada vez mais para longe do Estado que entra numa crise de legitimidade, nisso as únicas fontes que ele ainda se agarra são aos medos da sociedade: a segurança. Digo segurança não só a segurança física (como o combate ao crime ou ao terrorismo), mas segurança social (emprego, previdência, direitos trabalhistas)e segurança jurídica (as leis e a liberdade de expressão). E nesse aparente papel de "defesa à segurança do bem-comum" o Estado coordena arbitrariedades contra a própria sociedade se agarrando a velhos paradigmas totalitários.

        O  totalitarismo nasceu na Revolução Francesa no Terror Jacobino e com ninguém menos que Maximilian Robespierre que ignorava as discordâncias com a lâmina da guilhotina, até dentre os seus companheiros, como Danton. O Terror Francês   trouxe o aspecto materialista da eliminação física dos oponentes políticos em nome da raison d'état et la segurité nacionale que acompanhou todas as nações europeias pós-Congresso de Viena, desde a Rússia até Portugal. A morte de opositores políticos em honra a segurança do bem-comum e isso tem reverberações que acabam levando aos genocídios neocolonialistas no Zaire, Zimbabwe, Marrocos e Argélia.

        O genocídio armênio e os pogroms na Rússia entram no mesmo paradigma em que o Estado na curva crescente por se autolegitimar promove assassinatos em massa das minorias que não se enquadram ao tecido social que o  Estado quer tecer, uma cashemere moldada de obediência absoluta em que não se admitem pontas soltas.

         O cientificismo da morte levou aos mais profundos e tenebrosos períodos do século XX, a Primeira Guerra Mundial, cujo centenário se dará ainda esse ano, o Holocausto bem como a Segunda Guerra Mundial, onde o Estado é patrocinador ativo do morticínio em massa de centenas de jovens, mulheres e crianças em nome de um "sonho que se tornou um pesadelo".

         O Estado é inimigo natural da sociedade e não seu próprio salvador,  ele sempre estará disposto a violar os limites da lei para se impor como representante da sociedade e sua esquisofrenia o levará a cometer cada vez mais desvios para se manter como foco de dominação social.  Contudo, cada vez mais o Estado é ameaçado conforme a evolução tecnológica da Humanidade cada vez menos dependente do Estado e cada vez mais contestatória, o cidadão não se vê mais tão representado pelo Estado quanto os seus avós se sentiam há cinquenta anos atrás e conforme vai se consolidando o estudo, mais intensos ficam os fenômenos de questionamento sociais. O Estado nacional está fadado à sua fagocitose.

          O maior desses estados é sem dúvida os Estados Unidos e conforme seu rito de violência contra outras populações, o governo institui uma ditadura do medo em seu próprio território onde a Liberdade pode e deve ser violada em nome da guerra contra o terrorismo. Não digo que os Estados Unidos irão desaparecer fisicamente dentro  de cinquenta anos, isso é até ridículo no campo especulatório, mas a sua essência desaparece a cada dia em que o sistema norte-americano recorre a arbitrariedades para legitimar o seu próprio foco de poder.

          O desmembramento de alguns estados nacionais em guerras civis é acompanhado por tentativas falhas de controlar a internet, acontece isso na Síria, no Iraque e na Ucrânia. Nenhuma dessas tentativas irá acabar com os focos de oposição pois o poder desses países está em processo de esfacelamento; Os países que conseguem isso estranhamente ainda possuem um foco de legitimidade claro, como são os Estados Unidos, com o controle de informações na figura da NSA, e a China com o seu apparatchik na figura do Partido  Comunista.

         A Internet é o foco da legitimidade atual, de um mundo que escapa ao domínio das fronteiras nacionais, então digo que sem a Internet não poderemos evoluir no nosso modelo de desenvolvimento atual, em nenhum canto do mundo, pois nossa economia foi atrelada à essa globalização da sociedade ocidental em torno da rede mundial dos computadores e as tentativas fracassadas de impor regras à internet e sacramentar leis de exceção para impedir a divulgação de informações só demonstram a fraqueza da legitimidade do próprio estado em esfacelamento.

         Estamos em uma curva à duzentos por hora porque corremos um risco. Caminhamos cada vez mais para o sonho de Marx e Bakunin de viver numa sociedade sem um Estado, e de fato se o Estado desaparecer não haverá nada que coordenar as regras sociais de uma sociedade e será o predomínio do sonho máximo de alguns pensadores liberais, o anarcocapitalismo, uma sociedade voltada apenas para o mercado e pelo mercado. Não que já não sigamos essa tendência, as relações sociais são hoje coordenadas por óticas de consumo, desde o amor líquido entre duas pessoas, onde uma literalmente consome o que há de bom em outra para depois abandoná-la conforme o domínio de seu desejo, como as relações parentais não são carregadas com a emoção maternal ou paterna que se imaginava anteriormente.

        É um mundo estranho que está para nascer, talvez um mundo gestado pelo domínio do capital e das regras de grandes empresas, e isso é perigoso quando observamos que alguém perderá muito nesses processo, ficando a margem da sociedade; Então nesse ritmo que andamos corremos o risco de capotar o carro.

        Mas não digo para pararmos, pois a inércia é o caminho para a própria morte. Nem digo para irmos devagar, pois não temos controle sobre nós mesmos, só devemos ter cuidado, pois a Internet é o meio mais revolucionário que tivemos desde a invenção da escrita e esse revolucionarismo pode sim ser usado para a manutenção de nosso bem-estar, por isso que acredito que a medida que o Estado vai desaparecendo na esfera social como ator das demandas sociais, encontramos um caminho cada vez mais elevado que poderá nos levar a uma democracia participativa, uma democracia onde a Internet leve ao conflito de ideias dentro de um espaço virtual e reduza os conflitos diretos que levaram ao derramamento de sangue que tivemos até hoje.

         Temos que tomar cuidado com o que desejamos, pois estamos no meio de um momento revolucionário, a Internet poderá promover a revolução de toda a sociedade humana sem que haja necessariamente o derramamento de sangue por isso o ímpeto de nossa juventude está centrado no domínio social da rede mundial de computadores.

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