domingo, 10 de fevereiro de 2013

Um relógio de areia (conto)

         Devagar, bem lentamente a areia se esvai no movimento monolítico para baixo, se espalha na cuba elíptica do funil da armação de vidro e se acomoda no formato esférico daquele objeto. É um movimento lento e preguiçoso, tão delicado e tão sublime.

       O tempo passa, lentamente, mas passa, num movimento sinuoso da desse relógio.

       A areia é fina, como a de uma bela praia nos Trópicos, mas não é branca, é verde. Estranha coloração para uma areia é verdade, nem mesmo a da casa do gato é assim, mas mesmo assim era sedutora aos olhos. O pigmento esverdeado reflete no vidro e sobre esse prisma as páginas da História passam por sobre a nossa retina.

      Eis que tudo volta de cabeça para baixo, a areia volta a cair bem devagar no vidro, tão lentamente e tão sublime, era como um passeio na orla ou uma volta no parque, não, era ainda mais sublime e era tão bonito que conquistava os olhos e boa parte de sua atenção.

      Tudo se esvai, tudo o que é sólido se desmancha no ar, nada pode vencer a força do tempo. É assim que é um relógio de areia, uma peça tão antiga e tão delicada que possui nas suas mãos o poder de mover o tempo tão lentamente quanto move a areia dentro do seu receptáculo. Poderia ser uma mera peça de decoração, mas no fim não era. Aquele próprio instrumento tinha uma história em si, de como a mecanização dos relógios ainda não conseguia tomar por completo o domínio do tempo, uma coisa tão sublime, tão frágil! Assim como somos todos nós.

      Acabou a areia, assim como acaba a vida. Mas outra vez a peça voltou de cabeça para baixo pela mão invisível e maquiavélica admirada com toda a simplicidade daquele mecanismo. Era realmente bonito ficar acompanhando o modo como a areia caía enquanto não se fazia nada, era isso que chamavam de ciência.

      Dois minutos, era o tempo que aquele dispositivo registrava. Dois míseros minutos! Mas isso não lhe eximia o poder embutido ali dentro, o poder do tempo. Não, não gostava de chamar aquilo de ampulheta, sempre considerou um nome muito feio, aquilo era mais do que um simples objeto, um mecanismo. Não à toa que chamavam de relógio de areia, e não havia nome mais apropriado. Embora não tivesse ponteiros ou seguisse as vinte e quatro horas, aquele singelo instrumento media o tempo com uma espantosa precisão.

      Deu mais uma volta, outro ciclo. Assim como é a vida, que sempre tem o seu início e o seu fim, mas sempre um recomeço. É incrível como aquele pequeno pedaço de vidro envolto na armação de madeira sempre conseguia arrancar-lhe alguma filosofia, era como o xadrez, sempre um fim, sempre um recomeço.

      O rapaz olhava admirado para aquilo tudo, deixando o tédio de lado. Era como se toda a dor e o sofrimento da vida caíssem diante dos seus olhos e recomeçassem de novo. O relógio lhe ensinava que a vida era passageira, e que não adiantava se prender a velhos dogmas, a velhos grãos de areia.

      Adormeceu, pois, de tanto admirar o movimento sinuoso da areia batendo sobre o vidro, o tédio desse dia se esvaiu com o cair constante da areia na cuba debaixo. Um eterno fim e um novo começo, um constante recomeço. 20:20, vamos parar de filosofar.

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