Não que não os deixe respeitosamente nas estantes de meu quarto, tomando o ócio dos anos e empoeirando suas páginas. Não que não os dê o devido respeito e os guarde na minha memória e recite seus trechos a meu bel-prazer, não que o faça isso.
Sim, essa é uma postagem sobre os companheiros de nossas vidas, amigos da mentes e flagelos do puro esquecimento, estou a tratar sobre os livros de cabeceira. Esses companheiros que guardamos no peito e ao lado de nossas camas, no quarto entre o travesseiro e a cômoda.
As pessoas se filiam aos livros mais do que a partidos. Sempre teremos um livro favorito, um que inspira nossas ações e traz algumas explicações aos mais derivados dilemas existenciais de nossas vidas, ou muitas vezes não, às vezes só queremos nos distrair, nos divertir numa noite de insônia qualquer.
Passei a ter hábito de ter livros de cabeceira quando estava terminando o meu secundário, meu livro de cabeceira era, como todo o marxista que se prezasse, logicamente o Manifesto. Eu gostava do jeito como Marx impunha as suas ideias, mas não do jeito que ele manobrava as palavras. Nunca gostei muito do jeito que Marx escrevia, sempre o achei muito cru demais, embora todas as palavras que ele redigia fossem importantes.
Me desiludi com Marx, vi que ele não explicava tudo e guardei o Manifesto na minha estante com o devido respeito. Volta e meia reviro suas páginas para encontrar explicações de algumas problemáticas da vida, mas o marxismo não explica tudo.
Foi a vez de Maquiavel, o grande Maquiavel, com o seu tratado político, me seduzir com as suas palavras (esse sim escrevia bem) e suas ideias. Até hoje eu levo os ensinamentos do Príncipe para a vida e recito-os quando me dá o direito.
Melhor ainda é o Príncipe comentado por Napoleão, não existe leitura mais divertida e prazerosa do que essa. Sim, eu já tinha lido Montefiore, em sua "A Corte do Czar Vermelho", que literalmente digo que me ensinou o ofício de historiador, mas Maquiavel me ensinou como encarar a vida, com pragmatismo, mas às vezes burlando suas próprias regras, até hoje ele ocupa o espaço em minha cabeceira.
Tito Lívio também é outro que merece o meu respeito, que divertiu muitas noites com sua História de Roma, e merece menção especial por sua narração impecável, nunca vi alguém tão versado em palavras escrever de maneira tão simples tais ideias. É claro que ele não chega ao nível do grande Maquiavel, mas é bem próximo, se formos filedignos à verdade.
Não, Nietzsche nunca esteve na minha cabeceira. Eu tenho algum respeito pelo velho Friedrich, mas é um respeito intelectual, não tenho amor pelo jeito que ele escreve, mas pela polêmica que ele implanta. Maquiavel está na minha cabeceira, assim como Zygmunt Bauman também a ocupa.
E por falar em outros livros, porque não elevar Fernando Pessoa a essa categoria? Eu não levava muita fé nesse luso que diziam ser o grande rei das palavras, achava que seria um exagero tal como o fazem com Paulo Coelho (de quem não tenho nenhuma estima), mas pelo contrário, Pessoa é um autor simples que discute ideias complexas em saborosas palavras. O banqueiro anarquista, seu único conto, resolveu de quebra um dilema teórico meu e ainda me revelou um caminho através da política pelo qual devia seguir, esse sim merece ser elevado à categoria de meu livro de cabeceira.
Tchekhov com certeza é o autor pelo qual tenho a maior estima, foi com ele que aprendi a escrever de um jeito um pouco relaxado, mas ainda mantendo a erudição. Aqueles que leem suas obras, sabem quão deliciosa é sua narração do cotidiano da vida, ao contrário de por exemplo Maximo Gorki, que apesar do seu jeito engajado, tem uma literatura tão crua que chega a ser sofrível, não o culpo por isso, os mais rigorosos sempre pecam nas palavras.
Outro que merece recomendação é sem dúvida Andrzej Sapkowsky. Esse pode não estar para alguns no mesmo nível do Tolkien, mas certamente está ao nível de George Martin, tenho estima por Sapkowsky por ele inserir a tão esquecida mitologia eslava num livro de aventuras fantásticas com um bruxo, e ainda discutir economia e problemas existenciais da vida. Esse é o outro que merece o meu respeito, principalmente na sua saga do bruxo Geralt de Rívia (O último desejo, A espada do destino, et alios).
Sim, a minha cabeceira tem que ser grande para comportar tamanhos livros de peso e eu me orgulho disso, mas quando leio que alguém por livro de cabeceira uma biografia do Lula ou Cinquenta tons de cinza, eu tenho profundos calafrios na espinha. Tantos livros bons, e elegem esses os seus favoritos?
A segunda alternativa demonstra bem o quão frustrada é sexualmente a pessoa por considerar Cinquenta tons de cinza um livro digno de cabeceira, um livro que visivelmente é um tratado ao consumismo de mulheres frustradas que não tem satisfeitos os seus desejos sexuais.
A primeira demonstra a alienação com que alguns visivelmente se submetem ao tomarem a vida de outrem um líder populista, como parâmetro para guiar as suas vidas. Vocês não sabem como me doí saber disso, enquanto tem gente que tem Hemingway como livro de cabeceira, ou mesmo Edgar Poe, alguém tem a biografia do Lula como livro favorito.
Ultimamente estava a ler o Maldita Guerra, do professor Doratioto, um livro bastante instrutivo por sinal, que me fez ler outro livro do mesmo autor, General Osório, espero poder um dia elevá-los a categoria de livros de cabeceira, mas não é todo livro que chega a esse nível.
domingo, 3 de fevereiro de 2013
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