domingo, 3 de fevereiro de 2013

Livros de cabeceira (conto)

        Era tarde,  bem tarde; Possivelmente tinha passado das onze da noite ou mais, a noite seguia silenciosa, o asfalto latejava o som distante da borracha dos pneumáticos em alguma rua distante dali, o frio dissipava os tímpanos, mas algo o impedia de dormir.

       Não havia barulho, não fazia calor ou sequer a cama lhe era desconfortável, na verdade era uma das camas mais confortáveis que tinha visto. Mas não, não conseguia dormir. Tentou ligar o aparelho de som, ouvir uma sinfonia qualquer, mas nem isso o fez dormir, Tchaikovsky estava muito barulhento nesse dia.


       Ficou deitado, olhando para o alto, para o teto branco de seu quarto, visualizou os quadros na parede, tateou sem saber o que fazer as mobílias de sua suíte. Foi até o banheiro e lavou o rosto, no espelho visualizou o modo como as olheiras cresciam e se arrefeciam, pensou em fazer alguma coisa a respeito, mas ele sabia que o melhor que tinha a fazer era dormir.

     Tentou escrever no seu bloquinho alguma coisa, talvez uma história, um conto qualquer, mas não, a cabeça não o deixava. Ele estava realmente cansado, e no outro dia teria que pegar no batente. Mas ele não entendia porque não podia dormir, seus pesadelos tinham acabado, ele não era mais um garotinho tentando sobreviver em Auchwitz ou mesmo encontrava parentes mortos nos seus sonhos fazendo coisas inimagináveis. Não, nem sequer sonhava mais. Ele só queria dormir.

     Lamuriou um pouco e volto à cama, decidiu que não sairia dela até fechar os olhos, não importasse o que fosse. Talvez fosse ler um livro, um livro qualquer. Puxou da cabeceira um exemplar de uma história fantástica  cheia de monstros e dragões, de um bruxo que lutava contra as mais diferentes feras, e ainda assim ficava em cima de seu código e da dicotomia do bem e do mal. Se sentiu como ele, principalmente com os sofrimentos do personagem, que em vão tentava ficar com a sua companheira, que não era nenhuma mocinha, mas uma feiticeira bem sensual, um pouco mais velha do que ele.

      A história era interessante, principalmente a parte das guerras e a prosa de um poeta desafinado que acompanhava o herói. O herói tenta fugir do seu destino, anda sozinho nas estradas da vida, mas sempre acaba no mesmo caminho. Se sentiu como Geralt, esse bruxo mutante que era um pária para si e para os outros.

      Mas o pária achou alguém que gostasse dele, uma moça, uma trovadora com voz de veludo, que o amou como poucas o amaram, que chorou por ele, mas não teve resposta em seus desatinos. O leitor sentiu pena da moça, na verdade entendeu como ela se sentia, ele sentia a mesma coisa que ela, pior foi o fim que ela teve, e ela e o herói nunca mais se encontraram.

      Foi aí que o nosso leitor adormeceu, em meio aos pingos de chuva que refletiam nas telhas de casa e ele sonhou que era o bruxo Geralt, que montado em sua égua Polska, seguia lado a lado com o desafinado poeta Jaskier que só sabia falar obscenidades e contar mentiras. Estavam os dois no alto de uma colina, de onde se via a águia careca soltar um pio lá do alto enquanto o sol se baixava, Jaskier puxou sua lira, mas tudo  o que o bruxo fez foi olhar a paisagem e pensar na sua amada, de alguma forma nosso leitor queria ser como Geralt, queria mesmo, enfrentar dragões todos os dias e ter histórias engraçadas, mas de manhã, tudo era o mesmo. O mesmo desatino de todos os dias. 08:08, você está atrasado.

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