segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O Papa se empapou





       Após 600 anos passados, um Sumo Pontífice teve a coragem de renunciar ao cargo supremo da cristandade católica ocidental. Josef Ratzinger, o papa alemão, o velho septagenário que assumiu depois da morte de Karol Wojtiła no também cargo de Pontífice Maximus da Igreja.

     Essa figura fã incontrolável de Mozart e Bach, falante de pelo menos cinco línguas, mas que poucos prestavam-lhe atenção.

      Ratzinger não tinha o carisma de Wojtiła, era visto como um papa durão e inflexível, a sua condição de alemão ajudava a reforçar isso. Para piorar o papa vivenciou a Segunda Guerra, esteve na Juventude Hitlerista e acabou sendo integrado ao Wermarcht, o início de sua trajetória não podia ser pior, alemão que viveu o nazismo, o pai era comissário de polícia do Reich, logo quando jovem foi integrado à Juventude Hitlerista e acabou sendo aprisionado num campo de prisioneiros na Baviera.

Ratzinger quando jovem, note o distintivo do Reich em seu peito.
     Os opositores nunca se esqueceram disso, na verdade ressaltavam esse aspecto. É verdade que muitos tinham a desconfiar desse velhinho, principalmente frente ao papa João Paulo II, que era polonês e viu o lado amargo da guerra. Eu mesmo via com antipatia o papa Ratzinger.

     Não são poucas as biografias que enaltecem Bento XVI dizendo que ele não era a favor do regime, que ele era contrário a tudo que representava e etc. Isso não convence, é como se quisesse justificar o Papa dizendo que ele foi porque era forçado, isso em parte era verdade, mas o que nos garante que o pequeno rapazinho não acreditasse no regime? Isso eu não sei.

     A verdade é que perdoem-me os mais antigos, a questão da associação com o nazismo não é uma coisa bem superada nas gerações mais velhas na Alemanha. É como naquele filme de Michael Vernhoeve, Uma cidade sem passado (1990), onde a protagonista, uma jovem estudante de História, investiga o passado de uma provinciana cidade chamada  Pfilzing, que se orgulhava de ser um bastião de luta contra o nazismo, mas no final ela descobria  que a população mais antiga estava metida até os joelhos com o hitlerismo e ela acaba sendo perseguida.

     É isso que eu penso quando vejo alguém dizer que alguém era totalmente contrário ao nazismo, retirando o Oskar Schindler e alguns poucos jovens do grupo Rosa Branca, fica difícil de acreditar na total idoneidade dos indivíduos frente ao regime.

      Enfim, a discussão perdeu um pouco o seu foco.

      Como ia dizendo, Ratzinger vivenciou esse período e acabou sendo preso. Mas logo em seguida entrou para o seminário católico e em 1951, ele e o irmão acabaram sendo ordenados sacerdotes pelo Arcebispo de Munique, se tornando a partir disso professor de teologia, tendo por tese de doutorado um estudo sobre Santo Agostinho.

      Foi assim que a sua carreira decolou, e depois do 2° Concílio do Vaticano, ele foi classificado como especialista em teologia, e em 1977 foi feito Arcebispo de Munique. No seu arcebispado, houveram denúncias de conivência com casos de pedofilia envolvendo padres, que supostamente o próprio arcebispo tinha acobertado.

     Em 1981, João Paulo II, o novo papa, o apontou como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, onde nesse cargo ele passou a perseguir antigos defensores da Teologia da Libertação, impondo ao frade Leonardo Roff voto de silêncio por ter ideias socialistas um pouco enraizadas (não necessariamente marxistas, devo apontar). O Vaticano teve um caráter dúbio com as ditaduras na América Latina, assim como teve com os regimes totalitários na Europa. Alguns de seus expoentes se revelavam contrários aos desígnios dos regimes, mas outros eram fervorosos apoiadores, o fato é que Roff era um desses críticos da Ditadura Brasileira.

Não à toa que alguns comparam o Darth Mal de Star Wars com o Papa Ratzinger, e de fato há uma semelhança

     Ratzinger foi sempre tido como figura obscura para quem era de fora da Igreja, mas se especula que ele agisse no foro fechado dos escalões da Igreja, a verdade é que quando João Paulo II morreu, ele era a figura mais preferida para suceder o Papa, embora já estivesse bem velho.

      Os observadores achavam que ele seria um Papa transitório, é verdade. Se comentava isso nas ruas, mas mesmo assim ele foi empossado.



(Habemus Papam)
Annuntio vobis gaudium magnum; habemus Papam:       Anuncio-vos com grande alegria; já temos o Papa:
Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum,            O Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Dominum Josephum                                                     D. José
Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinalem Ratzinger          Cardeal da Santa Igreja Romana, Ratzinger
qui sibi nomen imposuit Benedicti Decimi Sexti.            Que adotou o nome de Bento XVI.



       Se esperava do novo Papa um retrocesso, que como João Paulo II já era conservador, esse papa seria mais ainda. Mas pelo contrário, Ratzinger fez algumas reformas, embora não todas, importantes. Desde a Igreja ter agora um twitter oficial, até aceitar o uso da camisinha entre as prostitutas, por questão de saúde, vale frisar (mas não entre os casais). O papa condenou os regimes ditatoriais na Síria e na Líbia, embora ele próprio tivesse tido problemas dentro de casa.

      Um de seus mordomos realizou atos de espionagem para a Imprensa Italiana, divulgando informações sigilosas da Cúria. Algo que foi sagazmente chamado de VatiLeaks, em referência ao WikiLeaks, do Assange. Foi uma situação bastante difícil para o próprio Vaticano, o papa deu o perdão ao mordomo, mas não acredito que a situação na Igreja fosse de boas relações com o dito cujo.

     Quanto ao papel ideológico, Ratzinger continuou a doutrina da Igreja no foro político, dizendo os mesmo lugares comuns da solidariedade e da responsabilidade dos ricos dividirem com os pobres, mas que esses também não se revoltem, etc. etc.

      Ratzinger com certeza não tinha os mesmos holofotes do que João Paulo II e com certeza era uma das figuras mais esquecidas no plano internacional. Na Espanha, a sua Jornada pela Juventude causou protestos gigantescos por causa dos gastos do papado num país em recessão, e logo em seguida o Vaticano tinha anunciado que em 2013 ela seria no Brasil.

Madri: polícia precisou intervir para conter protestos contra a visita do pontífice
Protestos na Espanha

     Agora fico curioso sobre como será essa Jornada pela Juventude no Brasil, com Bento XVI renunciando.

     A questão é que a renúncia do Papa foi uma surpresa, por quase 600 anos ninguém mais fizera isso, a última vez que aconteceu foi com Gregório XII, e segundo às más línguas, este estava desiludido com a Cisma da Igreja e com os desatinos políticos em torno do Papado (chegou-se ao absurdo de ter 3 Papas!).

    Também acredito que seja verdade quanto a Bento XVI, embora o Papa esteja velho, já passou dos oitenta há um bom tempo, ele talvez esteja desiludido por não ter voz e que o número de fiéis esteja decaindo, frente à expansão do islamismo, e da crescimento do ateísmo no mundo (não sem razão, vide de passagem).

     Em condições normais eu não faria uma postagem como essa, tendo em vista que eu me orgulho de ser ateu, mas a renúncia do Papa foi evento tão extraordinário que mereceu algum comentário.


Vá, e acho que você não deixará muitas  saudades


PS: Sobre o filme Uma cidade sem passado, de Vernhoeve, está disponibilizado no Youtube no seguinte link: http://www.youtube.com/watch?v=WNXjqc4aXds 

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