(Um diálogo existencial sobre o papel da tecnologia na vida solitária do homem)
É possível que com o avanço tecnológico, o avanço da ciência e de uma sociedade pautada em computadores o futuro reserve apenas solidão?
Essa pergunta inicial é capciosa, mas é possível? Será que estamos trilhando um caminho próprio para a nossa própria infelicidade?
Não me tomarei de tamanho pessimismo, na verdade, eu sou da vertente de Victor Hugo, que diz que o homem é um individuo infeliz por sua própria natureza, mas também não podemos esquecer de uma coisa, que caminhos trilhamos?
A noção de indivíduo é um produto recente, ela só surge mesmo com o iluminismo e com a Revolução Americana, onde se define que cada pessoa é responsável por si e por seus atos, em detrimento da co-autoria coletiva, que acaba deixando de existir. Isso em certa forma foi benéfico, pois foi a aceitação que originalmente somos entidades separadas uma das outras, mas é também uma coisa perigosa, pois no fim, os delitos cometidos no coletivo, como por exemplo, a questão da aceitação do regime nacional-socialista, que após a Segunda Guerra, só alguns foram responsabilizados por isso, mas o próprio regime era amplamente popular na Alemanha, como também na Europa.
Enfim, o individualismo e a questão da individualidade é o que pauta a organização social ocidental desde o primeiro feixe desse pensamento no Iluminismo. A despeito de o individualismo ser produto de uma sociedade capitalista por excelência ele é produto também de uma sociedade onde a noção de liberdade é plenamente desenvolvida.
O socialismo soviético teve como base a supressão propriamente dita da individualidade frente ao coletivo, a mera especulação de bem pessoal era tida como contrarrevolucionária e decorrente apenas de uma sociedade burguesa onde não se havia o amor ao coletivo. O nazismo se pautou também na supressão da individualidade, acredito que seja talvez por isso que os dois sistemas acabaram se esfacelando internamente, por ignorarem a pessoa, o pensamento de um ser, frente ao pensamento coletivo, por ignorarem novas formas de pensamento, ou pensamentos contrários frente aos "interesses" da classe trabalhadora, ou no caso do nazismo da "raça superior".
O individualismo estimula a livre iniciativa, querendo ou não. Estimula reflexões independentes, diferentes das atuais, isso é mais fértil em sociedades onde há a liberdade de alguma forma concentrada. É por isso que o avanço tecnológico das sociedades capitalistas conseguiu se manter, além de outras coisas como a concorrência, etc.
Se dirá que a Alemanha Nazista deu um amparo total ao desenvolvimento científico. Realmente sim, da ciência e também da pseudociência, mas fundamentado apenas pela sua ideologia.
Em todo o caso, o desenvolvimento tecnológico alemão dessa época é bem mais associado ao desenvolvimento bélico e para reforçar a ideologia do Partido Nacional-Socialista. Salvo uma ou duas ocasiões, o regime nazista se preocupou com o desenvolvimento de tecnologias para o cidadão alemão comum e basicamente foram para os dilemas do próprio regime:
O Volkswagen é a ideia de um carro popular, retirando-se a ideia do Henry Ford do Modelo T, por quem Hitler tinha bastante admiração, para que cada trabalhador alemão com sua família pudesse ter um automóvel barato, tendo em vista que carro na Alemanha era uma coisa cara, e um dos segredos para você reinjetar a indústria, além de dar incentivos econômicos ou aquecer a indústria bélica, é estimular o mercado interno, principalmente se for na indústria automobilística, porque tem maior valor agregado. O governo brasileiro tentou fazer algo relativo a isso com a sua afamada redução do IPI para automóveis.
A Fanta, outro produto da Alemanha da época de Hitler de consumo popular, foi inventada pelo braço da Coca-Cola em resposta ao problema que a Alemanha vivenciava de abastecimento de produtos, onde teve que se optar pela substituição do ingrediente principal, a folha de coca, da produção, por ser muito caro, e substituí-lo por laranja ou uva para sair mais barato. Isso foi uma invenção basicamente por substituição.
Assim, os dois grandes avanços nazistas foram para dilemas existentes do regime, e não por uma necessidade pessoal de um individuo, de fato o indivíduo nessa ótica, deve ser esquecido para a "grandeza da Grande Alemanha" ou da "raça superior". É possível que chegaria uma época que a sociedade alemã iria se cansar dessa recusa da individualidade e a produção tecnológica alemã acabasse por se estagnando tal como na União Soviética. Mas é claro, isso é especulação.
Se falei de Alemanha, justo será falar daquilo que sou mais familiarizado, União Soviética. Esse experimento de sociedade socialista sem classes que se prolongou por todo o século XX. A União Soviética incentivava da mesma maneira o desenvolvimento tecnológico como a Alemanha hitlerista, de acordo com preceitos ideológicos e não por necessidades individuais.
Enfim, mesmo com esse investimento. Os principais estudos que viriam a se tornar uma especialidade na URSS, tiveram seus primórdios no período do Império. Os estudos de Pavlov sobre neurologia e desenvolvimento cognitivo que viriam a ser usados na medicina soviética, foram desenvolvidos em 1904. O programa espacial soviético, que por um bom tempo esteve à frente do americano, teve por base os escritos de Tsiokovsky em meados de 1895 e se prolongaram até a sua morte em 1935, sobre o cálculo de propulsão que um objeto precisaria para deixar a órbita terrestre. Não é a toa que logo na Segunda Guerra, os soviéticos usavam os seus afamados foguetes Katyusha.
O regime aceitou tais estudos e os incentivou, pois não interferiam diretamente na ideologia do Partido, mas tal como na Alemanha, o desenvolvimento de conhecimentos diferentes era restrito e até proibido. Não a toa que na biologia, a União Soviética penou na questão agrícola, justamente por não concordar com a ideia de seleção natural de Darwin, e sim com o neolamarckismo de Lysenko, que se revelou um imenso fracasso. O mesmo pode ser dito da história, da economia e da filosofia, que sofreram um processo de castração semelhante ao que aconteceu na Alemanha nazista.
Esse pequeno estudo mostrou que apesar dos regimes totalitários se vangloriem por desenvolverem a tecnologia e a ciência, isso é ilusório, pois só desenvolvem em áreas que lhe são convenientes, principalmente nas armas, e castram o desenvolvimento de ideias diferentes das suas, embora as democracias liberais não tenham propriamente um amparo à tecnologia, elas não frustam necessariamente outros pontos de vista, e não desenvolvem tecnologias alternativas.
Essa divagação apenas contornou a problemática da questão. O desenvolvimento tecnológico irá nos levar à solidão?
A questão é que eu não sei. Espero que não, o desenvolvimento tecnológico até agora nos conduziu para mais e mais individualismo. Você observa que ninguém pensa no coletivo, as pessoas pensam mais em si e vivem cada vez mais sozinhas, alguns vivem perfeitamente sem cumprimentar o seu vizinho (na verdade, eu também faço isso, mas é porque eu odeio os meus vizinhos), até para uma pergunta simples, do tipo: "Vai chover hoje? Que horas são?" As pessoas patinam na conversa, falam o mínimo possível.
Eu mesmo sou individualista, eu tenho medo da multidão, tenho medo do que ela pode fazer, do jeito como se dirige, mas sei que o individualismo não é normal, assim como não é normal deixarmos tudo para o coletivo. O ser humano se caracteriza por ser um individuo social, que se inter-relaciona entre si, mas não se esquecendo a sua unidade, então ele deve estar no misto de individualidade e coletividade. No equilíbrio.
Mas não é o equilíbrio que nos caracteriza, somos individualistas. Vivemos apenas com os nossos computadores, com a televisão, enclausurados em nossas casas e nossos trabalhos. Desejamos ter apenas o nosso carro, o nosso emprego, a nossa casa, a nossa vida. Somos sim individualista. Não pensamos no outro e quando pensamos é com muita dificuldade.
Alguns tentam transpassar a individualidade procurando alguém, muito dificilmente acha, mas quando acha, nem sempre está disposto a fazer sacrifício, nem sempre pensa na felicidade da pessoa, e se torna uma pessoa possessiva e passa a considerar a outra pessoa sua propriedade.
Não, não deve ser assim, a outra pessoa tem direitos, ela não é SUA namorada, no máximo uma companheira, alguém para dividir a sua jornada. Alguém com quem você se importe, com a sua felicidade e harmonia, e se necessário fazer sacrifícios. Essa é a lógica de tudo. Se preciso, para essa pessoa ser feliz, você precise se afastar dela. A individualidade nos impede de fazer isso, nos torna cegos e egoístas.
Procuramos a felicidade, mas não sabemos como. Não queremos nos sacrificar, mas também queremos tudo. Essa é a lógica individualista que julgo ser individualista, isso surgiu na nossa sociedade, foi construído com o passar dos anos e não conseguimos até hoje transpassar esse nível, nem com o marxismo conseguimos isso.
Não somos felizes com os computadores, não somos felizes tendo óculos Ray Ban, ou carros esportivos. Somos felizes quando nos sentimos completos, e às vezes se sentir completo não precisa disso. Para nos sentirmos completos, devemos também completar as outras pessoas, ajudá-las se preciso. Mas só as que realmente importam, as outras podem ser perfeitamente ignoradas dependendo de nossas aspirações.
A tecnologia não nos completou, nem nos completará. Completou o ciclo da demanda, a roda do consumismo, nos fez desejar outras coisas, passar a nossa necessidade patológica de sentirmo-nos só para a necessidade de comprar e assim acabar com as nossas frustrações, mas a raiz do problema continua.
Dir-se-á que a internet uniu as pessoas, integrou-as, fez com que pessoas de várias partes do mundo se unissem e conversassem entre si, estreitou pontes e etc. Isso é uma grossa mentira, a internet tem esse potencial, mas está sendo sub-aproveitado. Nós estamos cada vez mais isolados e não nos comunicamos com nada além de uma caixinha, ou com uma pessoa que está on no Facebook. Mas quantas pessoas estão Online no Facebook? Conversamos com umas duas ou três talvez. É isso então, conversar com três pessoas numa caixinha, coisa que seria melhor falando pessoalmente. Tudo é frio, tão frio quanto o Espaço.
É por isso que acredito que estamos ficando cada vez mais individualistas, o Facebook é uma rede social antissocial. Você fala com as pessoas, curte os seus comentários, mas não quer conhecer todas elas. Você quer falar de si, por si e para si e quer que os outros leiam, para se sentir especial, para inflar o seu ego e perceber que não está só, mas no fim está.
Onde está a graça de tudo isso? Não há.
Há como mudar? Eu também não sei, mas como Fernando Pessoa escreveu em seu Banqueiro Anarquista, a Revolução parte do individuo ajudando de maneira solitária e paciente para controlar o sistema e por fim vencê-lo usando as forças do sistema. Assim, um stalker é por excelência um vencido pelo sistema antissocial da tecnologia e alguém comunicativo é alguém que está conseguindo transcender a sua condição de indivíduo solitário.
A tecnologia foi feita para ligar as pessoas e vem sendo sub-aproveitada, na verdade todo o seu potencial está sendo jogado fora em prol da propaganda e da sociedade de consumo, que por excelência é individualista, e mais do que isso hedonista e narcisista. A solidão caminha para o seu ápice e o perigo disso tudo é que chegue um dia em que não poderemos transcender tal condição. Esse é o perigo de tudo.
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Muito bom obrigado
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