terça-feira, 9 de agosto de 2011

A águia das montanhas

          Às margens do vasto rio divisor de continentes, o gigante rio Volga, em uma pequena casa de campo de madeira encrostada nas colinas de uma atual cidade industrial sem grande importância do interior da Rússia, uma família lutava dia a dia pela sobrevivência.

Rio Volga!


       O pai, um homem de caráter elevado e grande capacidade, conseguira com um  enorme esforço um emprego governamental como conselheiro de Estado, valendo a si um título de nobre; esse era Ilya Nikolaievich, chefe da ascendente família que se estabelecera na cidade de Simbirsk. 

        Seu pai, morrera  prematuramente, sem deixar nada ao patriarca daquela família, fazendo com que Ilya Nikolaievich fosse obrigado a trabalhar para custear os estudos de seu irmão, até entrar na Universidade de Kazan, onde licenciou matemática e física.

         Em melhor condição financeira, Ilya Nikolaevich ascendeu e arrebatou o coração de um jovem moça alemã, Maria Aleksandrovna Blank, filha de cirurgião judeu que se converteu ao luteranismo ao comprar suas terras naquela parte do globo. Os Blank eram definitivamente mais culto que o jovem Ilya, sua  jovem namorada sabia ler alemão, cantar e tocar alemão, mas isso não impediu que os dois se casassem em 1863.

         Em 1869, Ilya Nikolaievich é nomeado inspetor de escolas primárias de Simbirsk, sendo logo promovido a diretor por seu magnífico trabalho. Em meio às medidas liberalizantes dos czares Alexandre I e II, Ilya via-se imbuído de caráter liberal em suas atitudes e apoiava o regime que a tão pouco tempo abolira a servidão, sendo conhecido por “o liberal”.
File:I N Ulyanov.jpg
O "liberal" Ilya Nikolaievich.

“A cidade, construída sobre um alto e íngreme penhasco, eleva-se diretamente da margem rio; dela se descortina uma vista magnífica do Volga, que se estende, largo, pela planície. De lá se pode ver, por uma distância enorme que nada é em comparação com a imensidão do rio, para onde ele vai e de onde ele vem, fluindo lento e plácido pelos campos da Rússia. A cidadezinha, a 900 quilômetros de Moscou e 1500 de São Petersburgo, e que hoje em dia parece um tanto decadente, com seus prédio de tijolos caiados e suas velhas casas ornadas com arabescos de madeira trabalhada[...}” 
       Foi dentre esses prédios decadentes que nasceria uma criança que mudaria o mundo sem se autoproclamar “Messias”.

File:Volga Ulyanovsk-oliv.jpg
Paisagem em Simbirsk

         Volódia nasceu em meio ao local onde “as encostas são cobertas por pomares, com macieiras que dão maçãzinhas verdes e flores que, durante semanas na primavera, tornam Simbirsk, segundo se diz, uma das mais belas cidadezinhas russas[...]”. Volódia  nasceu na primeira primavera em Simbirsk em 22 de abril de 1870 no meio de uma crescente família de três irmãos.


Parte dos fundos da casa da família
        A criança cresceu em uma casa de madeira baixa e amarelada, numa rua provinciana larga, sem meio-fio, meio orientalizada, com um interior tão limpo e tão despido de enfeites e barroquismos quanto possível. A mobília sempre em mogno, da espécie de móvel que você encontra na casa da sua avó.  Na sala, há um piano de cauda antigo, com uma partitura de I puritanni em cima do teclado. Candelabros a óleo, fogareiros russos ladrilhados, pinturas e garboriantes espelhos traziam comodidade àquele lar encrostado entre bétulas e choupos, onde podia-se facilmente desfrutar de uma leitura de Zola, Daudet, Victor Hugo, Goethe, Heine e outros e admirar-se com o tabuleiro de xadrez esplendoroso e os mapas da Rússia em dois hemisférios. No fundo, via-se uma varanda onde fica o pomar, cheio de macieiras, uma das coisas mais agradáveis daquela casa na rua Moskovskaia.


File:Lenin Age 4.jpg
Volódia quando bebê.
      Volódia cresceu, se tornou uma criança barulhenta, enérgica e por vezes violenta. Tinha cabelos ruivos, malares proeminentes  e os olhos oblíquos dos seus antepassados tártaros, era sarcástisco, por vezes, irônico, mas parecia ser um garoto adorável. Lia e relia romances como uma criança esperando por aventuras: na escola se dava bem, embora fosse travesso, gostava de história e línguas clássicas, ensinando latim  para uma de suas irmãs.




        Estava para entrar na Universidade de Direito de Kazan quando Ilya Nikolaievich subitamente morreu de derrame quando Volótia tinha dezesseis anos, vinha sendo perseguido pela censura da época e seu trabalho se tornara cada vez mais difícil; sem o pai, Volódia deixou de ser a criança alegre que sempre fora e passou a ser mais racional.


        Aleksandr Ilyich, filho de Ilya e consequentemente irmão de Volódia, ingressou para a Universidade de Moscou para ser biólogo, lá era custeado por sua mãe viúva com o dinheiro  que vinha das propriedades da família (Ainda que tenham perdido o chefe da família, eles continuavam a ser aristocratas!), e foi lá também que o garoto começou a se envolver em política.

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Aleksandr Ilych
         A Rússia efervecia em fervor revolucionário já naquela época, o czar Alexandre III era visto com péssimos olhos pelos intelectuais e pelos liberais, que o viam um tirano, e Aleksandr Ilyich acabou ingressando no grupo “A Vontade do Povo” que era totalmente contrário ao czarismo, onde teve grande participação no plano de morte do Czar.


        O plano deu errado, o czar não morreu, mas trouxe graves consequências: Volódia foi expulso da Universidade de Direito de Kazan e seu irmão foi enforcado.





          Volódia deixou de ser Volódia, desistiu de ascender como advogado naquela ordem vingente e mudou de pensamento ao começar a ler Marx e Engels; Volódia passou a ser Vladimir, Vladimir Ilyich Ulianov!

Vladimir Ulianov em foto de passaporte.


          Ulianov estava convicto de que algo precisava mudar, começou a se envolver com política, ingressou num jornal socialista, entrou para o Partido Social Democrata dos Operários Russos e ainda sim conseguia ainda ser humilde e marxista convicto.

       Que grande mudança! O filho de um aristocrata liberal tornou-se um revolucionário que passou a viver na clandestinidade, que passou a ser perseguido, a ser exilado, a ter sua voz sufocada, mas que acabaria mudando o mundo para sempre. Vladimir passou a ser Lênin, o homem que trouxe um sonho para a realidade e acreditou mesmo que poderia vencer.

3a Ленина!


         Essa é a história de Vladimir Ilyich, essa é a história de Lênin, com seus altos e baixos, essa é história que mudou o mundo liderando uma revolução com apenas um pensamento: “Igualdade!”

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