quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O Jantar Festivo — 8 de novembro de 1932


Stálin assessorado por Molotov, de 42 anos, e o responsável pela economia, Valerian Kuibichev, que parecia um poeta louco, com cabelos desgrenhados, um entusiasmo por bebida, mulheres e, apropriadamente, escrever poesia, ordenou a prisão dos que se opunham a ele. A tensão daqueles meses crescia à medida que Stálin temia perder a Ucrania, que, em certas partes, caíra numa distopia de fome e desordem. Quando Iagoda saiu,cinco minutos para as sete da noite, os outros ficaram conversando sobre a guerra para "dobrar a espinha" do campesinato, qualquer que fosse o custo para as milhões de vítimas da maior epidemia de fome da história provocada pelo homem. Eles estavam decididos a usar os grãos para financiar o gigantesco programa de industialização da Rússia. Mas, naquela noite, a tragédia ocorreria mais perto de casa: Stálin iria enfrentar a crise pessoa mais profunda e misteriosa de sua carreira. Ele a relembraria sem cessar pelo resto de seus dias.





        "Por volta das desenove horas de 8 de novembro de 1932, Nádia Alliluieva S., a esposa de 31 anos, de rosto oval e olhos castanhos, do secretário-geral do Partido, vestia-se para a ruidosa festa anual que celebraria o 15° aniversário da Revolução. Puritana, diligente mas frágil, Nádia orgulhava-se de sua "modéstia bolchevique", usando os vestidos mais sem graça e sem forma, envolvida em xales simples, com blusas de colarinhi quadrado e sem maquiagem. Mas naquela noite, fazia um esforço especial. No apartamento sombrio dos S., na construção do século XVII de dois andares do Palácio Potechny, que significa "palácio do divertimento", pois abrigara outrora os atores czaristas e um teatro, ela rodopiava diante sua irmã Ana, com um vestido preto longo e inusitadamente moderno, com rosas vermelhas bordadas, importado de Berlim. Daquela vez, ela concordara em fazer um penteado, em vez de usar seu  coque costumeiro. Descontraída, colocou uma rosa escarlate nos cabelos negros.

Prestigiada por todos os magnatas bolcheviques, tais como o premiê Molotov e su esposa, a esbelta, inteligente e sedutora Polina, que era a melhor amiga de Nádia , a festa era promovida anualmente pelo comissário da Defesa Vorochilov, que morava no longo e estreito prédio da Guarda Montada, a cinco passos do Potiechni. No mundo íntimo da elite bolchevique, aquelas noitadas simples e alegres acabavam com os potentados e suas mulheres dançando gigas cossacas e cantando lamentos georgianos. Mas, naquela noite, a festa não acabou do modo usual.
Nádia Alliluieva em foto, que pessoa mais sem graça!

Na mesma hora, apoucas centenas de metros dali, perto do mausoléu de Lênin e da Praça Vermelha, em seuescritório do segundo andar do Palácio Amarelo, uma construção triangular do século XVIII, Iossif Stálin, o secretário-geral do Partido Bolchevique e o Vojd (líder) da União Soviética, então com 53 anos, 22 a mais do que Nádia e pai de seus dois filhos, encontrava-se com seu agente com seu agente da polícia secreta favorito. Guenrikh Iagoda, vice-presidente da GPU ( sigla em russo de "Administração Política do Estado), um filho de joalheiro judeu com cara de doninha, originário de Nijny Novgorod (cidade industrial da Rússia), com um "bigode hitlerista" e um gosto por orquídeas, pornografia alemã e amizades literárias, informava Stálin de novos complôs contra ele dentro do partido e mais turbulência no campo.
Foto dos dois na época








 



{...}




Outra foto dos dois
                                                   ......                            
Os movimentos de Stálin nas duas horas seguintes são um  mistério: teria voltado para casa? A festa continou chez Vorochilov. Mas o guarda-costas (de Stálin) Vlassik disse a Khrurchiov (que não estava na festa) que Stálin saiu para um encontro em sua datcha (casa de campo) de Zubalovo com uma mulher chamada Gussieva, esposa de um oficial, descrita por Mikoian (Comissário do Comércio Exterior), que apreciava a estética feminina, como "muito linda". [...] Quando ele não apareceu em casa, consta que Nádia telefonou para a datcha.
"Stálin está aí?"
"Sim", respondeu o "idiota inexperiente" de um guarda de segurança.
"Quem está com ele?"
"A mulher de Gussiev"
(...)
Nádia olhou para um dos muitos presentes que seu irmão Pavel trouxera de Berlim, junto com o vestido preto bordado que ainda estava trajando. Era um presente que ela pedira porque, dissera ao irmão, "às vezes é tão assustador e solitário no Kremlin, com apenas um soldado de plantão...". Era uma refinada pistola feminina, em um elegante coldre de couro. Ela é sempre descrita como uma Walther, mas na verdade, era uma Mauser. É pouco divulgado que Pavel também trouxe uma pistola idêntica para Polina Molotova, mas pistolas não eram difíceis de encontrar naquele círculo.

Stálin, sempre que chegava em casa, não ia ver a mulher, mas simplesmente ia para a cama, em seu quarto, do outro lado do apartamento.

Alguns dizem que Nádia trancou a porta de seu quarto. Ela começou a escrever uma carta para Stálin, "uma carta terrível", pensou sua filha Svetlana. Algumas horas, entre duas e três da manhã, quando terminou de escrever, ela deitou na cama.

A casa despertou como sempre. Stálin costumava ficar na cama até as onze. Ninguém sabia quando ele voltara para casa e se havia encontrado Nádia. Era tarde quando Carolina Til (a governanta da casa) tentou abrir a porta de Nádia e talvez a tenha arrombado. "Tremendo de pavor", ela encontrou o corpo de sua patroa no chão, ao lado da cama, no meio de uma poça de sangue. A pistola estava a seu lado. Ela já estava fria. A governanta correu para chamar a babá. Elas voltaram e deitaram o corpo na cama antes de discutir o que fazer. Por que não acordaram Stálin? A "gente miúda" tem uma aversão muito razoável a dar más notícias a seus czares.
(...)
Ninguém sabia o que fazer. Reuniram-se na sala de jantar aos sussurros: deveriam acordar Stálin? Quem iria dar a notícia ao Vojd? Como ela morrera? De repente, Stálin entrou na sala. Alguém, muito provavelmente (Abel) Ienukidze (prefeito do Kremlin por assim dizer), o velho amigo de Stálin que, a julgar pelosa arquivos, assumira a responsabilidade, deu um passo à frente e disse: "Iossif, Nadejda (Nádia) Serguéievna não está mais entre nós. Iossif, Iossif, Nádia está morta"

Stálin ficou arrasado. Aquela criatura política ao extremo, com um desrespeito desumano pelos milhões de mulheres e crianças que morriam de fome em seu país, exibiu mais humanidade nos dias seguintes do que faria no resto de sua vida. [...]
{...}

"Ela me aleijou", disse ele. Jamais o haviam visto tão suave, tão vulnerável. Ele chorava, dizendo algo parecido com esse lamento de muito anos depois: "Oh, Nádia, Nádia [...] como precisamos de você, eu e as crianças!".[...]
{...}

Stálin pegou de repente a pistola de Nádia e a sopesou nas mãos. "Era um brinquedo", disse a Molotov, acrescentando estranhamente: "Era disparada apenas uma vez por ano!".

O homem de aço (em russo Stálin literalmente que dizer isso)"estava um trapo, derrubado", explodindo em "ataques esporádicos de raiva", culpando todo mundo, até os livros que ela lia, antes de mergulhar no desespero. Então declarou que renunciaria o poder. E que também ia se matar.

"Não posso continuar vivendo desse jeito""
Momento de descanso dos dois nas férias na Géorgia (República Soviética do Transcáucaso)

Esse é um fragmento do prólogo do livro do famoso historiador britânico Simon Sebag Montefiore que contabiliza em minúncias a vida do líder soviético desde sua ascensão até sua morte no comando da URSS, Montefiore produziu com astúcia uma narrativa gostosa de se ler em uma compilação sobre tudo que se sabe dos arquivos soviéticos, abertos com o final da Guerra Fria. O nome desse livro é Stálin: A corte do czar vermelho, e mostra através de uma análise a postura dos dirigentes soviéticos quanto à grande fome de 1932 (o Holodomor, mostrado no fragmento), a coletivização das terras, o Primeiro Plano Quinquenal, os Expurgos, a Segunda Guerra Mundial, o relacionamento com os Aliados, o início da Guerra Fria, o apoio a Mao Tse-Tung, a desavença com Tito, a formação da Cortina de Ferro, a Bomba Atômica Soviética e a morte do líder soviético.





Essa é minha recomendação de livro de mais de 750 páginas de pura leitura divertida e instrutiva que aborda temas interessantes com uma exatidão fenomenal. Montefiore também é conhecido por ter sido o primeiro a ter feito um estudo sobre a infância e a juventude de Stálin, quando esse era ainda um jovem ativista regional georgiano e sua entrada no partido bolchevique, mostrado a sua relação com Lenin, Trotsky e outros, no Jovem Stálin.


Montefiore em foto, esse camarada me mostrou como se escreve História sem ser um chato de galocha.

Outra recomendação que farei, ainda sobre o tema em torno de Stálin é o clássico filme homônimo de 1992 produzido pela  HBO que conta uma versão, um pouco deturpada, mas interessante, da saga do líder soviético desde de a Revolução Russa até a sua morte, a dramatização ficou boa e o protagonista excelente na figura de Robert Duvall.


Pôster do filme


Como fornecer link não se enquadra em pirataria, e eu sou a favor da distribuição de elementos culturais educativos a todos (desde  que eu não os tenha feito, afinal direitos autorais interessam mais ao autor), o link para o filme em avi é  http://www.fileserve.com/file/vFHYTRZ, eu odeio protetor de links, por isso não botei.

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