segunda-feira, 12 de junho de 2017

O perverso intercâmbio: Relações econômicas entre URSS e a ditadura argentina

           É um tema curioso que poucos pesquisadores se debruçam, entretanto, um olhar atento mostra o caráter amoral que as trocas comerciais e o intercâmbio financeiro entre dois países pode romper o ressentimento ideológico de frentes completamente opostas. A Argentina em 1973 encerra o seu capítulo democrático (e populista) com uma série de turbulentas tentativas de golpe contra o peronismo; Em todo o século XX, os argentinos presenciaram pelo menos quatro tentativas de golpe bem sucedidas contra governos constitucionalmente eleitos.

          Isabelita Péron, terceira mulher de Juan Manuel Péron, assumiu o poder na Argentina após a morte de seu marido. A Argentina vivia uma situação econômica delicada, com a alta taxa de inflação sobrecarregando os salários das classes trabalhadoras, instabilidade financeira com a queda de rendimentos de sua economia agro-exportadora (a Argentina sobreviveu e teve seu período de ouro a partir da exportação de insumos como carne bovina, couros e trigo), além de seu principal mercado consumidor, Reino Unido vivenciar uma situação financeira complicada desde o termino da Segunda Guerra Mundial, a economia argentina não se encaixava no Big Deal Norte-Americano, de fato, concorria em desigualdade com a superpotência americana.

         Com a consolidação de um parque industrial nacional, com a chegada de plantas industriais da Renault, Citroen e outras montadoras de automóveis, a Argentina iniciou um rápido surto industrial, produzindo aviões, máquinas agrícolas e itens de consumo. Siderurgias e hidrelétricas passaram a  ser construídas em paisagens dominadas pelo gado e por arrobas de trigo. A Argentina Peronista conseguiu usar desses artifícios econômicos para promover um sistema de reformas sociais de redistribuição parcial das riquezas.

         Os sindicatos argentinos e mesmo o grupo dos montoneros eram um dos focos de resistência da esquerda argentina ao grande capital das elites locais, cada vez mais reacionárias, voltadas para a manutenção da economia agroexportadora, solidificados numa fé e moral católica e tendo as Forças Armadas como defensoras de seus ideiais. O liberalismo argentino observou na União Cívica Radical, entidade que defendia os interesses da classe média, um espaço cada vez mais reduzido diante do acirramento das tensões entre a extrema-direita e extrema-esquerda argentina.

       O golpe de 1976 encerrou de forma dramática o capítulo de incertezas do mandato de Isabelita Peron, á exemplo do Chile, Uruguai e do Brasil. A Argentina se tornou uma das ditaduras mais sanguinárias do Cone Sul, com um saldo de mortos e de brutalidade que superou as expectativas. A execução sumária de opositores em centros de tortura, bem como inclusive a utilização de aeroplanos no descarte dos corpos na Bacia do Rio da Prata é bastante documentada inclusive. Mas o que não é documentado é que o governo argentino negociou diretamente com os soviéticos uma série de acordos econômicos durante o período mais violento de perseguição aos comunistas argentinos.


        Aparentemente um paradoxo, na verdade consolida mais uma vez o caráter amoral das relações comerciais soviéticas. A União Soviética de Brejnev consolidaria uma diplomacia neoestalinista de ignorar as arbitrariedades sobre os militantes comunistas na América Latina diante da necessidade imediata de manutenção de sua estrutura econômica e seu status de superpotência geopolítica.

         A despeito das tensões da Guerra Fria, a União Soviética e a Ditadura Militar argentina realizaram importantes negociações comerciais em meados de 1976 a 1983, sobretudo no mandato de Jorge Videla; Um dos períodos mais devassos da história argentina também foi um dos momentos em que os dois países estreitaram cada vez mais suas relações.

1.      Situações soviética e argentina
Após a Segunda Guerra Mundial (Grande Guerra Patriótica[1]), a União Soviética apresentou um grande fluxo de crescimento, tendo em vista usa sua economia centralizada e planejada para favorecer o seu próprio surto de crescimento industrial — desenvolvimento industrial não dissociado ao período de grande terror na URSS[2].
A agricultura apresentou períodos de pouca expressão no crescimento soviético, os soviéticos não apresentavam grande controle no campo desde o período da Guerra Civil, mas no processo de coletivização forçada nos anos 30, o campesinato soviético passou a ser obrigado a integrar os kolkhoz. A resistência “quase passiva, assumindo formas como o abate dos animais domésticos”[3], bem como a própria eliminação da colheita trouxeram problemas graves à agricultura soviética que teve um processo de recuperação particularmente difícil.[4]
O controle estatal da terra, apesar das discordâncias a isso efetuadas por Bukharin e Chainov, se traduziu por políticas agrícolas equivocadas, como o incentivo dado às ideias de Trofim Lysenko na produção agrícola no final do período stalinista:
As teorias de Lysenko se traduziam pela negação da existência de genes e considerava que as características adquiridas numa vida poderiam ser herdadas a partir do arcabouço teórico do “neolamarckismo”.[5] Embora os adversários de Lysenko acreditassem que suas ideias “não só tinham fundamento teórico como careciam de utilidade prática e constituíam uma ameaça ao progresso da biologia”,  Stálin pessoalmente vinha incentivando o papel de Lysenko na Academia de Ciências da União Soviética.[6].
O historiador russo Zhores Medvedev pontua que embora tenha havido progressos em algumas variedades agrícolas, a política do governo não foi feliz ao empregar o trigo ramificado, na Geórgia. Apesar de gerar espigas grandes e um número maior de sementes, essa variedade só poderia ser cultivada em um solo muito rico numa densidade mais baixa e tinha o problema de produzir menos grãos, ter menor valor proteico e baixa defensa pragas, além de pouco glúten em sua farinha.[7]
A produção de trigo foi praticamente arrasada pela geada em Omsk, e na a produção experimental tinha rendimento duas vezes a menor da produção de trigo tradicional.[8] A pseudociência de Lysenko, continuou a ter efeitos a longo prazo na agricultura, até meados de 1965-1966, quando se acreditou poder plantar milho uma gélida região entre Archangelsk e Leningrado para depois levá-lo aos Urais e à Sibéria[9].
A fragilidade do milho à baixas temperaturas resultou num dos maiores desastres da agricultura soviética, apesar disso, Krushiov continuou a gastar dispendiosos recursos com a pseudociência de Lysenko[10]. O resultado levou a União Soviética a um quadro de surto industrial considerável embora a agricultura se mostrasse vagarosa.

Gráfico do crescimento soviético através dos anos[11]
A Argentina apresentou um grande surto econômico na virada do século XIX para o XX resultante da sua economia agroexportadora ser favorecida pela a alta dos preços de produtos primários. Contudo, com o arrastar dos anos, com o fim do surto econômico, a economia argentina foi cada vez mais sendo deixada para trás e após a Segunda Guerra Mundial teve que enfrentar uma crescente hostilidade dos Estados Unidos, por sua política externa “neutra” frente aos interesses do Eixo.
A guerra afetou seriamente a economia argentina[12], de modo que sua dependência às importações revelou uma fragilidade inexorável que passou a ser estigmatizada pelos governos subsequentes ao criarem propostas industrializantes para a economia argentina, como Arturo Frondizi. Entretanto, a Argentina não conseguiu se dissociar de seu passado agroexportador e vendo cada vez mais suas relações econômicas ficarem deficitárias com o comércio com os norte-americanos, passou a procurar novos parceiros comerciais.
“A Argentina provou com o retorno de Perón a possibilidade de inserir-se de maneira diferente do passado, no mundo bipolar afirmado nos anos 1970”[13], de maneira que Perón tentou levar a cabo uma proposta de “capitalismo independente”, buscando apoio da URSS para o desenvolvimento argentino, embora flertasse com a ideia do Movimento Não-Alinhado.[14]
Incentivou-se a ideia de que o estado soviético participasse ativamente do desenvolvimento da infraestrutura e da indústria nacional argentinas, embora é questionável dizer que a burguesia argentina tinha simpatias pelo socialismo soviético. De fato, trabalhou-se para introduzir uma despolitização no intercâmbio com o socialismo[15].
Acredita-se que  José Ber Gellard, líder da Confederação Geral Econômica, tenha incentivado o maior intercâmbio do governo argentino com o bloco soviético, mas a despeito do papel político que esse personagem possa ter representado junto ao governo de Perón é de se salientar que havia uma complementaridade da economia argentina com a soviética. De modo que o aspecto agroexportador argentino servia para o “mercado consumidor” soviético e em contrapartida a União Soviética forneceria apoio técnico e maquinário para a indústria argentina.
A aproximação de governos latino-americanos à União Soviética também respondia a dilemas como a crise do dólar e as duas crises do petróleo que agitaram a economia mundial. A política de Brejnev para a América Latina traduzia-se pelo reconhecimento diplomático e político dos países da região, o início de uma cooperação econômico-científica com eles, a promoção pacífica de valores socialistas, o fortalecimento das empresas estatais ( o que também conjugava com a linha da CEPAL) e exportações em massa de produtos industriais soviéticos, bem como armamentos e assistência militar como meio de manter uma presença na região.[16] A União Soviética tinha assumido um status de superpotência que nunca antes tinha atingindo.
Contudo a União Soviética apresentava graves problemas na sua produção agrícola de modo que a administração das fazendas coletivas, e a dinâmica complicada do sistema organizacional traziam uma baixa eficiência operacional, e as condições bastante atrasadas de vida se transpunham à baixa produtividade do trabalho e da terra. De modo que “os campos das fazendas coletivas têm muitas ervas daninha e a colheita da produção das fazendas estatais e coletivas pode ser considerada muito pobre na Tchecoslováquia e Polônia, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos”[17].
A instabilidade dos planos quinquenais, a excessiva burocratização da cadeia produtiva da Gosplan, o crescimento do consumo individual (que era desconsiderado pelo regime) e o racionamento dos bens de produção eram fatores que traziam dilemas à sociedade soviética para o economista Michael Ellman[18].
 O preço do sistema soviético, o sistema de distribuição, de iniciativa e os critérios utilizados na política centralizada de economia eram fatores conectados que traziam dilemas ao regime soviético[19].
Embora a produção global aumentasse, a agricultura continuava a ser um problema para os soviéticos, reféns de um modelo agrícola anterior à Revolução agrícola dos anos 50, desenvolvida pelos agrônomos norte-americanos, de modo que os planejadores da economia ao perceberem que o consumo aumentava, mas a produção não acompanhava o seu crescimento,  optaram pela opção de importar regularmente cereais do exterior, de modo que auxiliavam o crescimento da indústria agropecuária soviética destruída com a Segunda Guerra Mundial. A escassez não acabou, mas o excedente gerado pela crise do petróleo em 1973 favoreceu a economia soviética, visto ser esse país o maior produtor de petróleo do mundo, fazendo com que a balança comercial soviética fosse ainda positiva para importação de insumos agrícolas.[20]

Como o gráfico[21] acima demonstra o consumo a partir de 1950 apresentou um constante crescimento no consumo de gêneros alimentícios como carne, leite e seus derivados, ovos e peixes, mas houve um decréscimo do consumo de batatas e derivados do trigo. Para o economista soviético Nikolai Tikhonov, esses dois subitens representariam bens normais que com o aumento da renda do cidadão soviético comum passaram a ser substituídos por itens mais diversificados como a carne e os derivados do leite[22].
Também se observa que o consumo de frutas e bagas praticamente se manteve, embora tenha tido leve crescimento e o ritmo do crescimento do consumo por legumes e cucurbitáceas (como abobora e pepino) representou um discreto crescimento; O vertiginoso crescimento no consumo de carne e outros itens é produto do aumento do padrão de vida soviético, mas como a produção agrícola soviética não acompanhava o crescimento do consumo, as importações aumentaram cada vez mais.
“A principal fonte de rendimentos da população é o salário. Cabe-lhe presentemente ¾ do aumento dos rendimentos da população.”[23], de modo que  “na URSS, está garantido o crescimento invariável do bem-estar do povo. Os rendimentos reais da população duplicam de quinze em quinze anos. Em 1980, por exemplo, o rendimento per capita era superior a 1965 em 95%”[24].
2.      Relações entre os soviéticos e argentinos
A necessidade da economia soviética pelos insumos agrícolas argentinos pode ter fundamentado sua posição bastante excêntrica com relação ao golpe que os militares impuseram ao governo de Isabelita Perón, o Partido Comunista Argentino que sempre se manifestou contrariamente a qualquer golpe dado desde 1930 se calou, mesmo sendo na maior parte das vezes vítima de graves perseguições[25]. É possível que o cenário político argentino pós-morte de Perón tenha se tornado tão confuso que os comunistas se sentiram aliviados com o fim do domínio peronista no governo, que com seu populismo tinha esvaziado as linhas do Partido, entretanto é estranho que a diplomacia soviética também tenha se calado com o Golpe.
O interesse soviético de manter o fluxo comercial com a Argentina pode ter levado à tal postura ambivalente da diplomacia soviética, de modo que como afirma Aldo César  Vacs, “As hipóteses mais plausíveis sobre as razões dessa atitude da URSS (de não atacar a Junta Militar) devem focar-se não tanto em explicações de ordem geral, mas na análise dos traços distintivos das relações bilaterais, tanto no aspecto econômico como no político”.[26]
Pode também havido por parte da diplomacia soviética o desejo de manter o silêncio quanto à questão dos direitos humanos na Argentina como meio de manter a legalidade do PCA[27], mas isso é uma explicação fraca demais para responder esse silêncio omisso dos soviéticos às perseguições, torturas e mortes impostas aos opositores de esquerda durante toda a Ditadura Militar Argentina.
O relatório soviético traduz bem o que foi o golpe:
O golpe de Estado que ocorreu na Argentina, em 1976, como resultado da queda do governo nacionalista-burguês, diferenciava-se muitos anteriores. Esse acontecimento foi provocado por muitas circunstâncias, em especial a crise a que levou o país o governo peronista chefiado por Isabel Martínez de Perón. O golpe foi possível, além disso, em virtude dos processos internos nas forças armadas, que as dividiam em diferentes agremiações, desde patrióticas nacionalistas até de extrema direita, de caráter “pinochetista”.[28]
A despeito de seu profundo caráter de eliminação física de toda a oposição política que permeou todo um setor ultraconservador (quase reacionário) da direita argentina desde a década de 1930, a ditadura de Videla manteve os acordos estabelecidos com a URSS, e em agosto de 1977 Videla ratificou os acordos assinados anteriormente.[29] Em 12 de outubro de 1979 o governo soviético e argentino assinaram um acordo ratificando os termos dos acordos firmados 13 de fevereiro de 1974[30] que estabeleciam a cooperação comercial e técnico-científica soviética na “elaboração de projetos, estudos e trabalhos de montagem”, bem como a compra de maquinários e equipamentos, que iriam expirar em 1979.[31]
A sinalização de que o governo argentino manteria os acordos firmados anteriormente demonstra que a Ditadura Argentina desejava manter os laços comerciais estreitos com a União Soviética, e a despeito dos esforços norte-americanos para que o governo argentino sustasse os acordos assinados com o governo soviético devido a intervenção soviética ao Afeganistão.[32]
O acordo firmado em 10 de julho de 1980 entre os dois países leva à ideia de que o governo argentino ignorou os apelos do governo Carter para cessar o comércio com a União Soviética, de modo que por esse acordo “no transcurso dos anos de 1980-85 a República Argentina fornecerá anualmente à URSS cereais forrageiros (milho e sorgo) por um volume mínimo de quatro milhões de toneladas [...] Assim mesmo a República Argentina fornecerá anualmente quinhentas mil toneladas de soja à URSS”[33]
É plausível acreditar que das  quinhentas mil toneladas de soja vendidas à União Soviética, boa parte servisse para alimentar o gado soviético enquanto o milho e o sorgo serviriam para alimentar a população. Mas é de se salientar que as relações seriam feitas da seguinte forma, o governo soviético realizaria a compra a partir de pessoas físicas e jurídicas recebendo as entregas uma vez ao ano, no dia 1° de janeiro de cada ano. Em contrapartida, os governos se compromissavam em agir da melhor forma possível para a “conclusão de tais transações; particularmente, eles expedirão sem taxas autorizações pertinentes de importação e exportação” [34].
Em 22 de abril de 1981, os dois governos “com o objetivo de estender e aprofundar mais as relações econômicas e comerciais entre ambos os países, animados pelo desejo de fortalecer a cooperação de longo prazo  mutuamente vantajosa sobre uma base estável”[35] decidiram que a Argentina ficava responsável pelo fornecimento anual de sessenta mil a cem mil toneladas de carne bovina à União Soviética que deveria ser comprada junto à pessoas físicas e jurídicas argentinas, que deveriam vender dentro das cotas vigentes a sua produção e caso “ambas partes estejam interessadas no fornecimento de carne acima das 10 000 toneladas anuais, se realizarão consultas para concordar entre as mesmas” e os preços seriam tabelados conforme os preços correntes no mercado internacional.[36]
Os motivos para o crescimento das relações entre ambos os países são variados. A Argentina desde a Segunda Guerra tomou um aspecto de filha desgarrada do capitalismo norte-americano, na medida que os americanos elegeram os argentinos como colaboradores não declarados do Eixo. A não complementaridade de suas economias trouxe à Argentina o infeliz papel de concorrente direto dos norte-americanos, desse modo, as tentativas de industrialização se tornaram infrutíferas sem a acumulação de capitais forte para fazer frente ao capitalismo norte-americano.
Aspectos políticos podem ter influenciado o estreitamento das relações com a União Soviética no início, mas a complementaridade de ambas as economias e o desejo do governo soviético em manter alguma presença na América do Sul fortaleceram os laços entre os dois governos a despeito do aspecto ideológico do regime argentino em eliminar qualquer traço de socialismo em seu país. O que demonstra a total aplicação do velho ditado marxista: “O capital é amoral”.
A ideia apresentada por Mario Rapoport em seu trabalho, História econômica, política y social de la Argentina, é bem perspicaz ao mostrar que desenvolveu-se na Argentina, bem como em outras épocas, como na década de 1920-30 e na década de 1950, um comércio triangular com os Estados Unidos, de modo que a Argentina continuava a ter uma interação deficitária com os norte-americanos, mas com os lucros obtidos com o comércio com a União Soviética, sobretudo com a venda de carne e grãos, o regime argentino conseguiu manter sua balança comercial.[37]
A tabela logo abaixo  mostra bem o modo como esse intercâmbio se desenrolou. Como se evidencia pelos termos do gráfico as importações argentinas de produtos norte-americanos (de maior valor agregado por serem produtos muitas vezes industriais) eram bem superiores às exportações argentinas feitas àquele país, entretanto quanto à União Soviética, as exportações tiveram um volume muito mais superior que as importações, mesmo tendo havido o auxílio técnico soviético à indústria argentina, isso demonstra que a medida do governo argentino resultava numa tentativa de conter o déficit da balança comercial.

Estados Unidos
                     União Soviética
Expo.
%
Impo
%
Total
Expo.
%
Impo
%
Total
1979
1980
1981
1982
1983
’79 ‘83

 569
 696
 843
1008
755
3871
7,3
8,7
9,2
13,2
10,0
9,6
1049
2362
2072
1160
  973
7975
21,0
22,4
22,0
21,7
22,0
21,8
- 840
-1666
-1229
-  152
-  218
-4105
 415
1614
2963
1586
1636
8214
 5,3
20,1
30,8
20,8
21,0
20,3
 30
 14
  32
  28
  31
135
0,5
0,1
0,3
0,5
1,0
0,4
+  385
+1600
+2931
+1558
+1605
+8079
Elaboração sobre as negociações argentinas feita através dos anos, a partir dos dados apresentados (em milhões de dólares) por RAPOPORT, Mario. História económica, política y social de la Argentina (1880-2000). Buenos Aires: Ediciones Macchi, 2000. pág. 809
Mas os números também demonstram a fragilidade da agricultura soviética que se viu dependente de um número crescente de importações agrícolas com o passar dos anos, que teve o seu ápice em 1981, mas a partir desse ano as contas públicas se mostraram tão exauridas que o regime acabou tendo que limitar suas compras.
3.      Conclusão
Embora a União Soviética tenha fechado os olhos para as perseguições e ao assassinato sistemático de militantes de esquerda na Argentina, ela foi uma das responsáveis à manutenção do regime ditatorial argentino, da mesma forma que a produção agrícola argentina deu uma sobrevida ao regime soviético ao manter o seu dilema agrícola controlado com as suas exportações cada vez maiores de grãos e carne.
Interessante colocar que mesmo os acordos entre os dois países terem expirado em 1985, quando há a mudança do cenário político de ambos os países, na URSS, Gorbachiov assume e na Argentina, o governo de Alfosín tenta trazer uma normalidade à Argentina, os dois países mantém um intercâmbio, embora menor que anteriormente. Os acordos de maquinário e de produtos agrícolas solidificaram uma complementariedade entre os dois regimes econômicos, os argentinos puderam dispor de hidrelétricas, indústrias pesadas para fins estratégicos e contaram inclusive com a ajuda de técnicos soviéticos em pontos -chave de sua economia nacional.
Enquanto a União Soviética, refém da importação de alimentos para manter um padrão de vida alheio ao seu sistema produtivo, totalmente deficitário no campo agrícola, passou a usar o capital excedente da Crise do Petróleo para manter o padrão de vida do cidadão soviético médio durante as sucessivas secas que acometeram o interior russo, conciliadas com  rigoroso inverno. Quando esse excedente se encerra em meados de 1985 o resultado é o desabastecimento da economia soviética associada à ineficaz gestão dos planejadores soviéticos e a corrupção generalizada do regime, denunciada pela glasnost.
            A falência do regime soviético ao não conseguir responder aos crescentes problemas da agricultura, bem como na distribuição, e oneração do produto interno bruto com a militarização da sociedade, a Guerra do Afeganistão e o cataclismo de Chernobyl trouxeram o fim da URSS; Em contrapartida, com a perda de um parceiro comercial importante, a Argentina afundou-se numa crise que até hoje não conseguiu sair.


[1] Terminologia usada pela historiografia soviética para descrever a parcela do conflito compreendida de 22 de julho de 1941 a 9 de maio de 1945, correspondendo ao atrito cabal entre os soviéticos e nazistas no Front Oriental.
[2] KENEZ, Peter. História da União Soviética. Lisboa: Edições 70, 2008. p. 153.
[3] Idem, pág. 122.
[4] Ibidem, pág. 123.
[5] MEDVEDEV, Zhores et Roy. Um Stálin Desconhecido. Rio  de Janeiro: Editora Record, 2006, pág. 254.
[6] Idem.
[7] Ibidem, pág. 266.
[8] Ibidem, pág. 267.
[9] Ibidem, pág. 265.
[10] Medvedev, Roy; Medvedev, Zhores (1978), Khrushchev: The Years in Power, W.W. Norton & Co. p. 160-161.
[11] Tabela apresentada em COHN, Stanley H. Economic Development in the Soviet Union. Lexington: D.C. Heath and Company, 1970.pág. 28.
[12] DI TELLA, Torquato. História Social da Argentina Contemporânea. Brasília: FUNAG, 2011, pág 203.
[13] GILBERT, Isidoro. O ouro de Moscou. Rio de Janeiro:  Editora Record, 2010, pág. 385
[14] Idem, pág. 386.
[15] Ibidem, pág. 388.
[16] Ibidem, pág. 391.
[17] ADAMS, Arthur E.; ADAMS, Jan S. Men versus systems: Agriculture in the USSR, Poland and Czechoslovakia. New York: The Free Press, 1971, pág. 89.
[18] ELLMAN, Michael. Planning problems in the USSR: The contribution of Mathematical Economics to their solution 1960-1971, págs. 46-54.
[19] Idem, pág. 55.
[20] KENEZ, Peter, pág. 290.
[21] Em TIKHONOV, Nikolai A. Economia Soviética: Êxitos, problemas, perspectivas. Moscou: Edições da Agência de Imprensa Nóvosti, 1983. Pág. 192-193
[22] TIKHONOV, Nikolai A. Economia Soviética: Êxitos, problemas, perspectivas. Moscou: Edições da Agência de Imprensa Nóvosti, 1983. Pág. 193
[23] Idem, pág. 191.
[24] Ibidem, pág. 190-191.
[25] GILBERT, Isidoro. Pág. 427.
[26] Idem, pág. 428.
[27] Tese apresentada pelo mesmo autor.
[28] Ibidem, pág. 429.
[29] RAPOPORT, Mário. História econômica, política y social de la Argentina (1880-2000). Buenos Aires; Ediciones Macchi, 2000. Pág. 781.
[30] Acordo firmado em  12 de outubro de 1979. Disponível em: http://tratados.mrecic.gov.ar/tratado_archivo.php?id=8261&tipo=1. Acesso 21/11/2013
[31] Contrato de fornecimento de máquinas e equipamentos da União Soviética à República Argentina de 13/02/1974. Disponível em: http://tratados.mrecic.gov.ar/tratado_archivo.php?id=8298&tipo=1
[32] GILBERT, Isidoro. Pág.490-1.
[33] Acordo firmado entre o governo soviético e argentino sobre cereais de 10/07/1980. Em: http://tratados.mrecic.gov.ar/tratado_archivo.php?id=8258&tipo=1. Acesso em 21/11/2013.
[34] Artigo 1° do mesmo tratado.
[35] Acordo sobre o fornecimento de carne argentina à URSS de 22 de abril de 1981. Disponível em: http://tratados.mrecic.gov.ar/tratado_archivo.php?id=8257&tipo=1. Acesso: 21/09/2013.
[36] Mesmo acordo.
[37] RAPOPORT, Mário. Op. cit. pág. 808. 

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