Jogar é uma das atividades humanas mais antigas que se tem notícia, desde a consolidação da espécie humana como ser racional, bípede e caçador, a atividade do jogo fazia parte de suas interações sociais como meio de distração. Nossos parentes primatas, estabelecem até hoje jogos e brincadeiras com pedaços de madeira e objetos, mas apenas o ser humano consegue dar um valor virtual e esboçar histórias e realidades a partir de histórias.
Antes de mais nada, um jogo normalmente é uma convenção social em que todos os jogadores aceitam as regras conforme foram definidas anteriormente, e se policiam muitas vezes para que aja um cumprimento igualitário por todos os jogadores, mesmo nos jogos onde existe o elemento da trapaça. O fato é que o jogo deve ser plausível, sustentável, e muitas vezes realista. São microrealidades e narrativas que criamos para serem o mais fiéis possíveis, não é a toa que o teatro também pode ser interpretado como uma modalidade de RPG e vice-versa;
O jogo na História possui diferentes composições, primeiramente era utilizado como mecanismo de treinamento e ensino entre os mais jovens, e na sociedade espartana os jogos passavam a ter um cunho bélico, em que cada criança era obrigada a lutar contra outra criança para se destacar como guerreira (mas nesse caso, ainda não havia o distanciamento entre o que era esporte e o que era jogo).
Os romanos foram os primeiros a levar a sério o caráter funcional dos jogos, no período republicano os jogos de tabuleiro tinham um certo destaque na formação de generais e de estratégias contra os opositores, sobretudo nas Guerras Púnicas. Mas os romanos iriam se aperfeiçoar em outros jogos (novamente a fronteira com o esporte não havia sido delimitada), a política do pão e do circo. Os jogos como elementos de entretenimento são tão antigos quanto a roda, e os romanos obteram a coesão social e manter uma estrutura imperial com a presença de esportes, no caso lutas de gladiares até a morte.
De toda forma, os jogos de tabuleiro surgiram provavelmente no Médio Oriental, há quem diga que na Babilônia, outros dizem que sua origem remonta à China. De todas as formas, os jogos mais importantes de tabuleiro eram de certa forma associados a táticas de guerra e a conjuntos filosóficos bastante, antigos. Nesse caso falarei a respeito do Goo:
Contam os mais diferentes relatos que o Goo
era ministrado pelo próprio Mao Tsé-Tung, a fim de que seus generais
apreendessem táticas de guerra a partir desse jogo... Na verdade, até me lembro
que os fins do Goo são perfeitamente aplicados nos paradigmas de Sun-Tzu.
O objetivo do Goo é isolar os seu
oponente com o menor número de peças e impedir o seu avanço, a partir de seu
próprio avanço... É um objetivo simples, mas se considerarmos que o Goo é um
dos mais antigos jogos da Humanidade, isso parece ser bastante perspicaz.
Outro jogo de igual importância e de
idade extremamente avançada é o gamão, muito embora, no gamão mais se baseie a
sorte do que um estratégia propriamente dita.. E por falar em estratégia, por que
não falar também no xadrez? Esse jogo em que brilhantes mentes se dedicam em
desarmar o seu oponente a fim de que ele acabe sem peças, encurralado... Sim, o
xadrez.
Conta a lenda que bons generais
jogam xadrez, e um desses exemplos foi o próprio Napoleão Bonaparte, por meio
de relatos de seus oficiais, jogava esse jogo de maneira tristonha e muitas vezes trapaceava. O caso que o xadrez era uma febre que contaminou a Europa bem antes dos jogos multiplayer, era um meio inclusive de estabelecer relações diplomáticas entre países distantes.
O caso mais notável era das partidas de xadrez por correspondência entre Ivan, o Terrível e Elisabeth I da Inglaterra, o que querendo ou não iniciou a abertura dos dois países diplomaticamente, sendo construída primeira embaixada estrangeira em Moscou justamente a embaixada da Inglaterra. Pelas cartas, os dois soberanos davam detalhes de seus movimentos e falavam de temas políticos, econômicos e filosóficos. Ivan o Terrível numa dessas epístolas supostamente teria pedido a rainha Elisabeth em casamento.
O fato é que os russos desde essa época era apaixonados por xadrez, tão apaixonados que o próprio Ivan, o Terrível morreu no meio de uma partida de xadrez de um ataque cardíaco. O fato do xadrez ter se tornado uma febre é algo bastante curioso, porque muitas das redes de interação se davam através dos correios, com cientistas e filósofos se correspondendo por cartas e muitas vezes dando movimentos do jogo através de correspondência. É a primeira vez que temos os registro de um jogo entre dois jogadores a distância (muito antes da internet). Conta-se que inclusive a rainha da Suécia, Cristina, por muito tempo jogou xadrez à distância com René Descartes através de cartas.
Enfim, em todo caso, não será
enfoque desta discussão o papel dos jogos de tabuleiro no ensino de inúmeras atividades
do saber humano, mas sim o grande desafio do século XXI, os jogos de computador e como eles podem ser utilizados como meio de redes sociais e de desenvolvimento dos jovens em períodos-chave de aprendizado.
Para
isso devemos observar que jogos de certa popularidade normalmente narram sucessões de eventos e narrativas históricas, como Call of Duty, Red Dead Redemption ou mesmo o próprio Far Cry. São jogos que no final de contas têm histórias verossímeis, têm uma ideologia manifesta e embora não tenham compromisso com a realidade, tentam ser o mais verossímeis possíveis. Isso é mais comum em videogames do tipo shooter, mas também ocorre com jogos de estratégia, ou mesmo com jogos de esportes. Inclusive os jogos de RPG, que tentam tomar
uma ambientação em universos fantásticos, mas muitas vezes se ambientam no período medieval, e reproduzem visões do que seria a sociedade (inglesa muitas vezes) nas Dark Ages, utilizam-se de lendas e de fábulas para criar alegorias que seduzam o jogador ao entretenimento.
Dentre os jogos de RPG que acredito que sejam manifestamente populares está The Witcher, baseado nos populares livros de Andrzej Sapkowski, sobre o bruxo Geralt de Rívia que na verdade vivencia um mundo obscuro cheio de criaturas mágicas e cruéis na Europa Oriental durante a Baixa Idade Média. Os gráficos e a plataforma de mundo aberto tornaram o jogo extremamente popular, chegando ao mesmo nível de popularidade de outro jogo consolidado, Skyrim.
The Witcher |
Mas a verdade que The Witcher é uma história da Polônia, com suas guerras, invasões, é a parte bárbara de um país que um dia foi dividido em vários reinos e principados, vilarejos e que se tornou unificada e uma potência no século XV com a República das Duas Nações.
Red Dead Redemption já é outra categoria, sendo um jogo de plataforma aberta, notabilizou-se por mostrar um lado mais perverso do Velho Oeste que os filmes do Clint Eastwood. A história desenvolvida pela Rockstar mostra a vida de John Marston e sua caçada pelo Mid-West do bando do Dutch (Holandês). A recriação do deserto e da vida de cowboy é minunciosa e John Marston é um personagem que acaba invariavelmente te conquistando, seja na sua campanha contra o Fort Mercer, ou o período em que se envolveu na Revolução Mexicana.
Red Dead Redemption, by Rockstar Games |
O período temporal de Red Dead Redemption é uma das coisas mais sedutoras, a primeira década do século XX, onde introduzem-se tecnologias no faroeste, como o automóvel, a energia elétrica e o cinema, os últimos bandos armados estão desaparecendo e o Exército norte-americano se prepara para invadir o México e caçar Pancho Villa sob o comando do general Pershing. É possível inclusive ler jornais dentro do próprio jogo sobre a situação da Europa antes da Primeira Guerra Mundial, assistir filmes sobre debates da época (como o uso indiscriminado da indústria farmacêutica de cocaína e o movimento sulfragette). Mas o mais curioso é a presença de indígenas, bandos armados e mexicanos em toda uma tensa fronteira dos estados do Sul dos Estados Unidos.
A Rockstar obviamente tinha um histórico de sucessos com GTA e LA Noire, o primeiro jogo de detetives a ter reconhecimento facial de ponta. Sobretudo La Noire mostrou um lado da sociedade norte-americana nos anos 40 que foi pouco divulgado, o boom econômico com a criação de largas avenidas e espaços residenciais em Los Angeles, a cultura do jazz e o consumo indiscriminado de drogas como a morfina por soldados traumatizados com a Segunda Guerra Mundial, isso num mundo em que ainda operava a Máfia e existia uma Guerra Fria em nascimento. La Noire é interessante porque mostra um passado de Los Angeles em toda a sua constituição impecável da cidade, dos automóveis e dos pontos turísticos, até mesmo a rádio dos automóveis possuem transmissões da época sobre conflitos contemporâneos como a Revolução Chinesa e a Guerra da Coreia e as músicas são de sucessos da época.
Isso e o sucesso Call of Duty e Medal of Honor. Medal of Honor ainda foi mais revolucionário em mostrar a crueza que foi a Primeira Guerra Mundial (normalmente havia apenas jogos da Segunda), mostrar uma guerra feita ainda a cavalo, dentro de trincheiras, com dirigíveis e aviões. Com tanques pesados e incrivelmente lentos, a campanha de Medal of Honor é uma das melhores reproduções fieis que possuímos de uma guerra de cem anos atrás.
Todo jogo, inevitavelmente, terá
falhas, seja de tabuleiro ou eletrônico, mas em tudo isso devemos frisar que o
jogo em si apresenta parcialidades... Que diriam os antropólogos, se por
ventura disséssemos que os “bárbaros são
naturalmente inimigos de sua civilização e se dedicam apenas a acabar com o seu
jogo”? eles ficariam certamente
horrorizados, e os historiadores também,
mas em certos jogos encontramos isso. Existem valores morais que às vezes extrapolam o conteúdo dos jogos, seja Red Dead Redemption, você fazendo ´parte do massacre contra populações indígenas, seja a tortura que é praticada em GTA V. Na verdade, o jogador não costuma se preocupar com o aspecto moral do jogo, ele se preocupa em jogar.
Nos jogos de RPG, qual é o papel da servidão e da vassalagem? “Será que
os camponeses lutavam ou não por seus
senhores?”, “Qual o papel dos ‘feiticeiros’ nessa sociedade onde a cristandade
se misturava com elementos ‘pagãos’?”.
Os jogos não devem ser interpretados
como um documento histórico, tal como os romances, mas ambos produzem
historicidades e abrem um canal para discussões bastante construtivas, os jogos
em si podem ser usados como elementos para explicação, mas o seu próprio
emprego deve ser feito de maneira responsável
e consciente, tal como observaremos a seguir inúmeros casos onde foram
empregados testes do uso em sala de aula.
São poucas palavras introdutórias
quanto a esse tema, mas uma questão importante deve ser frisada... O que é
jogo?
Jogar
é uma das mais antigas atividades do homem, não é uma atividade totalmente
apolítica, ou mesmo neutra, pois ela acarreta também significados políticos e
educativos que extrapolam com toda a certeza o simples de “diversão” (basta
citar os jogos produzidos com fins propagandísticos pelo Partido Nazista na
Alemanha na década de 30 e 40).
“A
palavra ‘jogo’ evoca por igual às ideias de facilidade, risco ou habilidade.
Acima de tudo, contribui infalivelmente
para uma atmosfera de descontração ou de diversão. Acalma e diverte.
Evoca uma atividade sem escolhos mas também sem consequências na vida real.
Opõe-se ao caráter sério desta última e, por isso, vê-se qualificada como
frívola. Por outro lado, opõe-se ao trabalho, tal como o tempo perdido se opõe
ao tempo bem empregue. Com efeito o jogo não produz nada(...) Os jogos a
dinheiro, apostas ou lotarias, não são exceção. Não criam riqueza,
movimentam-na”[1].
Como já fora mencionado, o jogo é um
fato antigo, mais antigo até que a cultura. Por mais que associamos a ideia de
que o jogo a uma ideia de brincadeira, de algo mais descontraído, e sem grande
seriedade, os jogos envolvem os
jogadores em completa imersão e concentração quanto a seus objetivos, e tal
imersão e concentração pode servir de porta para um desenvolvimento de um
aprendizado paralelo e auxiliar da própria ideia de jogar.
O jogo é uma atividade que deve ser
levada a sério, mesmo que caracteriza-se
por “ser livre, de ser ele próprio liberdade. Uma segunda
característica, intimamente ligada à primeira, é que o jogo não é vida ‘corrente’,
nem vida ‘real’. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma
atmosfera de atividade com orientação própria”[2], o
jogo abre uma porta para algo que pode ser muito instrutivo.
Assim se uma criança está jogando
um jogo de RPG pelo computador, ela sabe que um org não vai saltar a tela do
computador, ou se ela está jogando um jogo do tipo shooter (como Call
of Duty), ela sabe que quando ela diz: “Morri” Ela realmente não morreu.
Afinal, se nós perguntarmos agora como é um
cavaleiro, ou qual a localização de St. Lô.,
ou como era o soldado alemão na Segunda Guerra Mundial, ela terá uma noção, mesmo que um pouco parcial, sobre
tais interrogações.
Esse
é um dos motivos do jogo, como atividade lúdica, ter interessando pedagogos e
estudiosos de uns tempos para cá, talvez pela explosão da Onda dos Jogos que
assistimos desde o início dos anos 2000, e agora cresce o interesse em se estudar
a inserção dos jogos no próprio ensino, afinal, os jogos atingem um público
alvo: as crianças e os adolescentes.
Vivencia-se
uma grande questão: Como ensinar uma criança com oito ou nove anos lições de
Geografia, Línguas e História a partir dos jogos?
Essa grave questão vem aos poucos sendo
solucionada pelo próprio jogo em si, mesmo assim, alguns educadores tentam se
manter alheios a isso, ou transformar o jogo em algo educativo demais que se
torne entediante, mas esquecem uma coisa: O jogo,por via de regra, deve ser
divertido. Essa é a única regra sem exceção.
Mesmo assim, devemos destacar o
papel pioneiro de alguns pensadores, como Johan Huizinga, em 1938, ou mesmo
antes com a educadora Montessori, que começaram a pensar aplicações dos jogos
quanto à educação e ao ensino.
Vigotskii, o grande nome da educação
que parece estar em moda com os educadores, fez estudos com alunos cegos a
partir da aplicação de jogos em sala de aula (mas com fins de sociabilização
entre os alunos).
Admirável também é o fato de que
alguns estudiosos se dedicam a aplicação de jogos em sala de aula, notavelmente
estudiosos americanos: como Kurt Squire, que fez um estudo sobre a aplicação de
um jogo de computador, Civilization III, (que é uma história geral da civilização) em uma classe com alunos
marginalizados numa escola da periferia nos Estados Unidos e mostrou os
resultados de seus estudos num texto acadêmico.
É verdade que ainda engatinhamos,
nós brasileiros, quanto a uma possível aplicação dos jogos no ensino regular,
mas esta base de artigos e análises tem como objetivo auxiliar os demais
educadores quanto ao uso dos jogos como instrumento de ensino de História, com
enfoque maior quanto à Idade Média.
Embora possa parecer fácil a
aplicação de um jogo em sala de aula, assim como se pensa que seja fácil a de
um filme, as duas situações possuem complicações e tais complicações se
mostram relativamente diferentes uma da
outra, e dessa maneira não se pode se apressar quanto a isso.
Para fins dessa breve discussão, não
é o jogo que se torna uma lição, mas é a lição que se torna um jogo.
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