O ofício do poeta é um dos mais catastróficos que existem, pois
nada é mais penoso que encontrar a rima perfeita e ainda ser estigmatizado por
não ser relevante para a sociedade cada vez mais utilitária quanto a nossa.
O poeta é aquele indivíduo que come coxinha vencida na rodoviária,
que compra pão amanhecido pra pagar menos e nunca tem um tostão furado. O poeta
é o camarada que reutiliza os versos, remenda as rimas para nunca perder um só
fio do texto.
Esse mesmo indivíduo é obrigado a encontrar a essência do mais belo
da vida e escrever no papel. O poeta deve ser mudo da boca e tísico nos
ouvidos. Sim, deve ouvir a todos, reparar no sapato que o engraxate lustrava
até a fitinha do cabelo de um singela moça. Não há nada mais tão detalhista
quanto o serviço do poeta.
Ainda dizem que o poeta é inútil. Inútil uma ova, somos nós que
criamos hinos e canções que reverberam por cantos a fio, somos nós que
consolamos corações partidos no final das noites cada vez mais frias, nós que
mobilizamos as palavras em formas de versos para criar batalhões de ideias. E
ainda dizem que o ofício do poeta é inútil.
O poeta pensa onde outros teriam passado despercebido, ele chora
onde outros teriam rido e ele sente com o coração enquanto outros sentem com o
bolso. O poeta é sofredor por natureza.
Sim é sofredor, mas alguns se mostram desonestos em nossa prática,
aproveitam-se dos versos para brincar com as emoções das pessoas, para ter
várias mulheres numa vida desvalida enquanto os verdadeiros sofredores sentem o
que devem sentir. Fernando Pessoa disse que “O poeta é um fingidor/ Finge tão
completamente/ Que chega a fingir que é
dor/ A dor que deveras sente”[1].
Engana-se Pessoa, o poeta realmente sente e ele esconde a sua dor em sua vida
cotidiana, mas não esconde quando escreve suas rimas.
Mas uma coisa tem razão ele ao declamar que: “E os que leem o que
escreve, / Na dor lida sentem bem, /Não as duas que ele teve, / Mas só as que
eles não têm”. O leitor acha que pode se sentir bem com os sentimentos sofridos
nos versos e consolo nas estrofes, a rima nunca é tão feliz quanto a intenção
do escritor. Na verdade, é um esforço linguístico tentar por todas as ideias no
papel.
Verdade seja dita, acho que os poetas não são de todos mentirosos.
São até camaradas de valor, veja Lorde Byron morreu na Grécia lutando contra os
otomanos pela a independência. E Maiakovsky que não nos deixa mentir, ficou do
lado das linhas do Exército Vermelho lutando lado a lado com as palavras e
vendo todo aquele horror da guerra que puxou para os seus versos depressivos.
Enfim, o que é o poeta? É um meramente um compilador de palavras?
Ou um gênio da argumentação? É um filósofo ecumenicamente transformado em
excêntrico ou um simples vagabundo que vive da boemia e de trocar as palavras.
Talvez ambos, talvez nenhum dos dois. A verdade é que a escrita deve ser uma
arte, ou melhor, é como um carvão, que se moldado a partir das pressões e das
temperaturas corretas pode virar um belo diamante.
Os instrumentos que você tem, caro colega poeta, são o papel e a
tinta. O papel pode ser qualquer um, até folha de papel velho, mas a tinta não.
A caneta deve ser tão delicada quanto sua mente, elegante e leve, de
preferência uma tinteiro, de pena tranquila e fluida que pinte de maneira
elegante o papel. O problema é quando a tinta suja sua mesa, sua mão e a sua
roupa; Bem, você terá que se acostumar com isso.
Para digitar? O computador e o bom teclado defronte a sua cadeira
são boa pedida, mas se queres ser preciosista como eu, que tal reintegrar aquela
velha máquina de escrever do seu pai que anda meio esquecida no porão. Talvez o
refil nem mais funcione direito, ou as teclas digitem-se sozinhas, mas só a
energia de se retirar um artefato desses na escuridão representa muito. As suas
palavras também, elas são tão fortes que podem ressuscitar pessoas, tirá-las do
esquecimento.
Sentes cansado de tanto escrever, é deveras cansativo passar horas
a fio sentado numa poltrona redigindo um texto. E pior quando você não consegue
escrevê-lo, que frustração! Vá, saia um pouco, vá andar um pouco. Leve um bloco
com você, sempre tenha um bloco de anotações à mão, anote o que você vê, o que
as pessoas falam ou o que você sente. Escreva, somente escreva.
Não consegue escrever de novo? Escreva o trecho umas três vezes e
compare... Qual ficou melhor? Nenhuma? Escreva tudo de uma vez então. Rasgue o
papel logo de uma vez, seja niilista, você é o seu próprio deus quando está
escrevendo, você pode criar tudo na folha, desde a mais linda personagem até o
mais macabro dos monstros.
Acabou? Não? Sente-se hostilizado pelos os outros? Por quê?
Lembre-se sempre do que disse o grande poeta, Vladimir Maiakovsky:
Grita-se ao poeta:
"Queria te ver
numa fábrica!
O que? Versos? Pura
bobagem".
Talvez ninguém como
nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias
não agradam.
Quando serrais
madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores
a esculpir
a tora
da cabeça humana?
Certamente que a
pesca é coisa respeitável.
Atira-se a rede e
quem sabe?
Pega-se um
esturjão!
Mas o trabalho do
poeta
é muito mais
difícil.
Pescamos gente viva
e não peixes.
Penoso é trabalhar
nos altos-fornos
onde se tempera o
ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de
ociosos?
Nós polimos as
almas
com a lixa do
verso.
Quem vale mais:o
poeta ou o técnico
que
produz comodidades?
Ambos!
Os corações também
são motores.
A alma é poderosa
força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da
massa operária.
Proletários do
corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos
remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar
num ritmo célere.
Diante da vaga
de palavras
levantemos um
dique!
Mãos à obra!
O trabalho é vivo e
novo!
Com os oradores
vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus
discursos
que façam mover-se
a mó![2]
Então, qual o papel do poeta? Antes de tudo escrever, escrever o
que sente e o que pensa. Refletir sobre o que deve ser a vida e o que quer
passar ao seu público. Acha árduo? Você não viu metade.
Não é só escrever que faz o poeta, o poeta tem que exprimir suas
próprias emoções e nos seus leitores, tem que escrever fluidamente, tem que
passar suas ideias, bem como suas paixões ou decepções. Tem que dar vazão,
margem aos sentimentos sinceros, ou as vezes não, às vezes tem-se que mentir,
mas não iludir o leitor, como Fernando Pessoa dizia de nós, mas mentir uma
realidade bonita que às vezes não exista, não contar diretamente que não existe
mais amor no mundo e que nem tudo são flores como a gente queria que fosse... A
melancolia a gente esconde para nós mesmos.
Poeta também tem que informar, as vezes tem que ser até ativo,
participar mesmo, se engajar nas próprias lutas e sair dos versos. Ir para a
Guerra na Grécia (Byron) ou lutar junto ao exército de cavalaria (Isacc Babel)
ou uma própria Revolução (Maiakovsky). O poeta tem que viver e constantemente vivendo. Andar, seguir,
perseguir novas histórias.
Tem que ser alerta, um mero detalhe pode fazer a diferença. Um anel
no dedo de uma moça pode significar muita coisa, um sapato sujo também. A vida
é feita de detalhes e imperfeições, cabe ao poeta imaginar tais singularidades
e contá-las, ou as vezes não, as vezes esquecê-las e criá-las de outras formas.
A poesia não é algo fácil e não é como a escrita normal, ela nos assola
constantemente com a métrica, rimas e musicalidade, e nunca é 100% perfeita.
Por isso prefiro mais escrever contos e romances a poesias, não que eu não
goste dos últimos, mas penso mais em termos cartesianos que neobarrocos.
Esse é o árduo ofício do poeta. Queres escrever por extenso,
prepare-se para escrever em verso. Essa é a essência da música, da arte e da
oratória. Aqui, tudo aqui na poesia, essa falange da mente.
[1]
PESSOA, Fernando. Autopsicografia. Disponível em: http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/143.php
[2]
MAIAKOVSKY, Vladimir. O poeta proletário. In: Antologia Poética. São Paulo:
Editora Max Limond LTDA, 1983.
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