A noite estava fria
O motor aquecia o asfalto
Enquanto os pneus cortavam
As tesourinhas
O pardal assistia
Aquela insana corrida
De dois espíritos embargados
Um era o pai, preso ao volante
O outro era a mãe
Fechando o semblante
Corre, corre pistões!
Na compressão do motor
As emoções afogavam a gasolina
Aquela cena não foi insensível
Ao policial rodoviário atento
O patrulheiro cortou as sirenes
E correu estridente na estrada
"Meu Deus! Faça ele parar"
O grito corria o banco
O pai torcia o pescoço no retrovisor
Pisou com força o acelerador
O velocímetro dispara
Era uma noite no Eixo
A cento e vinte por hora
O pequeno Volkswagen
Seguia vermelho de vergonha
Esgoelava o seu motorzinho de criança
A polícia corria logo atrás.
A mulher gritava.
O pai suava.
Não tinha jeito
Tinha que parar;
a gasolina encerrou o seu ciclo
O motor e os pneus esfriavam.
Estava frio. Bastante frio...
Era agosto. Agosto da seca
Frio
O policial parou a viatura
Andou desengonçado de armadura
Tinha uma arma no coldre
E um rosto severo de autoridade
A mulher gemia de dor
Ela gritava
O motorista desceu assustado
Ele ia ser pai! Diabos!
O policial largou a caderneta.
Esqueceu a multa
Retirou o seu coldre e se curvou
À força da vida.
Eram duas e meia da manhã
Ali estavam três estranhos
Atrás de um Volkswagen.
Um suplicava pela vida.
Outro gritava de dor.
O terceiro esquecia de ser bruto.
O hospital estava fechado
Uma vergonha para uma capital
Foi então que no banco de trás
Nasceu uma pequena criatura
Que tocou o mundo.
Aquele pequeno pedaço de gente
Nasceu numa madrugada de agosto
No mês da seca, em meio ao frio:
Uma nova vida na capital.
Foi naquela tesourinha,
perto daquela entrequadra
Num canto esquecido do eixão
Nasceu Joaquina.
Uma nova vida em Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário