sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Bukharin: o teórico esquecido







           Um dos mais importantes teóricos do marxismo, Nikolai Ivanovich Bukharin talvez tenha sido o precursor nos trabalhos sobre o estudo de construção de uma nova sociedade, onde ele mesmo descrevia que o marxismo era uma luta não necessariamente só física por uma nova sociedade, mas uma luta diária e ideológica contra o antigo regime. Onde a religião e os antigos meios de comportamento não seriam abolidos pela força, mas por uma constante luta no campo cultural para reafirmar os valores marxistas.


        A política cultural defendida por Bukharin era algo bem desvencilhado do que viria a ser o Realismo Socialista, ele defendia que os autores e os artistas tivessem liberdade criativa desde que não ferissem os princípios caros da aliança entre os operários e camponeses. Pasternak, Maiakovsky, Maxim Gorky, todos esses constituíam não só o círculo de autores admirados por Bukharin como também eram amigos desse teórico, de modo que o suicídio de Maiakovsky o marcou profundamente.

      No campo científico, Bukharin ficou por um tempo responsável pela construção da Academia de Ciências da União Soviética, embora não fosse um cientista de carreira, e sim um economista e um advogado, Bukharin fez um grande serviço ao tentar conciliar os parâmetros do marxismo e do materialismo histórico com o regime de ciência que se desenvolvera até então na Academia. Teve seus atritos com o teórico da biologia, Ivan Pavlov, por esse cientista ter criticado (corretamente) a visão dos bolcheviques de uma única verdade, o que frustrava o próprio propósito da ciência de procurar novas respostas. Bukharin criticou Pavlov é verdade, em seu "A revolução mundial, nosso país, a cultura, etc. (Resposta ao professor Pavlov)" Bukharin se defendeu das altas críticas que recebeu de Pavlov aos seus dois livros, Revolução proletária e cultura e o ABC do Comunismo.  Pavlov chegou a declarar que: " De que desenvolvimento da cultura podem falar pessoas que, Bukharin inclusive, têm as mãos sujas de sangue".


        Bukharin tinha sido responsável no período da Revolução pela tomada do Kremlin, e coordenou o movimento bolchevique em Moscou. Mas com uma docilidade extrema disse: "a estrutura metodológica e os resultados das pesquisas do prof. Pavlov são uma arma no sólido inventário da ideologia materialista. E o materialismo hoje, em nossa época, é, não devemos esquecer a ideologia do proletariado [...] Logo, é inteiramente compreensível que exsta em nosso ambiente marxista - e sempre existirá - respeito por todos os cientistas que tomam posição contra as turvas tendências mistificantes. Repetimos: cientistas assim, independente das suas intenções subjetivas, trabalham pela mesma causa pela qual nós trabalhamos, marxistas revolucionários. E o Prof. Pavlov pertence exatamente a essa categoria de cientistas"

      Os dois passaram a se conhecer mais depois do episódio, e debatiam sobre biologia em termos bem acadêmicos, embora muitas vezes discordassem, Bukharin tinha conhecimento da teoria de Darwin e conhecia sobre pássaros e mamíferos. Pavlov chegou a frequentar o apartamento de Bukharin tal como outras personalidades da URSS para discutir sobre ciência e biologia.

    Inevitável falar que Bukharin era um economista. Um economista que não só entendia a realidade do seu tempo e percebia que mudanças bruscas na política econômica, numa coletivização forçada do campo e numa industrialização acelerada desafiariam a própria existência do trabalhador rural comum soviético, como também foi ele um dos elaboradores da NEP. A NEP, Nova Política Econômica era algo profundamente provisório feito conforme as necessidades, mas que resultou numa melhor palatina do cidadão comum soviético. A economia mista soviética onde o Estado detinha os recursos, as grandes empresas e os aparatos administrativos enquanto podia haver a permanência de uma pequena propriedade, sobretudo no campo, contanto que não fosse produto de exploração do trabalho de outra pessoa. A NEP foi abolida em 1929, sob crescentes resistências de Bukharin à política de Stálin de hostilizar os camponeses, mas Bukharin foi vencido pela linha estalinista.

Gravura de Bukharin sobre Lenin

      Advogado de formação, Bukharin também auxiliou a elaborar a Constituição Soviética de 1936, uma das mais democráticas até então. Garantia as liberdades de pensamento, liberdades civis, inviobilidade do lar e de correspondência, bem como o direito e dever de todos trabalharem na sociedade soviética. Infelizmente as ideias de Bukharin foram corrompidas com a implementação da Iejovchina.

     Em processo de ser condenado ao ostracismo, Bukharin foi nomeado redator do Izvestia que se tornou o segundo jornal mais popular da União Soviética, correspondia a um jornal que não seguia diretamente a linha do governo, embora jamais tenha sido de oposição. o Izvestia publicava notícias cotidianas, artigos científicos, convocações, e poemas. Pasternak chegou a escrever para o Izvestia.

    Mas nada disso traduz a essência que foi Nikolai Bukharin, pai, esposo, amigo. Cartunista, escritor, economista e revolucionário. Bukharin era tudo isso e muito mais, excelente orador, conquistava as massas com o seu estilo simples e pessoal. Ele constituía a ligação que o Partido tinha com o povo e sobretudo com o campo.




    Bukharin representava o jovem rapaz que um dia se tornou revolucionário, que realmente queria mudar o mundo, mas não se deixou mudar diante os problemas. Bukharin pode ser criticado por muitas coisas, mas não pode ser criticado por não ser honesto. Morreu como revolucionário, embora tenha sido tão bem humilhado no altar do sacrifício da hecatombe stalinista. 

    Morreu desesperado, deixando seu velho pai doente para trás sem amparo, beijou sua jovem esposa Anna Larina, e seu filho recém nascido, e foi levado pelos guardas do NKVD para a Lubyanka, o terrível lugar conhecido pelas torturas e pelos anos de cadafalso. Dizem que Bukharin não foi torturado, mas ele foi humilhado. O sorridente Bukharin que brincava com Lênin, Gorky, Rykov e Ordzhnikidze e outros, que rascunhava alguns desenhos das mais chatas reuniões do Politburo, que falava de literatura com Gorky e Maiakovsky, de economia com Lunatchevsky, biologia com Pavlov e ainda arranjava tempo para escrever para o Pravda e Izvestia, morreu de uma forma tão infeliz que até hoje esquecem-se quem foi ele. 

       Ninguém sabe onde ele está, ninguém lembra de como ele foi importante e do caminho que ele abriu para outros teóricos como Gramsci. Ele morreu e foi esquecido por culpa de um regime tão sanguinário como o estalinismo.

   
Stalin  com o seu habitual cachimbo, retratado também por Bukharin


Trotsky vagando pelo mundo, por Bukharin
















Sergo em seu traje de gala




                                                  Bukharin com Rykov discursando

Anna Larina, esposa de Bukharin, enquanto jovem



A família do Gulag, Yuri Larin é o jovem pai de olhar compenetrado, ao seu lado está sua esposa e os seus dois filhos, netos de Bukharin


Filho de Bukharin hoje, Yuri Larin , tal como o pai, possui uma veia artística forte, sendo um renomado pintor contemporâneo na Rússia
        Fizeram há algum tempo atrás um documentário sobre a trajetória triste de Anna Larina desde o prisão de seu marido e sua consequente prisão para o Gulag na condição de zek: Disponível em: http://vimeo.com/54557097

         Em entrevista à Fundação Russkiy Mir, o filho de Bukharin trata de como foi sua vida sem sua família e como soube que era filho de Bukharin:  http://www.russkiymir.ru/russkiymir/en/magazines/archive/2008/07/article0002.html


 Alguns escritos de Bukharin estão disponíveis digitalmente no site: http://www.marxists.org/archive/bukharin/

       

         O silêncio com que colocam sobre sua voz descreve mais do que mil palavras. Pois quando ainda existe quem pense em Bukharin, ele ainda continuará vivo como sempre ele foi, teórico do Partido, amigo de Lenin, e um bom comunista. "Koba, por que precisa da minha morte?"

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