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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A importância do Stakhanovismo

Stakhanov em foto

          Aleksei Stakhanov, herói do Trabalho Socialista e um "socialista-modelo" da década de 1930 na União Soviética. Um trabalhador por excelência, era isso que a propaganda soviética destacava a figura de Stakhanov. Stakhanov é conhecido pelos estudiosos de União Soviética e stalinismo sobretudo pelo feito arrebatador de conseguir extrair sozinho nada menos que 102 toneladas de carvão guza em meras cinco horas e quarenta e cinco minutos de serviço, superando em catorze vezes a cota estimada para si.


          Aleksei Stakhanov provavelmente pode nunca ter chegado a esse número estrondoso (é um número que é quase humanamente impossível), mas é provável que tenha batido muito a sua cota de trabalho. E por quê? Não, Stakhanov inicialmente não era um só um entusiasta comunista, mas sim um homem simples que vivia com as roupas sujas de terra  e simplesmente queria algo a mais do que ter o suficiente, ele desejava conseguir um salário maior para sobreviver melhor; Talvez por isso que tenha ultrapassado a cota de trabalho estipulada por sua mineradora em Donbass.
Aleksei Stakhanov em um momento laboral
          Stakhanov é lembrado pelo feito absurdo propagado pelo Pravda e Izvestia que assombrou até mesmo os técnicos de planejamento da União Soviética, nem o mais otimista dos planejadores econômicos imaginaria que um trabalhador poderia sozinho conseguir extrair 102 toneladas de carvão guza (como eu disse, é provável que o número seja uma invenção propagandística,  mas toda a lenda tem um fundo de verdade, e não escolheriam a esmo alguém para glorificar). Stakhanov era um homem dos Planos Quinquenais.

           Os Planos Quinquenais estavam em vigor de fato em 1929 na União Soviética depois das disputas internas dentro do Partido Comunista da União Soviética, entre os planejadores da União Soviética, o grupo de "direita", formado por Bukharin e Rykov que desejava a manutenção de uma economia mista (e mais autossustentável) na forma da NEP que não garantia um desenvolvimento industrial extraordinário mas também não resultaria em graves sacrifícios ao trabalhador (como um salário que em tese teria o seu poder aquisitivo reduzido, devido aos problemas inflacionários de uma economia que está em crescimento imediato sem observar a capacidade de consumo da população) e um grupo formado por defensores do estalinismo, que sustentavam que era necessário o rápido desenvolvimento tecnológico e industrial soviético não só por questões ideológicas (por a União Soviética ser o bastião do socialismo no mundo) como também a constante ameaça de uma guerra mundial entre o capitalismo e o socialismo (que se encaixava muito bem na lógica do próprio Stalin).

          A derrota de Bukharin pôs fim à NEP e resultou consequentemente na sua submissão e retratação à Stálin (Bukharin desde 1924 até 29 foi com certeza o personagem mais importante e respeitado da União Soviética depois da morte de Lenin, nem mesmo Stalin desfrutava tanta popularidade quanto o "teórico do Partido"), a economia do campo ficou submissa aos interesses do governo central levando à Coletivização do campo, a eliminação dos kulaks, deportações e crises agrárias (agravadas pela seca de 1932-33 causada pela La Niña).

        A economia soviética vivia graves desafios e de fato, a despeito da brutalidade dos eventos que ocorreram relacionados ao plano de desenvolvimento stalinista, a União Soviética foi o único país da Europa a crescer durante a Crise de 29. Em dez anos a economia soviética cresceria 33 %, em número reais aproximados com relação à indústria pesada.

          Stakhanov é um dos propagadores desse espírito. Embora o stalinismo tenha coexistido com o terror, o terror meramente por si mesmo não levaria ninguém de livre espontânea vontade a trabalhar da forma como os soviéticos passaram a trabalhar. O Arquipélago Gulag é um elemento importante da economia soviética no seguinte sentido que representava algo em torno de 10 a 15 % do esforço laboral em alguns setores estratégicos da economia soviética, contudo, o trabalho nos campos além de ser degradante no sentido humano (pois se tratava sim de um serviço que beirava ao trabalho escravo em locais inóspitos e com altas cargas de trabalho) era contraproducente no sentido econômico do termo, pois além de não se autossustentar, levava à morte dos trabalhadores.

          Os canais do Mar Branco, do Moskva-Volga e de outras hidrovias soviéticas (que eram mais importantes certas épocas do que o trem para o transporte da produção alimentícia e industrial soviética do que as ferrovias, que nem sempre chegavam a certas regiões da Rússia) foram construídas à base do trabalho compulsório. Mas o Metrô de Moscou, a coisa mais emblemática dessa década, não. Foi construído com trabalho voluntário.

              E Magnitogorsk também não foi construída com base no Arquipelago Gulag (embora tenha tido trabalho de alguns prisioneiros em suas plantas industriais). Magnitogorsk é a coisa mais impressionante desse período, uma cidade construída a partir do nada, no meio da taiga siberiana, em questão de poucos anos representava o grosso da indústria siderúrgica soviética. 

Magnitogorsk, a cidade industrial que surgiu no meio do nada
           Stakhanov era o modelo de como um homem soviético deveria agir, trabalhar e pensar. Afinal de contas, antes de mais nada o entusiasmo da juventude que fez esses feitos insuperáveis. Esses anos, mais do que outros, o cidadão soviético se sentia importante ao ponto de acreditar estar revolucionando o Mundo com o seu trabalho, o seu exemplo para os trabalhadores do mundo que a pátria dos trabalhadores era uma alternativa viável à crise que se prolongava há anos no Mundo Atlântico.

           Stakhanov, a locomotiva, o trator da fazenda coletiva. Esses anos eram de movimento, a Rússia crescia a ritmo chinês e não parava de crescer, se fortificando através da construção de tijolos em seus pés de barro  até que se tornou um gigante industrial, um colosso soviético.
                 Foto de uma associação de trabalhadores felicitando a "Teoria de Marx, Engels, Lenin e Stalin"


           O stalinismo era tomado pela corrupção ideológica de seus magnatas, da paranoia egocêntrica do próprio Stalin, das batidas policiais noturnas, os interrogamentos, o império da delação e torturas aos prisioneiros políticos (que desafiavam a linha ideológica stalinista). Isso surgiu num contexto em que o próprio Stalin acreditava que para a União Soviética qualquer dissidência, qualquer discussão contrária poderia desvirtuar o foco num problema central, um país forte que pudesse enfrentar não só todos os inimigos externos (seja os fascistas europeus, seja as democracias liberais que interviram anteriormente na Rússia). O império do coturno de cano alto e do cachimbo entre os bigodes surgiu inicialmente de uma inquietação justificada da liderança bolchevique e cada vez que os anos passavam o quadro ficava cada vez mais autoritário.

          O trabalho de Stakhanov e daí sua importância é mostrar um espírito imaginativo ao  trabalhador soviético da época, mostrar que a introdução de métodos de eficiência laboral, taylorismo e aumento de produtividade não só poderiam ser bons para a indústria, mas também para o trabalhador comum (e isso a propaganda soviética enfatizava). Quem trabalhava mais, ganhava mais. Tinha mais benefícios e era reconhecido, nisso nasceu o desejo pelo trabalho.
                                            Propaganda soviética sobre Stakhanovismo

         Mais gente sujava as mãos de graxa e óleo, conduzia tratores e trens, costurava roupas ou plantava vibraquins em motores. Stakhanov sem querer incentivou uma geração inteira ao vício saudável pelo trabalho, o trabalho por uma sociedade melhor e uma vida melhor, talvez nem ele imaginasse o impacto que ele teve ao extrair quantidades maiores de carvão em sua pequena mina no nordeste da Ucrânia.

        A União Soviética só se tornou o colosso (e a Rússia sua herdeira num BRIC) graças ao entusiasmo dos anos 30 (que o Brasil só foi conhecer por exemplo no final dos anos 50 até 1970). O legado do Stakhanovismo é mostrar ao trabalhador que o ganho de produtividade, uma maior eficiência do trabalho empregado produz inerentemente mais produtos e resulta num aumento salarial consequente, isso numa economia socialista; numa economia capitalista tradicional prevalece a mais-valia.

         Alguns analisam a União Soviética como um capitalismo de Estado; Não é de fato errado no plano externo, mas no plano interno, a União Soviética não pode ser encarada como capitalismo de Estado (talvez só no período da NEP e olhe lá), mas sim como uma economia planificada (que apesar dos defeitos e das falhas sobretudo com relação à política agrária chegava a ter uma eficiência às vezes superior ao afamado e famigerado Reich nazista, que apesar de tudo, se destacava por ter um caos administrativo). A União Soviética foi a primeira economia planificada da História, a primeira economia de guerra que se sustentou por oitenta e quatro anos e que ainda assim se manteve razoavelmente bem durante um século complicado como o século XX.

           Quando olhamos hoje o noticiário e vemos com surpresa a China promulgando o seu novo Plano quinquenal, temos a tirada irônica inconsciente, "novo Plano Quinquenal. Que paradoxo! Não há nada mais obsoleto do que isso". Mas um Plano Quinquenal é algo novo porque surgiu só na Revolução Francesa essa ideia de controlar tudo a partir de um Estado (nem o "absolutismo" acreditava poder ter controle total da economia, na verdade, isso nunca existiu até 1929). O experimentalismo soviético dos Planos Quinquenais sem querer acabou servindo de modelo para muitas coisas hoje: O New Deal, que nasceu de uma interpretação da heterodoxia capitalista sobre a Carta dil Lavore do Mussolini, uma "profilaxia contra crises econômicas" e de uma planificação econômica moderada a partir da intervenção parcial do Estado, copiando trejeitos da economia soviética. A CEPAL com o seu modelo econômico de desenvolvimento pseudokeynesiano, e obviamente, a China.

           Uma economia de mercado é tecnicamente menos complicada que uma planificação, por isso chega a ser impressionante como a União Soviética tenha resistido por tanto tempo. 
Os desafios no campo e na cidade

          Voltando a Stakhanov, o exemplo individual sobre o coletivo mostra que a despeito da impessoalidade de um estado totalitário (em certos aspectos a União Soviética tinha um elemento autoritário em sua essência) era possível obter reconhecimento pessoal através de sua diligência laboral, e num método de competição assemelhado ao capitalista (embora não fosse bem por lucro, mas sim por fama e prestígio) os trabalhadores soviéticos passaram a trabalhar mais na esperança de serem lembrados nos confins da Sibéria, na imundície das minas de carvão da Ucrânia, nas fábricas de Leningrado ou mesmo nos campos de trigo do Volga. Stalin se aproveitou disso para se mostrar como o "grande timoneiro" que conduziria a União Soviética para o caminho do "verdadeiro comunismo" e surgiu o seu culto à personalidade, bem como incrivelmente, sua popularidade a partir dos esforços dos trabalhadores.


Outra propaganda soviética sobre a vida de Stakhanov

             Stakhanov ficou famoso a ponto de ir aos Estados Unidos dar entrevistas à revista Time e fazer conferências sobre o seu feito laboral. Posteriormente se tornou estudante da Academia Industrial de Moscou, se tornou diretor de uma fábrica e ficou subordinado ao Comissariado de Indústria Pesada. Em 1974, depois de receber vários louros e recompensas do governo Brejnev, retirou-se do serviço aos 68 anos de idade, vindo a falecer quatro anos depois, em decorrência de acidente vascular cerebral ocasionado pelo seu grave problema com o alcoolismo (conta-se que ele apresentava um quadro de esclerose múltipla com perdas de memória parciais e delirium tremoris, próprios do alcoolismo).

              Stakhanov foi duramente criticado, sobretudo por trotskistas, por ter alicerçado ideologicamente o estalinismo com sua  propensão laboral ao trabalho absurda e ser um "burro de carga que segurava nas costas a falência moral do stalinismo" por em outras palavras "desistir de sua própria humanidade em torno de uma ilusão propagandística". O stakhanovismo foi encarado no socialismo ocidental como um desvio surgido dentre os vários desvios stalinistas, e os stakhanovistas como indivíduos alienados ao próprio trabalho que esqueciam o ideal marxista ao se preocuparem inteiramente ao serviço e a bater metas. A questão é que a crítica é falha num ponto, a alienação é existente se a ideia de bater metas existe numa fábrica industrial capitalista, onde o lucro vai para o empregador, mas numa realidade econômica socialista de fato, o ganho de produtividade também é obtido ao próprio trabalhador, já que há um ganho no seu próprio salário.

            Além disso, Marx era enfático ao destacar que o socialismo só seria vitorioso caso se mostrasse mais eficiente que o capitalismo no meio de arrecadar riquezas; Hoje sabemos que o socialismo real não foi vitorioso porque se tornou ineficiente na sua hipertrofia hierárquica partidária e na oligarquia da nomenklatura que se aproveitou dos esforços laborais da população, mas o stakhanovismo surgiu também (até no plano propagandístico) para tentar construir um modelo econômico mais eficiente que o capitalismo, e no campo da indústria pesada, por dez anos isso foi completamente correto.

          Mas a crítica também tem certo fundamento no seguinte aspecto: a perda de qualidade dos produtos. Com o aumentado absurdo da quantidade do trabalho empregado, os números passaram a ser mais importantes que a qualidade. Assim o produto soviético passou a ter uma qualidade inferior ao produto ocidental, isso é um dos motivos posteriores que levaram a derrocada da URSS, a falta de qualidade dos bens consumo soviéticos, coo roupas, eletrodomésticos e carros. Isso é produto do Stakhanovismo.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A crise da Ucrânia não começou esse ano, começou em Yalta




            A eclosão da grande crise internacional se deu na Crimeia, mas não em 2014, mas em 1945. Hoje, sob os resquícios de quase setenta anos do grande plano de divisão mundial sob a égide da luta contra o fascismo internacional, a Crimeia novamente é o palco mundial.

            A Ucrânia tem a desgraça em viver sob dois mundos, sob a Europa e sob a Rússia e foi nessa coexistência que o antigo país soviético continuava existindo, a questão é que a situação da Ucrânia não é tão simples quanto a gente imagina: A Ucrânia é o berço natal da cultura russa, é a grande arca da Aliança entre o povo russo com a ortodoxia e a sua história remete desde  a formação do Principado de Rus' em Kiev, pelo grão-príncipe Oleg, filho de Rurik, o Grande. Ali se formulou as bases do primeiro reino sob as estepes russas, onde houve a codificação das leis e os costumes na Russkaya Pravda na época do grão-príncipe, Vladimir, o sábio.

            Após a imigração dos varegues (normandos) às estepes russas no século VIII, com a chegada a corte de Rurik, um nobre viking à Rússia à convite das tribos eslavas existentes naquela grossa faixa de terra repleta de florestas, pradarias e pântanos, formou-se a primeira agremiação de estado centralizado em torno da Grã-Cidade de Novgorod. (Novgorod literalmente quer dizer “Nova Cidade”) e após as investidas do incipiente principado  sob as tribos eslavas ao sul, e as tribos fino-úgricas ao norte, Oleg Rurikevich (“filho de Rurik” e descendente do trono de Novgorod) acompanhado de alguns cavaleiros normados e homens armados de Novgorod desceram sob o Dnieper e conquistaram a cidade de Kiev, a qual se tornou a capital do novo estado que se formava;

            “Askold e Dir desceram o Dnieper e viram uma cidade sobre a colina e perguntaram: “que cidade é aquela?” E os habitantes responderam: “Eram três irmãos, Kii, Chtchok e Khorik, que fundaram esta cidade (Kiev) e morreram. Nós pertencemos ao seu clã” Crônica de Nestor (1110-1113) .


            Kiev tinha sua importância por ser uma ponte de ligação entre Novgorod e o Império Bizantino e consequentemente Novgorod era a ponte de ligação de Rus’ com a Escandinávia, de modo que a construção dessa ponte de ligação germinou a formação do principado em questão, e posteriormente, após os sucessos comerciais dessa ponte de ligação, Novgorod, assim como Pskov e outras cidades do Báltico vieram a integrar a Liga hanseática.
            Kiev é mãe das três Rússias, a Rússia Pequena (Ucrânia, literalmente “a terra da fronteira”), a Rússia Branca (Bielorrússia) e a Rússia propriamente dita. Após lutas sucessórias e assassinatos de regentes, os descendentes de Oleg dividiram o Principado de Rus’ em vários pequenos principados fracos e francamente com uma tênue ligação entre si.
            Isso facilitou as invasões sazonais de kipchaks e pechenegs (tribos nômades e guerreiras de origem túrquica) ao território de Rus’ que teve que aprender a lidar com as invasões com as vias das armas, mas isso não obrigatoriamente deixou a Rússia imune a um invasor ardiloso e bem treinado. Os mongóis.


“Para nossa desgraça, tribos desconhecidas apareceram” Crônica de Novgorod, 1224.
           
        O general mongol Subodei iniciou uma cruzada de expansão do Império Mongol para o ocidente e rapidamente os soldados desse líder, arregimentados em regimentos de cavalaria altamente organizada em arco e flecha de extrema velocidade e poder de fogo puderam dominar sem muito sacrifício a região do Cáucaso tomando sem muito sacrifício a região da Ibéria e da Geórgia Medieval, esse pequeno país se tornou o primeiro estado-vassalo dos mongóis na Europa.



         O exército mongol continuou o seu avanço para o Ocidente, chegando à planície extensa na parte norte Mar Negro, essa porção de terra viria a se constituir a parte sul da Rússia e a Ucrânia. Contudo, os principados russos  conseguiram se unir contra o invasor, Smolensk, Galich, Chernigov, Kiev, Volinia, Kursk, Suzdal e tantos outros. Sob a liderança de três exércitos, liderados por três príncipes respectivamente chamados Mstislav, que representavam Galich, Chernigov e Kiev se digladiaram contra os mongóis.
            Mstislav Romanovich, de Kiev, trazia consigo o maior dos exércitos, incluindo dois genros e a medida que os mongóis chegavam, menos os russos estavam dispostos a negociar, chegou ao ponto de todos os dez embaixadores enviados pelos tártaros terem sido mortos pelas mãos dos russos.


Num tropel de cavalos que reverberava a terra negra dos bosques russos, os mongóis iniciaram uma escaramuça contra os principados russos, atraindo-os para uma armadilha junto ao rio Kalka e conforme as crônicas do período diziam, cerca de 40 a 80 mil soldados russos contra o dobro de mongóis foram derrotados pela ação bem arregimentada da cavalaria tártara, e os principados russos, onde a Crônica de Novgorod chegava a estabelecer que “um em cada 10 homens voltou para casa”,acabaram sendo derrotados e subjulgados de forma bastante tênue a partir  do pagamento de impostos.


Os russos sempre viram os tártaros como flagelos de Deus, embora fossem eles próprios que com sua experiência trouxeram a primeira forma de estado centralizado da Rússia. Os russos devem muito aos mongóis, não só pela formação de um estado arregimentado em uma hierarquia sólida, como organismos de vigilância bastante violentos e eficazes, além da construção de uma sociedade agrária e dissociada da Europa.


A Rússia se desenvolveu razoavelmente bem nesse período sem a Europa, mas após a unificação imposta por Ivan, o Terrível, a Rússia iniciou uma longa expansão para a Sibéria e para o Ocidente, enfrentando agora as potências europeias.


A subjugação dos principados russos ao Khan do Canato de Kazan trouxe um dilema, os principados rutenos passaram a ser incorporados um a um por meio de guerras e tratados de anexação com a República das Duas Nações, formada por Polônia e Lituânia, formando um bolsão agrícola dessas duas nações formadas a partir do reinado de Jagiello, na maior nação europeia no Centro-Leste, e a Polônia possuía enorme influência nos pântanos da Bielorrússia e nos campos de trigo da Ucrânia Ocidental e Oriental.


A despeito das tentativas de Ivan, o Terrível em trazer essas terras para o jugo moscovita as tentativas se demonstraram falhas principalmente depois de sua morte, quando a Rússia passou pela  Época das Adversidades que só terminou em 1616, quando os Romanov subiram ao trono para uma eleição.


Os poloneses à essa altura eram profundamente odiados pelos russos, os mesmos russos que tinham subjugado os tártaros com a conquista de Kazan nas campanhas de Ivan, o Terrível, tinham voltado os olhos ao ocidente. Os poloneses representavam um engodo, e mais do que isso fomentavam inúmeras intrigas palacianas no Kremlin, desde colocar dois monarcas falsos (Episódio dos Falsos Dimitris) até invadir Moscou e incendiar a cidade, os poloneses também foram acusados de crimes bárbaros contra a população civil, de forma descrita na história de Ivan Susanin.


A Polonia novamente tinha entrado em guerra contra a Rússia e os moscovitas se preparavam para o cerco das armas de guerra e da cavalaria polonesa, a defesa da cidade ficou ao encargo de um boiardo chamado Dmitri Pozharsky e um tártaro que tinha feito juramento à Moscou, Kusmá Minim, esses dois mobilizaram a população da cidade para um esquema de barricadas e defesas das torres que resultou numa vitória contra os poloneses.


Nesse ínterim, as eleições para um novo czar transcorriam entre as famílias nobres para a estabilização da Rússia frente às ameaças externas e os poloneses cientes disso viam com malgrado a ideia da ascensão de um Romanov, sobretudo pelo fato que os Romanov eram uma família proeminente na época de Ivan, o Terrível. A primeira esposa de Ivan IV era uma Romanov e os Romanov notabilizavam-se por uma aversão ferrenha aos poloneses.


Ivan Susanin era um camponês ao que tudo indica, os poloneses corriam em direção aos bosques de Alexandrovo para assassinar o herdeiro do trono, Aleksei Romanov, contudo encontraram esse velho camponês no caminho que disse saber onde se encontrava o futuro czar. Por alguma sorte, Ivan Susanin conseguiu enviar alguém para avisar os Romanov a tempo e conduziu os poloneses para um caminho errado, quando os polacos perceberam a artimanha, puseram a fio de espada o pobre camponês. 


“Uma vida por um czar”, esse era o título da ópera de Mikhail Glinka em sua homenagem, mas a realidade é que a mudança trazida pelo príncipe Aleksei foi trazida apenas com o nascimento de seu filho, Pedro, o grande. Responsável pela abertura da Rússia à Europa e a retomada do projeto de expansão ao ocidente, com isso, e a aliança entre a monarquia e os cossacos datada do século XVII, o ciclo de expansão russa se iniciou a partir de sucessivas guerras contra os tártaros da Criméia, vassalos dos turco-otomanos, e contras os suecos, livônios e poloneses, tendo a maior repercussão foi a participação russa na Guerra dos Trinta Anos.


Após a vitória dos russos sobre os suecos, que resultou na completa desmobilização do exercito sueco e a abertura de um regime de base parlamentar nesse país, a Rússia tomou seus aspirados domínios do Báltico e a Finlândia.


De toda a forma, a gérmen do pensamento eslavo mantinha-se de certa forma no circuito entre Novgorod, Vladimir, Moscou e Kiev, de modo que a grande potência que se formava tinha bases tradicionais ainda bem aguçadas com os Principados Russos.


A despeito do domínio russo sobre a Ucrânia, os ucranianos se conservaram sem grandes problemas ao Império, retirando os levantes camponeses de Stepan Razin, que ocorreram sazonalmente em decorrência da fome ou da administração ineficiente do Império.


A Ucrânia, tal como outras partes do Império, se traduz como um grande celeiro produtor de carne e trigo, com uma das terras mais férteis do mundo. De fato, a Ucrânia tinha uma industrialização incipiente quando estava na virada do século XIX para o XX, com industrias pontuais em Kiev, Kharkov, Donetsk e Odessa. Odessa se caracterizou como o grande porto de contato e de exportações com a Europa, enquanto Sebastopol se caracterizava por ser uma base militar bastante importante.


Os ucranianos embora povos irmãos dos russos se viam desconfortáveis com a sua condição de pobreza e abandono por parte dos governantes moscovitas, embora tenha outras razões culturais, a iminência de um antissemitismo por parte de algumas populações ucranianas, sobretudo em Odessa levou a massacres sucessivos de judeus nos guetos, e com a complacência dos próprios administradores czaristas, cada vez mais intolerantes à outras agremiações religiosas no processo de russificação das nações, os pogroms se proliferaram no reinado de Nicolau II.


Acredito que essas é uma das bases de alguns judeus, revoltados com sua pobreza e com a sucessiva violência a eles infligida, optaram por uma via mais revolucionária de resolução dos seus problemas, de modo que Odessa e outras localidades da Rússia se tornaram antros revolucionários, e até mesmo uma revolta naval, a do Encouraçado Potemkin foi feita.


Em termos leigos, a Primeira Guerra Mundial resultou num grande fiasco para a Rússia, além de ter levado à mortes sucessivas de soldados, ter mostrado o despreparo do exército russo, baseado num modelo francês de guerra, e ter acabado no fim com a autocracia, levou a um governo provisório fraco e sem representatividade definida.

Com o avanço dos alemães na fronteira russa e a assinatura do Tratado de Brest-Litowsky, porções da Rússia, como a Polônia, os países bálticos e a Ucrânia caíram  nas mãos dos alemães, levando à indignação dos ocidentais. O domínio alemão na Ucrânia nunca foi algo bem definido, e os alemães não tinham meios logísticos ou de força para obter os grãos que tanto esperavam. E no caldeirão revolucionário resultante de Outubro de 1917, os camponeses ucranianos iniciaram uma revolução antes da revolução das cidades, bem como formaram exércitos de luta tanto contra os alemães, contra os bolcheviques e guardas brancos, o exército negro de Makno, e  o exército verde de nacionalistas ucranianos.


A Ucrânia foi o maior palco de atuação na Guerra Civil Russa depois da Sibéria e do Don, pelo menos cinco exércitos se digladiaram em seu território, cada um com matiz ideológica diferente, e com a eminência de uma vitória bolchevique, que se mostraram mais fortes e organizados, os nacionalistas ucranianos solicitaram o apoio dos poloneses contra a Rússia. A Guerra Polaco-Soviética.

No esforço de guerra os soviéticos tomaram medidas completamente autoritárias como o confisco da produção agrícola dos camponeses, como produto do comunismo de guerra, e os camponeses não contentes com isso queimavam a sua produção e resistiam à guarnições do Exército Vermelho.


Quando finalmente a guerra acabou e o comunismo de guerra foi substituído pela NEP, o que se observou nada foi do que um país em frangalhos tentando se reconstruir. A reconstrução da Ucrânia foi particularmente mais difícil do que a da Rússia, primeiramente por sua economia estar mais atrelada ao campo, que havia sido destruído por quase quatro anos de guerra civil, e a indústria tinha sido deixada a um plano de pouca produção operacional.


A retomada do crescimento econômico da NEP produziu dividendos aos camponeses médios, os kulaks, que passaram a vender a sua produção ao governo. Contudo em 1929, o governo de Iosef Stálin decidiu que a NEP vinha cavalgando a passos lentos e  para financiar o Primeiro Plano Quinquenal, o governo passaria a exportar a produção de grãos no exterior para obter dinheiro para promover uma rápida industrialização. Nisso o governo tabelou os preços dos grãos e os camponeses, e com a recusa dos camponeses em vender os seus produtos sob os baixos preços tabelados pelo governo, levando o governo bolchevique a designar grupamentos do Exército Vermelho e do OGPU a confiscar a produção agrícola, além  de deportar famílias inteiras para a Sibéria;


A fome grassou de forma absurda na Ucrânia em decorrência da grande seca de 1931-32, levando a dez milhões de pessoas à inanição, e outras tantas a um fluxo migratório forçado às cidades em busca de comida, entretanto o regime instituiu novamente o regime de passaportes internos para conter o fluxo de pessoas, levando mais gente ao encontro da morte.

Não foi à toa que com a invasão nazista à URSS, em 22 de junho de 1941 alguns ucranianos saudaram com euforia as tropas alemãs, principalmente depois de anos de repressões, fome, e destruição de templos por causa dos bolcheviques (era comum serem levados os sinos das igrejas para serem fundidos e formarem posteriormente maquinário para a indústria soviética).

Contudo a dominação nazista na Ucrânia se revelou mais brutal que a soviética, com grupos de trabalhos realizando matanças generalizadas, sobretudo de judeus, com apoio de carrascos ucranianos (wigs) e muitas vezes levando à população civil à morte por fome, como foi no caso da ocupação de Kharkov. O movimento partisan ucraniano não chegou a ser tão famoso como o bielorrusso ou iugoslavo, mas não demonstrou ser menos importante.


A Ucrânia e a Crimeia foram retomadas no início de 1944 e a junção de forças concentradas na Ucrânia levaram a formação do 1 ° Exercito Ucraniano sob o comando de Ivan Koniev, o qual além de ter tomado Budapeste, foi responsável pela tomada de Praga e também em certa parte de Berlim.

Com a criação da ONU e de novos organismos internacionais, os soviéticos exigiram que a Ucrânia tivesse representatividade no conselho da ONU, o que foi aceitado com certa relutância pelo anglo-americanos, a Guerra Fria se consolidava e após a isso, nada seria o mesmo.

Yalta, 1945. Nesse balneário turístico, e casa de verão do czar na Criméia os líderes ocidentais, Roosevelt (bastante debilitado na época) e Churchill (bastante raivoso) reuniram-se com Stálin para decidir o destino do mundo a partir de então, a vitória dos Aliados era dada como certa, e era questão de  tempo para se tornar fato consolidado.


Conta-se que a despeito das brigas internas, Churchill se demonstrou preocupado com a situação da Polônia, de fato, a Polônia tinha sido uma das razões pela qual os ingleses entraram em Guerra. A questão que o 2° Exercito do Front Bielorrusso de Rokossovsky tinha tomado Varsóvia num espírito de rixa com seus próprios aliados, e após o desastre da insurreição do Armia Krajowa ficou claro que os soviéticos desejam ter um domínio claro na Polônia.

Com as propostas de Stalin para dividir a Alemanha em três (Inglaterra, Estados Unidos e URSS, a França não fazia parte da conta) para evitar um ressurgimento do militarismo alemão, a ideia de bipartição do mundo se tornou eminente, onde o Exército Vermelho tinha cruzado inevitavelmente seria uma região de controle soviético.


Churchill pensou em uma operação de invasão da própria União Soviética, a Operação Impensável, mas após os relatórios dos generais britânicos relatarem que era impossível uma operação vitoriosa sobre os soviéticos, o primeiro-ministro abandonou a ideia.


A Ucrânia consolidou seus domínios sobre a porção oriental da Polônia, de maioria ucraniana e bielorrussa, e com a bipartição do mundo se tornou automaticamente inimiga dos Estados Unidos.


A bipartição do mundo levou à doutrina de cercear ao máximo e conter o avanço do comunismo e da Rússia na Terra, de modo que os Estados Unidos incentivaram financeiramente medidas para reconstruir a Europa e sobretudo a Alemanha (Plano Marshall) e os movimentos de revolta no interior do bloco soviético, em Budapeste, Praga e posteriormente Varsóvia.


Há duas doutrinas em vigor com relação à Rússia, a primeira visa a sua separação em quatro ou cinco países, de modo que se possa ter um maior controle sobre os russos e que haja um equilíbrio de poder maior pendendo ao ocidente, outra doutrina que está em vigor (que ao contrário da primeira surgiu depois da Guerra Fria), é de que a manutenção da Rússia como está hoje conduz ao movimento harmônico da diplomacia mundial, pois a Rússia é um grande duto de contenção dos nacionalismos, fundamentalismo islâmico e também do terrorismo.


Em todos os casos, a Ucrânia e os países que fizeram parte do bloco soviético são uma questão não resolvida, são a porta de entrada para o mundo eslavo, e para o coração da Rússia, esses países ao mesmo tempo em que são porta de entrada, estão próximos demais de um vizinho poderoso.


O plano de expansão da União Europeia, que nasceu como meio de evitar uma guerra e impedir o avanço do comunismo, se estende aos domínios da Europa Oriental, orientada pela diplomacia alemã, que observa que o domínio agrícola de terras como a Ucrânia e Bielorrússia é algo interessante não só plano internacional de manter presença frente aos russos, mas também como meio de alimentação do próprio continente.

O azar da Ucrânia é que ela vive em dois mundos, entre a Rússia e a União Europeia, e o pensamento da Guerra Fria se mantém até hoje, a crise da Crimeia começou na própria Crimeia em 1945, é uma crise de antagonismos entre a Rússia (ou o ex-comunismo) e as potências ocidentais (o capitalismo ocidental) e quando a União Europeia lançou um ultimato à Ucrânia das condições (bastante duras) para o seu ingresso na União Europeia, a Rússia também lançou condições para manter os vínculos com a Ucrânia. A indecisão do país, de um lado ligado à União Europeia por causa de seus vínculos tradicionais com a Polônia, e com a Federação Russa, devido à raiz da cultura eslava que surgiu a partir de Kiev conduziu uma situação de esquizofrênia das relações internacionais ucranianas que levou aos protestos, a queda de Yanukovich e a intervenção da Rússia na Criméia.


Uma nova Guerra da Criméia? É meio difícil de acreditar, mas a lógica da Guerra Fria se mantém de certa forma, e pior do que isso ninguém sabe no que vai dar. A coisa mais sensata ainda é o fato do Ocidente aceitar a perda da Crimeia aos russos, que é um fato consolidado, de modo que isso impediria mais atrito com os russos, que são importantes na máquina diplomática mundial. A Ucrânia vai sofrer muito se não aceitar que realmente perdeu a Criméia, corre o risco até mesmo de perder outras porções territoriais que são russófilas.

Os dois mundos são a razão da desgraça da Ucrânia, e desde que o acordo de Yalta foi assinado, cada vez mais difícil é a compreensão das democracias ocidentais com a Rússia e da Rússia com as democracias ocidentais. A crise da Ucrânia começou em Yalta. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Bukharin: o teórico esquecido







           Um dos mais importantes teóricos do marxismo, Nikolai Ivanovich Bukharin talvez tenha sido o precursor nos trabalhos sobre o estudo de construção de uma nova sociedade, onde ele mesmo descrevia que o marxismo era uma luta não necessariamente só física por uma nova sociedade, mas uma luta diária e ideológica contra o antigo regime. Onde a religião e os antigos meios de comportamento não seriam abolidos pela força, mas por uma constante luta no campo cultural para reafirmar os valores marxistas.


        A política cultural defendida por Bukharin era algo bem desvencilhado do que viria a ser o Realismo Socialista, ele defendia que os autores e os artistas tivessem liberdade criativa desde que não ferissem os princípios caros da aliança entre os operários e camponeses. Pasternak, Maiakovsky, Maxim Gorky, todos esses constituíam não só o círculo de autores admirados por Bukharin como também eram amigos desse teórico, de modo que o suicídio de Maiakovsky o marcou profundamente.

      No campo científico, Bukharin ficou por um tempo responsável pela construção da Academia de Ciências da União Soviética, embora não fosse um cientista de carreira, e sim um economista e um advogado, Bukharin fez um grande serviço ao tentar conciliar os parâmetros do marxismo e do materialismo histórico com o regime de ciência que se desenvolvera até então na Academia. Teve seus atritos com o teórico da biologia, Ivan Pavlov, por esse cientista ter criticado (corretamente) a visão dos bolcheviques de uma única verdade, o que frustrava o próprio propósito da ciência de procurar novas respostas. Bukharin criticou Pavlov é verdade, em seu "A revolução mundial, nosso país, a cultura, etc. (Resposta ao professor Pavlov)" Bukharin se defendeu das altas críticas que recebeu de Pavlov aos seus dois livros, Revolução proletária e cultura e o ABC do Comunismo.  Pavlov chegou a declarar que: " De que desenvolvimento da cultura podem falar pessoas que, Bukharin inclusive, têm as mãos sujas de sangue".


        Bukharin tinha sido responsável no período da Revolução pela tomada do Kremlin, e coordenou o movimento bolchevique em Moscou. Mas com uma docilidade extrema disse: "a estrutura metodológica e os resultados das pesquisas do prof. Pavlov são uma arma no sólido inventário da ideologia materialista. E o materialismo hoje, em nossa época, é, não devemos esquecer a ideologia do proletariado [...] Logo, é inteiramente compreensível que exsta em nosso ambiente marxista - e sempre existirá - respeito por todos os cientistas que tomam posição contra as turvas tendências mistificantes. Repetimos: cientistas assim, independente das suas intenções subjetivas, trabalham pela mesma causa pela qual nós trabalhamos, marxistas revolucionários. E o Prof. Pavlov pertence exatamente a essa categoria de cientistas"

      Os dois passaram a se conhecer mais depois do episódio, e debatiam sobre biologia em termos bem acadêmicos, embora muitas vezes discordassem, Bukharin tinha conhecimento da teoria de Darwin e conhecia sobre pássaros e mamíferos. Pavlov chegou a frequentar o apartamento de Bukharin tal como outras personalidades da URSS para discutir sobre ciência e biologia.

    Inevitável falar que Bukharin era um economista. Um economista que não só entendia a realidade do seu tempo e percebia que mudanças bruscas na política econômica, numa coletivização forçada do campo e numa industrialização acelerada desafiariam a própria existência do trabalhador rural comum soviético, como também foi ele um dos elaboradores da NEP. A NEP, Nova Política Econômica era algo profundamente provisório feito conforme as necessidades, mas que resultou numa melhor palatina do cidadão comum soviético. A economia mista soviética onde o Estado detinha os recursos, as grandes empresas e os aparatos administrativos enquanto podia haver a permanência de uma pequena propriedade, sobretudo no campo, contanto que não fosse produto de exploração do trabalho de outra pessoa. A NEP foi abolida em 1929, sob crescentes resistências de Bukharin à política de Stálin de hostilizar os camponeses, mas Bukharin foi vencido pela linha estalinista.

Gravura de Bukharin sobre Lenin

      Advogado de formação, Bukharin também auxiliou a elaborar a Constituição Soviética de 1936, uma das mais democráticas até então. Garantia as liberdades de pensamento, liberdades civis, inviobilidade do lar e de correspondência, bem como o direito e dever de todos trabalharem na sociedade soviética. Infelizmente as ideias de Bukharin foram corrompidas com a implementação da Iejovchina.

     Em processo de ser condenado ao ostracismo, Bukharin foi nomeado redator do Izvestia que se tornou o segundo jornal mais popular da União Soviética, correspondia a um jornal que não seguia diretamente a linha do governo, embora jamais tenha sido de oposição. o Izvestia publicava notícias cotidianas, artigos científicos, convocações, e poemas. Pasternak chegou a escrever para o Izvestia.

    Mas nada disso traduz a essência que foi Nikolai Bukharin, pai, esposo, amigo. Cartunista, escritor, economista e revolucionário. Bukharin era tudo isso e muito mais, excelente orador, conquistava as massas com o seu estilo simples e pessoal. Ele constituía a ligação que o Partido tinha com o povo e sobretudo com o campo.




    Bukharin representava o jovem rapaz que um dia se tornou revolucionário, que realmente queria mudar o mundo, mas não se deixou mudar diante os problemas. Bukharin pode ser criticado por muitas coisas, mas não pode ser criticado por não ser honesto. Morreu como revolucionário, embora tenha sido tão bem humilhado no altar do sacrifício da hecatombe stalinista. 

    Morreu desesperado, deixando seu velho pai doente para trás sem amparo, beijou sua jovem esposa Anna Larina, e seu filho recém nascido, e foi levado pelos guardas do NKVD para a Lubyanka, o terrível lugar conhecido pelas torturas e pelos anos de cadafalso. Dizem que Bukharin não foi torturado, mas ele foi humilhado. O sorridente Bukharin que brincava com Lênin, Gorky, Rykov e Ordzhnikidze e outros, que rascunhava alguns desenhos das mais chatas reuniões do Politburo, que falava de literatura com Gorky e Maiakovsky, de economia com Lunatchevsky, biologia com Pavlov e ainda arranjava tempo para escrever para o Pravda e Izvestia, morreu de uma forma tão infeliz que até hoje esquecem-se quem foi ele. 

       Ninguém sabe onde ele está, ninguém lembra de como ele foi importante e do caminho que ele abriu para outros teóricos como Gramsci. Ele morreu e foi esquecido por culpa de um regime tão sanguinário como o estalinismo.

   
Stalin  com o seu habitual cachimbo, retratado também por Bukharin


Trotsky vagando pelo mundo, por Bukharin
















Sergo em seu traje de gala




                                                  Bukharin com Rykov discursando

Anna Larina, esposa de Bukharin, enquanto jovem



A família do Gulag, Yuri Larin é o jovem pai de olhar compenetrado, ao seu lado está sua esposa e os seus dois filhos, netos de Bukharin


Filho de Bukharin hoje, Yuri Larin , tal como o pai, possui uma veia artística forte, sendo um renomado pintor contemporâneo na Rússia
        Fizeram há algum tempo atrás um documentário sobre a trajetória triste de Anna Larina desde o prisão de seu marido e sua consequente prisão para o Gulag na condição de zek: Disponível em: http://vimeo.com/54557097

         Em entrevista à Fundação Russkiy Mir, o filho de Bukharin trata de como foi sua vida sem sua família e como soube que era filho de Bukharin:  http://www.russkiymir.ru/russkiymir/en/magazines/archive/2008/07/article0002.html


 Alguns escritos de Bukharin estão disponíveis digitalmente no site: http://www.marxists.org/archive/bukharin/

       

         O silêncio com que colocam sobre sua voz descreve mais do que mil palavras. Pois quando ainda existe quem pense em Bukharin, ele ainda continuará vivo como sempre ele foi, teórico do Partido, amigo de Lenin, e um bom comunista. "Koba, por que precisa da minha morte?"

sábado, 20 de julho de 2013

Lembranças de Volgogrado



        Ninguém poderia dizer que havia um  céu tão límpido e azulado quanto naquela tarde. Preguiçosamente alguns flocos remanescentes dos feixes do gigante Sol batiam na fronte desse pequeno velho que agora anda calado; era um senhor amável, de aspecto meio bexiguento que caminhava um tanto encurvado, aparentando ser mais velho do que era. Era talvez como o seu avô, mas não tinha um único sorriso enquanto caminhava naquela praça  com o netinho.

          — Aqui, meu neto, ficava a fonte Barmaley, uma fonte de pedra esculpida em torno dessa praça para celebrar um conto infantil, escrito por um escritor russo, Korney Chukovsky.
          — Onde, vovô? Eu não vejo nada.
          — Ficava aqui, ela ficava exatamente aqui onde estou.  Era uma fonte linda, tinha no alto seis criancinhas dançando em volta de um poderoso jacaré. Veja, veja, tenho uma foto dela.

          O velho mostrou-lhe então uma fotografia meio envelhecida, já um pouco gasta, da dita fonte que agora não mais existia.
"Essa é a fonte Barmaley, meu neto"

            — Essa é a fonte Barmaley, meu neto; Foi aqui onde eu beijei a minha primeira namorada, eu tinha mais ou menos a sua idade quando tudo aconteceu; Eu lembro que quando dava domingo, as crianças pulavam na água para se refrescar ou mesmo se esconder no pique-esconde e os namorados compravam uma casquinha de sorvete bem ali naquele bosque.
            — O que aconteceu com ela, vovô? — Inquiriu o netinho curioso.
            — Algo terrível, meu neto. Ela se perdeu junto com a minha infância.

            Deixou um filete de água cair dos olhos, o idoso não teve a coragem de enxugar as lágrimas, tampouco esconder os seus olhos tão inchados. Com um aspecto meio sombrio começou a contar uma história para o netinho.

            — Eu tinha oito anos, eu ainda era uma criança quando vim para Stalingrado pela primeira vez. Estávamos saindo do campo para tentar uma vida melhor; Meu pai era violinista, o som de suas músicas dele continua a tocar na minha cabeça... Korsakov, Balakiev, os grandes sabe? — O neto não compreendeu o que o avô dissera, de certo não sabia essa parte da música — Ah! Que estou falando, você é muito novo para entender sobre música; talvez não  refletiu, afinal, que criança hoje em dia saberia quem foi Rimsky-Korskov ou Mily Balakiev? — Os grandes compositores nacionalistas, os nossos músicos tradicionais. Com a invasão nazista em Stalingrado, para o nosso povo, esse era um simbolo de esperança, para os nazistas, de resistência.
            — Do que está falando, vovô?
            — Um dia, um dia, a Gestapo bateu em nossa casa; uma patrulha qualquer, achavamos que só queriam um pouco de comida, mas não era isso. Um oficial entrou arrombou a nossa casa, eu estava brincando na sala quando eu vi ele, parado bem ali na porta. Sorriu para mim com um aspecto diabólico. Minha mãe correu em minha direção e me escondeu no armário da cozinha, antes que eles me encontrassem de novo.
            — E depois, vovô? E depois?
            Viktor  Gadzhiev, engoliu seco, tentou inutilmente lubrificar a sua garganta já muito gasta: a voz lhe falhava naquele ponto... Medo, cansaço? Talvez os dois, mas em todo caso Gadzhiev tomou um pouco de coragem e retomou sua história.

            — O oficial tinha olhos tão escuros que chegavam a torcer sua alma, e o aspecto vitríneo da cicatriz em seu rosto até hoje me apavora nos meus mais terríveis pesadelos. Eu lembro do modo como fitou a minha mãe, e gritou alguma coisa em alemão... Minha mãe não falava alemão então levou um golpe na cabeça, eu só pude ver o modo como eles a arrastaram como um animal para o divã da sala... Ela devia saber que estavam à procura do meu pai.
            O neto fitou-lhe com olhos arregalados, estava assustado com a naturalidade que seu avô contava aquela história... Gadzhiev não esboçava nenhuma emoção em seus lábios e tinha perdido toda a cor de seu rosto, estava mais pálido que um cadáver. Pergunto eu se depois dessa história ele não queria ser um cadáver.
           — Eles entraram no quarto dos meus pais,  procurando o meu pai, e quando eles o acharam, dormindo na cama, cortaram a sua garganta sem cerimônia; Eu pude ouvir da cozinha os gritos da minha mãe chorando — Um soluço tomou sua voz nesse momento   O nazista voltou com os seus encarregados para a sala e de um sinal para o SS que a segurava contra o sofá. Com uma tranquilidade absurda, disse em um russo muito ruim: "Agora, eu já eliminar o seu marido, vamos terminar tudo isso de uma vez, Russiche Schein!"
         Sua voz estava trêmula naquele ponto,  mal conseguia segurar a emoção que de tal magnitude fazia com que tremelicasse suas mãos :
          — Eles cortaram, rasgaram as roupas da minha mãe, na minha frente... E eles a violentaram; um a um, enquanto cuspiam,  xingavam e a humilhavam... Nenhum daqueles terríveis momentos sai da minha cabeça. O modo como o meu pai foi morto, como um animal, tomado pelo sangue de suas próprias cordas vocais, e a minha mãe, sendo violentada por aqueles sete malditos "fritzies" e depois estrangulada para que não contasse sobre tudo aquilo...
        

          —  ...Eles reviraram tudo, tudo que pudesse ter valor foi levado e logo em seguida atearam fogo em tudo  Gadzhiev soltou um tímida lágrima no canto do olho esquerdo, uma lágrima que passaria despercebida senão tivesse tomado o aspecto delgado de suas rugas — Eu era uma criança, uma simples criança, eu não sabia o que era vida até aquela hora. Eu podia ter feito algo, eu podia ter salvado meus pais, mas não eu fiquei lá, no armário, imóvel, enquanto aqueles malditos chucrutes faziam aquelas barbaridades com eles... Desde esse dia não consigo dormir sem me lembrar do que fizeram com os meus pais.

           O pequeno Anton abraçou o avô no tronco e com dificuldade ergueu seus olhos em direção ao choroso avô.

          — Não chore, vovô, não chore, o senhor não tinha culpa. O senhor não tinha culpa.

         O velho abaixou-se e abraçou o seu querido neto enquanto soluçava baixinho, Gazhiev num dado momento não conseguiu se controlar e já chorava à plena voz enquanto alguns transeuntes olhavam para a cena perplexos. Gazhiev soluçava de dor,  era a guerra. A guerra contra si mesmo, a guerra contra a culpa e o sofrimento.

        Com dificuldade as  lágrimas se secaram e em seguida levantou-se para caminhar junto ao neto pela Prospekt .

        — Eu corri  por essa mesma avenida há setenta anos atrás. Esperei os alemães saírem da casa dos meus pais; Fui sem rumo até encontrar aquela fonte abandonada, onde me sentia mais seguro. Entrei nela e me escondi e foi ali que eu passei a minha primeira noite na rua.

        Gazhiev estava estranhamente sério e sua voz estava mais clara do que nunca:

         — De manhã, quando acordei, encontrei  uma nuvem de fumaça no Céu; o ar estava meio difícil de respirar foi quando me levantei e ouvi passos pesados na Prospekt, e um rugido asqueroso de motor passando pela prospekt.. Eu achei que fossem dos nossos, mas quando tirei a minha cabeça da fonte, vi que não eram nossos irmãos... Eram alemães. 

        Gazhiev apontou para onde os nazistas passaram, num entroncamento de ruas bastante pacífico hoje no centro de Volgogrado. A cidade estava mudada, mas ele conseguiu localizar  por onde o regimento alemão tinha passado:

        — Voltei para a fonte, e fui me arrastando para não ser percebido, foi então que ouvi tiros por todo lado, me fingi de morto na hora. Morto de medo ou não. Bem isso não importa.
       — Eles te encontraram, vovô?

       — Eu também pensei nisso, mas não... Eram nossas tropas,  um grande ataque suicida contra os alemães, quando dei por mim já estava rolando sangue... Tentei me esconder, de todo o jeito que podia , tentei me esconder no que tinha na fonte... Então encontrei um soldado, um dos nossos com certeza. Estava ferido,  agonizando bem ao meu lado. Não sabia como agir, era um homem  forte, nunca julgaria que alguém como ele poderia  chorar que nem uma criancinha, mas ele estava.

— O que aconteceu com ele, vovô?

— Ele foi ferido na perna,  não ia sobreviver... Foi quando  percebi que aquela fonte não era só uma fonte, mas uma vala para os nossos soldados.
— Quer dizer que...
— Sim, eu estava no meio dos mortos... Eu conheci a morte muito cedo, meu neto.

"Sorte a minha que quando tudo acabou eu pude desaparecer dali entre os mortos. Nunca imaginei o que poderia ter acontecido comigo se não tivesse saído dali, talvez eu teria sido morto, talvez os nazistas teriam me pegado e eu estaria morto nos fornos de Auchwitz, o fato é que nada me fará esquecer daqueles dias, meu neto. Nada"

— Aqui foi onde o soldado Akaki Akakiev me encontrou vagando pelas ruas de Stalingrado. Ele me levou pro QG e eu fui evacuado para o outro lado do Volga junto com outras crianças. Descobri mais tarde que Akakiev morreu com estilhaços de bomba à caminho de Berlim, mas que sempre lembrava de como tinha salvado um garotinho em Stalingrado.

"Vês tudo isso? Vês, meu neto? Isso, esses prédios não escondem o que aconteceu aqui. O modo como vi os corpos se multiplicarem bem naquela fonte, ou o modo como os nazistas mataram os meus pais. Aqui, esta cidade, tudo isso aqui está repleto de histórias. Toda a vez que venho para essa essa cidade, tenho lembranças, boas ou ruins, da minha infância. Daquela fonte onde beijei minha primeira namorada, ou daquela mesma fonte onde vi o sargento Iagin morrer diante os meus olhos. A guerra é uma coisa asquerosa, toda vez me lembro disso quando venho aqui. Essas são minhas recordações, as quais não desejo para você".


Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...