sábado, 4 de maio de 2013

Jardim das palavras

       Jardim dissociado da grama espera o pequeno joão-de-barro descer do alto da árvore no mesmo dia em que espero que um bom espírito ilumine o meu caminho, mas aí me lembro de que sou ateu e não acredito em espiritismo.

       Volta e meia alguém passa pelo corredor, da última vez foi uma menina de vermelho que roubou meus olhares com sua beleza mediterrânea. As pessoas acham estranho eu estar parado, em pé, do lado dessa pilastra que se prolonga junto ao corredor das rimas, escrevinhando no meu pequeno caderninho tudo o que sinto e penso.
 
           Decido então procurar um banco onde eu possa me sentar quando sou arrebatado por outra moça que fala ao telefone, ela veste uma roupa comportada e um tanto simples, ao contrário da minha costume que chama muita atenção (modéstia à parte, eu estava muito bonito naquele dia). Ela parecia meio perdida assim como eu ainda estou para a vida.
 
         — Eu já tô indo aí — Disse de maneira meio vulgar a plena voz.

          Para aí onde? Para tão longe que não chega a ser distante, para perto do horizonte e longe do pôr do sol. Tão longe que chega a ser perto de mim. Claro que não, tais ideias são terradoras e não trazem nada nenhum lucro para quem tenta ser científico. Obviamente ela estava conversando com o namorado ou com a mãe sobre algum assunto trivial. Deveras, também não era muito importante para a narrativa.

        Outra vez ouço um pássaro cantando próximo às trepadeiras que se prolongam em torno do edifício, será um sabiá? Seu grito é frio e meio melancólico, como se temesse o fio de sua própria extinção, era tão assuntador ouvi-lo que sua voz ecoou um teor tenebroso no meu ouvido. Censurou-me de certo: "Vês isso aqui, nada terá para ti".

         É divertido pensar que logo a isso, olho para o céu e observo que a despeito de não haver muitas nuvens, ele é tomado por um tom angustiado de cinza de tal forma que é tão sóbrio quanto o meu paletó. Isso é sombrio, na verdade.

          As palmeiras, dez ao todo, se prolongam em formas diferentes ao céu, demonstrando assim a sua envergadura frente ao olhar agressivo do céu.
 
         Não creio que me entenda, caro caderninho, mas eu sonho de olhos abertos, porque já não consigo dormir à noite de tanta angustia. Sinto meu coração bater devagar outra vez e tenho meus olhos bem alertas. Fiz meu exame de vista de novo e descobri que fiquei míope de amor, mas voltei a ser crítico de novo.

        Agora que deixei de ser cego, queria ser surdo, para não ouvir as besteiras que as pessoas contam, mas se o fosse, estaria me privado do maior de todos os meus prazeres que ouvir música nas tardes de luar.

        Pelo menos os meus olhos estão aberto de novo e posso me apaixonar outra vez pelas belas formas da natureza, obtusas e delicadas que se desenham nas curvas de belas mulheres. Posso apreciar essa beleza sem me sentir muito culpado e me divertir um pouco esquecendo o passado.

        Queria terminar tudo isso com um relato melhor do que essa simples nota de rodapé nesse meu caderninho pessoal, mas hoje eu desejo sonhar de olhos bem abertos, acostumar os meus olhos para escreverem de outra forma. A delicadeza com que tentei tecer esse manto de palavras, esse cobertor azul-púrpura não chega nem perto daquilo que tanto senti e tanto me faltou: saudade e amor. Tudo é tão triste quando acabou e finalmente acabou.

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