Na terra das mangueiras a vida está
melhor cada vez mais se assiste o surto do grande desenvolvimento econômico
nunca antes visto na História desse país. Os jornais bombardeiam a todos com
notícias boas da economia e de como o nível de vida do cidadão comum melhorou.
“A vida hoje é melhor, com nossas
medidas econômicas o trabalhador pode gastar mais na padaria comprando pão e
leite. Sem essas medidas a economia irá se estagnar enquanto outras progredirão...”,
ecoava estridentemente o áudio da televisão por cima do balcão da padaria.
Aquela voz vinha se tornando cada vez mais conhecida naqueles dias, era do
ministro da Fazenda, Margarina, nome muito conveniente de ser citado numa
padaria.
É verdade que ninguém presta muito
atenção a essas coisas quando se está na fila para pagar o pão. Nessas horas a
vida se resume na crescente dicotomia entre comer o café da manhã e não chegar
atrasado ao trabalho; Algumas pessoas pensam em conversar qualquer coisa com o
colega ao lado, mas dado ao nervosismo que consome a todos de manhã, nada disso
é possível.
A fila nunca anda e o pronunciamento
do ministro Margarina também. Realmente a vida melhorou, agora as pessoas podem
usar o cartão para pagar o pãozinho, é por isso que a fila nunca saí do lugar,
deixando cada vez mais impaciente um daqueles engravatados que iriam trabalhar.
A bem da verdade, a velhinha logo à sua frente não pagou no cartão de crédito,
de fato nem mesmo sabia usá-lo, achou mais conveniente pagar com uma nota de
cinquenta, para a fúria do jovem rapaz.
“Agora vejamos o fiasco do
empresário Eike Batista” — pronunciou uma voz feminina que apresentava o
telejornal — “Mais uma vez o grande
investidor e dono da OGX teve uma grande
perda ontem; Desde quarta-feira as ações da grande petrolífera OGX despencaram
devido à incerteza sobre a exploração dos campos de Petróleo em alto-mar, e
nessa última segunda-feira apresentaram o pior patamar registrado na Bovespa...”
A fila andou timidamente, mas dessa
vez era o rapaz que seria atendido.
— Bom dia, senhor. CPF na nota?
— Não, creio que não será preciso — “Afinal
só são dois pãezinhos e um frasco de leito, não creio que vale a pena pedir
desconto no imposto”, pensou consigo.
— Cartão de crédito? Aceitamos Visa, Mastercard, American Express.
— Não, obrigado, pagarei em
dinheiro.
— Tem certeza, senhor? Pagar com
Visa é bem melhor.
— Tenho, tenho certeza sim.
Colocou os dois pães sobre o balcão
e o litro leite, enquanto a atendente verificava os preços, o jovem rapaz
voltou os olhos para a tela da diminuta televisão pregada na parede.
“...As ações do empresário Eike
Batista estão sendo vendidas na Bolsa há menos de dois reais, e especuladores e
analistas técnicos acreditam ser esse o fim do Império do grande investidor
brasileiro...”
— Deu oito reais e noventa centavos,
senhor.
— Oito e noventa! Mas isso é um
absurdo! Só são dois pãezinhos e uma caixa de leite!
A atendente deu de ombros, parecia
acostumada com aquele tipo de explosão, ou mesmo estava desinteressada com tudo
aquilo, quem iria saber?
— Sabe como é, senhor — desconversou
— É a inflação, a gente tenta manter os preços, mas tudo acaba aumentando.
— Mas isso é um absurdo — Vociferou
ainda chocado.
— Pois é, infelizmente não posso
falar nada senão serei despedida.
“É melhor calar a minha boca, senão
vou arranjar uma cena aqui que não vai ser legal” — pensou consigo.
— São oito e noventa.
— Sim, sim, eu já entendi — Disse em
um tom mais brando, sentia nos ombros o peso da humilhação. Retirou a carteira
do bolso com bastante dificuldade, embora agora parecesse menor agora, a
carteira não queria se soltar do bolso e quando a abriu sentiu cada vez mais o
dinheiro pesado, que contou pela aspereza da lixa do papel-moeda — Aqui.
Pegou o saco de papel onde estavam
suas compras e saiu de cabeça-baixa da padaria, meio ultrajado com tudo aquilo,
mas foi contido junto à porta pelo grito da atendente:
— Senhor, o seu troco.
“Troco, pelo menos há um troco”,
pensou consigo. Viu-se obrigado a voltar e decidido a reaver o dinheiro
retirado de maneira tão vil retornou ao balcão de atendimento com o pouco
orgulho que ainda conservava em seu semblante.
— Aqui, senhor, aqui o seu troco.
Entregou-lhe um pedaço de papel
timbrado que pela aspereza e tamanho reconhecia-se não ser dinheiro, mesmo
assim ele forçou-se a perguntar.
— O que é isso?
— O seu troco, senhor — Disse em um
tom ligeiramente dócil — São ações da OGX.
— Ações da OGX!?
— Sim, senhor, não está a par dos
preços? Hoje elas valem menos de dois reais.
— Mas isso é ridículo — Enfiou o
papel no bolso e saiu da padaria nervosamente, puxou um cigarro e pensou
consigo.
“Realmente a vida está melhor, onde
já se viu as pessoas comprarem o pão com
o cartão de crédito e receber de troco ações da Bolsa. Só aqui mesmo”, e
sorriu-se no caminho para casa.
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