terça-feira, 30 de julho de 2013

Sobre o ofício do poeta

         O ofício do poeta é um dos mais catastróficos que existem, pois nada é mais penoso que encontrar a rima perfeita e ainda ser estigmatizado por não ser relevante para a sociedade cada vez mais utilitária quanto a nossa.

O poeta é aquele indivíduo que come coxinha vencida na rodoviária, que compra pão amanhecido pra pagar menos e nunca tem um tostão furado. O poeta é o camarada que reutiliza os versos, remenda as rimas para nunca perder um só fio do texto.

Esse mesmo indivíduo é obrigado a encontrar a essência do mais belo da vida e escrever no papel. O poeta deve ser mudo da boca e tísico nos ouvidos. Sim, deve ouvir a todos, reparar no sapato que o engraxate lustrava até a fitinha do cabelo de um singela moça. Não há nada mais tão detalhista quanto o serviço do poeta.

Ainda dizem que o poeta é inútil. Inútil uma ova, somos nós que criamos hinos e canções que reverberam por cantos a fio, somos nós que consolamos corações partidos no final das noites cada vez mais frias, nós que mobilizamos as palavras em formas de versos para criar batalhões de ideias. E ainda dizem que o ofício do poeta é inútil.

O poeta pensa onde outros teriam passado despercebido, ele chora onde outros teriam rido e ele sente com o coração enquanto outros sentem com o bolso. O poeta é sofredor por natureza.


Sim é sofredor, mas alguns se mostram desonestos em nossa prática, aproveitam-se dos versos para brincar com as emoções das pessoas, para ter várias mulheres numa vida desvalida enquanto os verdadeiros sofredores sentem o que devem sentir. Fernando Pessoa disse que “O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que  chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”[1]. Engana-se Pessoa, o poeta realmente sente e ele esconde a sua dor em sua vida cotidiana, mas não esconde quando escreve suas rimas.


Mas uma coisa tem razão ele ao declamar que: “E os que leem o que escreve, / Na dor lida sentem bem, /Não as duas que ele teve, / Mas só as que eles não têm”. O leitor acha que pode se sentir bem com os sentimentos sofridos nos versos e consolo nas estrofes, a rima nunca é tão feliz quanto a intenção do escritor. Na verdade, é um esforço linguístico tentar por todas as ideias no papel.


Verdade seja dita, acho que os poetas não são de todos mentirosos. São até camaradas de valor, veja Lorde Byron morreu na Grécia lutando contra os otomanos pela a independência. E Maiakovsky que não nos deixa mentir, ficou do lado das linhas do Exército Vermelho lutando lado a lado com as palavras e vendo todo aquele horror da guerra que puxou para os seus versos depressivos.


Enfim, o que é o poeta? É um meramente um compilador de palavras? Ou um gênio da argumentação? É um filósofo ecumenicamente transformado em excêntrico ou um simples vagabundo que vive da boemia e de trocar as palavras. Talvez ambos, talvez nenhum dos dois. A verdade é que a escrita deve ser uma arte, ou melhor, é como um carvão, que se moldado a partir das pressões e das temperaturas corretas pode virar um belo diamante.


Os instrumentos que você tem, caro colega poeta, são o papel e a tinta. O papel pode ser qualquer um, até folha de papel velho, mas a tinta não. A caneta deve ser tão delicada quanto sua mente, elegante e leve, de preferência uma tinteiro, de pena tranquila e fluida que pinte de maneira elegante o papel. O problema é quando a tinta suja sua mesa, sua mão e a sua roupa; Bem, você terá que se acostumar com isso.


Para digitar? O computador e o bom teclado defronte a sua cadeira são boa pedida, mas se queres ser preciosista como eu, que tal reintegrar aquela velha máquina de escrever do seu pai que anda meio esquecida no porão. Talvez o refil nem mais funcione direito, ou as teclas digitem-se sozinhas, mas só a energia de se retirar um artefato desses na escuridão representa muito. As suas palavras também, elas são tão fortes que podem ressuscitar pessoas, tirá-las do esquecimento.




Sentes cansado de tanto escrever, é deveras cansativo passar horas a fio sentado numa poltrona redigindo um texto. E pior quando você não consegue escrevê-lo, que frustração! Vá, saia um pouco, vá andar um pouco. Leve um bloco com você, sempre tenha um bloco de anotações à mão, anote o que você vê, o que as pessoas falam ou o que você sente. Escreva, somente escreva.





Não consegue escrever de novo? Escreva o trecho umas três vezes e compare... Qual ficou melhor? Nenhuma? Escreva tudo de uma vez então. Rasgue o papel logo de uma vez, seja niilista, você é o seu próprio deus quando está escrevendo, você pode criar tudo na folha, desde a mais linda personagem até o mais macabro dos monstros.





Acabou? Não? Sente-se hostilizado pelos os outros? Por quê? Lembre-se sempre do que disse o grande poeta, Vladimir Maiakovsky:
Grita-se ao poeta:

"Queria te ver numa fábrica!
O que? Versos? Pura bobagem".
Talvez ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.

Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?

Certamente que a pesca é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.

Pescamos gente viva e não peixes.

Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.

Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?

Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:o poeta ou o técnico
que produz comodidades?

Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.

Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.

Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!

O trabalho é vivo e novo!
Com os oradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó![2]




Então, qual o papel do poeta? Antes de tudo escrever, escrever o que sente e o que pensa. Refletir sobre o que deve ser a vida e o que quer passar ao seu público. Acha árduo? Você não viu metade.




Não é só escrever que faz o poeta, o poeta tem que exprimir suas próprias emoções e nos seus leitores, tem que escrever fluidamente, tem que passar suas ideias, bem como suas paixões ou decepções. Tem que dar vazão, margem aos sentimentos sinceros, ou as vezes não, às vezes tem-se que mentir, mas não iludir o leitor, como Fernando Pessoa dizia de nós, mas mentir uma realidade bonita que às vezes não exista, não contar diretamente que não existe mais amor no mundo e que nem tudo são flores como a gente queria que fosse... A melancolia a gente esconde para nós mesmos.

Poeta também tem que informar, as vezes tem que ser até ativo, participar mesmo, se engajar nas próprias lutas e sair dos versos. Ir para a Guerra na Grécia (Byron) ou lutar junto ao exército de cavalaria (Isacc Babel) ou uma própria Revolução (Maiakovsky). O poeta tem que viver e  constantemente vivendo. Andar, seguir, perseguir novas histórias.


Tem que ser alerta, um mero detalhe pode fazer a diferença. Um anel no dedo de uma moça pode significar muita coisa, um sapato sujo também. A vida é feita de detalhes e imperfeições, cabe ao poeta imaginar tais singularidades e contá-las, ou as vezes não, as vezes esquecê-las e criá-las de outras formas. A poesia não é algo fácil e não é como a escrita normal, ela nos assola constantemente com a métrica, rimas e musicalidade, e nunca é 100% perfeita. Por isso prefiro mais escrever contos e romances a poesias, não que eu não goste dos últimos, mas penso mais em termos cartesianos que neobarrocos.





Esse é o árduo ofício do poeta. Queres escrever por extenso, prepare-se para escrever em verso. Essa é a essência da música, da arte e da oratória. Aqui, tudo aqui na poesia, essa falange da mente.


[1] PESSOA, Fernando. Autopsicografia. Disponível em: http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/143.php
[2] MAIAKOVSKY, Vladimir. O poeta proletário. In: Antologia Poética. São Paulo: Editora Max Limond LTDA, 1983.

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