Como vai minha metralhadora de palavras? Você vai bem? Anda fuzilando dicionários com os seus vernáculos é, é, eu entendo. Faz muito tempo, não é mesmo, hoje você está totalmente empoeirada sem sinais de recuperação.
Para uma máquina de escrever você ainda está bem, principalmente para a sua idade, quantos anos? Trinta talvez? Trinta e cinco? Você está bem velhinha é verdade, mas continua tão robusta e tão imponente quanto da primeira vez que eu te conheci;
Sabe de uma coisa? Chegou uma encomenda para você. Um novo amante vindo de São Paulo, um refil de tinta, quem sabe não podemos passar noites ao fundo nos divertindo ao escrever versos sórdidos e palavras medíocres? Seria legal, não seria? Seria como voltar aos velhos tempos.
Está na hora de te tirar dessa estante, você anda muito tempo encostada parece até que ficou preguiçosa. Logo você? Deve ser a idade, não é mesmo? Eu entendo, eu realmente lhe entendo. O seu genro aqui está se mostrando realmente mais veloz do que a encomenda, embora tenha estragado o seu teclado de maneira tristonha. Não tem problema, eu gosto de feridos de guerra, e esse computador é um deles, ele não aguentou o modo como martelava as palavras, tal como você aguentava.
Enfim, vamos passar um pano nessa poeira. Eu senti saudades, sabe? Muitas saudades, você não sabe o quanto você poderia ter me ajudado nas noites de tristeza no passado. Ah, deixa para lá, o passado só lhe confere o museu, e você minha cara, deve manter-se sempre viva e alerta para não se tornar inútil.
Vamos abrir essa tampa? Hum? Já está se insinuando para mim? Você não perde o tempo mesmo, para uma trintona você está inteiraça, os circuitos em plena forma e suas sinuosas teclas eriçam os pêlos de minha nuca. Que belas teclas que você tem. Se você fosse uma mulher, seria como a Michelle Pfeifer ou melhor a Demi Moore, já que você é morena. Eu realmente não entendo essa coisa de máquinas de escrever envelhecerem mais rápido do que as pessoas, eu realmente não entendo. Pelo menos os anos não chegaram a você, ainda bem.
Sabe foi você que me iniciou na vida, costumo brincar que a minha primeira vez foi com você, escrevendo é claro. Sua maliciosa! Foi em suas teclas que aprendi a juntar as palavras e a brincar com elas, tal como as crianças brincam de travessuras na primavera.
Sim, eu retomei o gosto pela escrita minha querida, depois de muito tempo. Aconteceram coisas na minha vida que agora deixo para o passado. Vejamos, aqui, aqui está o refil. Sabia que ele é muito especial, eu tive que encomendá-lo da fábrica, sim, lá da sua velha mãe, a megera da Olivetti, demorou muito para chegar, mas enfim chegou.
Brincadeiras à parte, eu queria ter escrito nesses dias em ti do que no seu arqui-inimigo, tal como queria ter dividido minhas esperanças, medos e experiências nesses dois meses que se passaram. Dois meses! Parece que foi mais, tanto faz, hoje eu sei que nós colocaremos muita conversa em dia, eu e você, o que acha?
Pronto, o refil encaixou. E nossa, como você ficou bonita agora, esse refil novo destaca as suas letras. Se você fosse uma mulher com certeza estaria agora com um biquíni bem provocativo. Sim, eu sei, eu estou de brincadeira, não precisa fazer fita, eu sei que estou passando dos limites.
Então, minha cara? Vamos tentar? Mais uma vez. Vamos. Vai ser legal, vai ser gostoso. Eu escrevo em suas teclas e você exala aqueles gemidos metálicos que só você consegue fazer. Isso, isso mesmo. Vamos lá.
Aperto a primeira tecla, tal como um adolescente aperta o primeiro sutiã da amada. Apertei o A... Você me vem com um F. Não pode ser, não é possível. Apertei um S, vem um A.
Não, não!
L, B. Aperto o G, vem um ponto. E nem era o ponto G. Você está de brincadeira comigo, não é possível. Eu gostava de você como pode fazer isso comigo? Aperto a letra C, vem o número 3. Mas porquê, eu não te entendo.
Foi porque eu te deixei encostada na minha estante? Mas não foi culpa minha, o refil tinha acabado. Não faz isso comigo. Vamos tentar de novo. Descanse um pouquinho e aí eu te ligo de novo. Letra A... FILHA DA... Tudo bem, calma.
Eu não esperava isso, realmente não esperava. Você está de birra não está, tudo bem, não vou mimá-la mais, você vai ficar aí parada enquanto eu escrevo aqui nesse computador que eu sei que você odeia. Você merece, quem mandou fazer birra, agora aguente. Depois de tanto tempo você me faz isso, é por isso que eu gosto de você; É por isso que você é a minha máquina de escrever.
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